Sunday 5 September 2010

A Opinião de Noé Nhantumbo

QUANDO A ARROGÂNCIA GOVERNATIVA VIROU A MARCA REGISTADA DE UM GOVERNO...

Falhanço do Black Economic Empowerment?... É preciso olhar para além do óbvio...

Beira (Canalmoz) - As características dos regimes políticos instalados em Maputo e Pretória só diferem de dimensão e de língua oficial utilizada. Pode haver de facto outras diferenças quanto aos manuais de procedimentos mas na essência estamos vivendo sob o signo de dirigentes políticos nacionais mas com a suas economias completamente dominadas por outras pessoas ou corporações que vão ditando o que se faz ou deixa de fazer na esfera económica. Quem governa supunha que entregando de mão beijada tudo ao capital internacional teria todos os problemas resolvidos.
Todo o conjunto de reclamações de populares nestes dois países e especialmente o que agora se verifica na capital moçambicana é fruto de uma governação que nunca soube escutar e entender a voz de seus próprios concidadãos. Imbuídos de espírito e mania de grandeza e de pessoas acima de qualquer questionamento, governantes que foram efectivamente eleitos por povos, se afastaram de maneira vergonhosa dos mais elementares hábitos de boa-governação. Afastaram-se com repulsa da austeridade e da contenção orçamental. Declararam um combate feroz à participação popular nos actos governativos em nome de supostas alegações de “segredo do negócio” e de outras artificialidades que só acabam protegendo uma acumulação feroz dos recursos públicos por eles próprios.
Onde está o peso real do salário mínimo oficial? Como podem os moçambicanos viver com este salário? E quanto a dizer que a culpa é da conjuntura o que isso tem de verdade?
Se na África do Sul a postura dos sindicatos tem obrigado governo local a negociar com os trabalhadores o mesmo não se verifica em Moçambique porque aqui os sindicatos quase que são uma caricatura do termo e do significado do mesmo. Nunca se viu em lugar algum sindicalistas mendigarem ao patronato a compra de camisetes e bonés para celebrarem o dia dos trabalhadores condignamente. As declarações que se ouvem dos diversos quadrantes afectos ao governo do dia tendem a abordar as manifestações populares de Maputo como obra do diabo e de aproveitamento oportunista de alguns bandidos e maltrapilhos.
Mas uma das perguntas que se podem fazer é “quem produziu estes miseráveis todos que agora aparecem estragando o descanso “merecido” da oligarquia governante”?
Quem é que tem gerido a coisa pública de maneira tão secreta e auferido salários e regalias escandalosas quando comparadas com o salário mínimo periodicamente estabelecido?
Para onde vão as nunca referidas contrapartidas financeiras pela exploração dos recursos naturais moçambicanos? Falam de migalhas como algumas realizações enquadradas na responsabilidade corporativa de empresas que lucram escandalosamente extraindo recursos naturais moçambicanos. Que significado e que impacto isso tem realmente para o país? Não se atrevem a abordar a necessidade de renegociação de contratos com a multinacionais como se isso fosse um pecado capital. Porquê?
Ou o país é efectivamente de todos ou então toda a mascarada chamada de governação não passa de artifício para lesar os governados nos seus direitos inalienáveis e fundamentais.
A questão que todos entendem é que não se pode falar utopicamente de igualdade absoluta. As pessoas entendem que o PR merece e deve ter todas as condições que o cargo lhe confere. Mas os cidadãos também entendem que não pode haver coabitação entre o esbanjamento escandaloso de recursos públicos e uma pretensa ofensiva de luta contra a pobreza.
O “empoderamento económico negro” baptizado como forma resolvente das injustiças históricas herdadas dos colonialismos transformou-se em instrumento eficazmente utilizado para o enriquecimento de uma minoria que até dos seus antigos companheiros da luta pela independência se esqueceu.
Se as pessoas se lançam nas ruas e reclamam é porque se sentem sufocadas. Já não aguentam mais viver ou suportar o peso das condições em que os seus governantes os colocaram.
É da responsabilidade dos governos gerirem os diferentes dossiers de interesse nacional e produzir soluções que tragam estabilidade, emprego, dignidade, paz e satisfação das necessidades humanas básicas. Governar não é só usufruir das mordomias que acompanham os cargos mas sobretudo servir os cidadãos utilizando todos os recursos intelectuais, económicos e sociais disponíveis para satisfazer os governados.
Mas a recusa continuada de escutar algumas vozes, que até gratuitamente, tem oferecido alternativas para abordar alguns dos dossiers mais significativos do país, e com possibilidade de libertar ou gerar recursos, que se canalizados para actividades essenciais, estariam oferecendo a números crescentes de moçambicanos outras condições de vida e sobretudo mais dignidade tem sido uma das características da arrogância governativa local.
É preciso tornar realidade o aproveitamento criterioso das condições naturais do país e deixar de sujeitar os governados à importação de tomate e cebola ou óleo da África do Sul. O país até pode produzir o tal trigo que se diz que subiu de preço nos mercados internacional.
É preciso que se diga com a “boca cheia” que alguma coisa de muito grave está falhando na abordagem eleita pelo governo como forma de colocar o país na senda do desenvolvimento. Os paliativos apresentados aos cidadãos como justificação de que alguma coisa está caminhando bem são clara e manifestamente insuficientes. Ao fim do dia os moçambicanos são transportados como “sardinhas enlatadas” para suas precárias casas e seus filhos ficam à espera de um jantar que muitas vezes não é confeccionado porque falta arroz, farinha, caril, carvão. É esta a realidade quotidiana de largos segmentos deste sofrido e martirizado povo.
Aventuras de mercado livre como foi dito as pessoas tem significado um hipotecar real das possibilidades nacionais de auto-sustento e de desenvolvimento de uma economia com significado para os cidadãos. Quem beneficia com a SADC senão a África do Sul e suas empresas?
Políticas de fomento de culturas industriais que só tem em vista beneficiar multinacionais e alguns governantes encarregues de administrar pelouros relacionados, tem se traduzido em défices crónicos, ilógicos e inaceitáveis de alimentos, poluição e desmatamento insustentáveis.
Onde está o governo e o que faz tal governo para criar condições que os moçambicanos aprendam a produzir para o seu sustento e para abastecer a indústria nacional?
Como se pode chamar de governar bem quando se é manifestamente incapaz de alimentar seu povo?
Para que serve toda a consultoria encomendada e todos os acordos de cooperação quando ao fim do dia a maioria só chora de fome?
Tem de haver limites respeitados pelos governantes na execução de suas políticas.
Reprimir ou tentar conferir um carácter de desacatos da ordem pública às manifestações de populares não vai resolver os problemas nacionais.
Este é o tempo de se debater os problemas do país que ultrapassa elogios encomendados ou tentativa de certos media de transferir as culpas para a conjuntura internacional desfavorável.
Não se pode embarcar por medidas tendentes a promover a globalização da economia nacional sem se olhar para o genuíno interesse nacional.
Mesmo os mentores da globalização continuam protegendo seus mercados...
Sem que o governo central se entregue na busca de soluções que se traduzam em desenvolvimento real e no estabelecimento de políticas que se centrem na austeridade e responsabilidade orçamental, a sementeira continuará a ser de conflitos, crises e a utilização da força policial para controlar manifestações.
Temos condições naturais de passar a produzir pelo menos a nossa alimentação sem termos que sofrer sempre alegando que a conjuntura internacional se altera ou é manipulada para esse fim.
Neste momento de crise o que se pede as autoridades governamentais e a todos os políticos é que assumam as suas responsabilidades.
Ceifar vidas humanas não é decerto o caminho a seguir.
Queremos tudo menos um governo arrogante e irresponsável.
Se há que “apertar o cinto” que sejamos todos a fazê-lo...

(Noé Nhantumbo)

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