Editorial
Todo o Poder também significa toda a responsabilidade
Maputo (Canalmoz) - Está tudo a postos, para a Frelimo mostrar serviço. Tem o presidente, o Governo que quis, os governadores que escolheu e a Assembleia da República moldada para ser como é, pese embora se conheçam todas as habilidades orquestradas para atingir tal patamar. Tem tudo nas mãos, excepto o Município da Beira, ainda que, mesmo ali, tenha maioria na Assembleia local. Tem até Afonso Dhlakama – o ainda líder da oposição – sob uma espécie de “prisão domiciliária”, em Nampula, manso e aparentemente rendido, por vencido. Tem o “bebé prodígio”, MDM, “acantonado”, sem bancada – por “magia” de um regimento parlamentar desenhado no formato que mais convém a quem tem inequívoca propensão para obstruir os outros e enorme vocação para a ditadura.
A Frelimo, agora, não pode dizer que não a deixam governar. Sempre teve a maioria absoluta, o que já lhe retirava a possibilidade de convencer os outros de que alguém lhe criava obstáculos. Mas, agora, honestamente não tem, desculpas. Se antes dizia que era a oposição que a ocupava com coisas inúteis e assim ia tentando sacudir a água do capote quando metia argoladas, agora tem a maioria qualificada, tem as comissões da Assembleia da República, praticamente todas, na mão. Tem tudo na mão.
Agora, se os jovens não tiverem emprego, a Frelimo já não pode dizer que perde muito tempo a pensar nos problemas que a oposição lhe cria.
Agora, se os formados pelas universidades não conseguirem colocação, a culpa é exclusivamente de quem não consegue ocupá-los.
Agora, quem não tiver água potável para beber, só tem de concluir que é o “governo retumbante” que não é capaz de resolver os seus problemas.
Quando se partir a barra da direcção da viatura; quando rebentar um pneu, etc., por causa dos buracos nas estradas, ruas e avenidas, o cidadão já sabe que a culpa toda é de quem tem a faca e o queijo na mão.
Se há cortes constantes da energia eléctrica, já é só culpa do Governo, que não consegue garantir melhor.
Se o pão sobe de preço, a culpa é do Governo, que não consegue encontrar alternativas aos senhores que têm o monopólio do trigo, etc…
Se os combustíveis faltam, a culpa é do Governo. Se os combustíveis sobem de preço e quem governa congela os preços para se manter no poder, só a quem fez isso se podem pedir responsabilidades, quando tudo der para o torto.
Se os tribunais se queixam de falta de verba para funcionarem, a culpa é do Governo.
Se a Polícia não consegue estancar o crime, a culpa é do Governo.
Se, nas empresas públicas, se continua a roubar, a culpa é do Governo.
Se, nas repartições, continuar a imperar a corrupção para que as coisas andem, a culpa é do Governo.
Se os cidadãos não conseguem ter Bilhete de Identidade, a culpa é do Governo.
Se os cidadãos têm de pagar mais do que um salário mínimo nacional para terem Passaporte, a culpa é do Governo.
Se em Tete, onde está a “nossa” Cahora Bassa, se paga pela energia eléctrica o mesmo que em todo o País, “porque todos devem pagar para que os outros possam tê-la”, e esse mesmo critério oficial não serve quando se trata de se porem os combustíveis a custarem em Tete o mesmo que custam onde estão as “estações oceânicas” de Maputo (Matola), Beira e Nacala, porque, alegadamente são onerados pelos custos de transporte, cabe aos cidadãos de Tete reivindicarem tratamento igual, junto do Governo. Nada vale pedirem à oposição. Com a oposição, só poderão contar nas próximas eleições, se se sentirem frustrados com o Governo que teremos até lá.
Tudo, daqui em diante, só terá um responsável: o Governo e, obviamente, se os dois terços (2/3) são da Frelimo por força da vitória retumbante e esmagadora, só à Frelimo se poderão pedir responsabilidades de força retumbante e esmagadora.
À oposição, que já estava reduzida à insignificância, agora, então, nenhuma responsabilidade se lhe pode atribuir.
É este o preço de quem quer tudo para si. Tem o Poder todo, mas também, na justa proporção, deve ter a responsabilidade.
Da oposição, só se pode esperar muito trabalho fora do palácio da Assembleia da República e das instalações das assembleias provinciais, onde a Frelimo tudo montou para ter maioria qualificada.
Já que ao Parlamento os deputados da oposição, particularmente os do MDM só irão fazer figura de corpo presente, como estão próximos uns dos outros, que isso ao menos lhes possa servir para irem orquestrando operações de fiscalização, porque, embora não tenham bancada, têm mandato do Povo, que os elegeu para não darem folga às instituições públicas e empresas públicas.
O estatuto de deputado, até aqui, serviu para os senhores deputados da oposição serem apenas verbos de encher.
Desta vez, a Assembleia da República tem outra bancada. E tem deputados eleitos pelas listas da Renamo, mas que estão assumidamente zangados com o “líder” Dhlakama, que já não tem qualquer hipótese de recuperar dos tantos “tiros” que já deu “nos seus próprios pés”.
Os deputados da Assembleia da República têm imunidade e mandato para agirem. A desculpa de que não têm bancada não pode ser usada para enganarem o eleitorado, que confiou neles. A desculpa de que não têm verba para trabalhar, também não serve. Têm, antes, de perceber que esta fase carece de mais voluntariedade. Os moçambicanos já tiveram que lutar contra contratempos maiores. Com imaginação, talvez os deputados do MDM ainda consigam pôr a Frelimo a preferir retirar do Regimento da Assembleia da República, com a maior urgência possível, os mecanismos de exclusão que montou com o beneplácito dos senhores da Renamo, de quem, há muito, se desconfia da sua fidelidade à causa de quem entende que alternância democrática é a maior virtude deste sistema, por não permitir que os instalados continuem a julgar-se donos do que pertence, por direito, a todos os demais moçambicanos.
(Canal de Moçambique)
2010-01-29 07:53:00
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