- João Leopoldo da Costa, Presidente do órgão, na sua primeira grande entrevista sobre a questão das candidaturas
Nunca agimos com intenção de prejudicar fosse quem fosse - João Leopoldo da Costa, Presidente do órgão, na sua primeira grande entrevista sobre a questão das candidaturas
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) em nenhum momento agiu com intenção de prejudicar fosse a quem fosse ou para favorecer fosse a quem fosse. Esta foi, em resumo, a tónica da entrevista de mais de duas horas que o Presidente da CNE, Leopoldo da Costa, concedeu, sexta-feira, em exclusivo, ao “Notícias” para se debruçar sobre o processo eleitoral, com destaque para a problemática das candidaturas, que muita tinta fez correr nos últimos dias.
Maputo, Terça-Feira, 6 de Outubro de 2009:: Notícias
Leopoldo da Costa explicou que talvez se a CNE tivesse sido mais agressiva em termos de comunicação antecipada em alguns momentos do processo algumas dúvidas que hoje são levantadas provavelmente não surgissem ou surgiriam com menor força. “Talvez aí nós falhámos um pouco”. Cordial e disponível para responder “fosse o que fosse”, João Leopoldo da Costa recebeu a equipa do “Notícias” no seu Gabinete de Trabalho já no final da tarde de sexta-feira e começou por considerar oportuna a conversa, pois constituiria uma oportunidade para se “desfazer algumas zonas de penumbra” que alegadamente existiam em torno do processo de candidaturas às eleições.
Para além das questões técnicas, a conversa também serviu para o Presidente da CNE falar de si e de toda a conjuntura que, na sua opinião, está por detrás daquilo que chamou de “barulho” em torno do processo. A seguir reproduzimos as partes mais significativas da entrevista:
Notícias (NOT,) – Começaríamos por fazem uma resenha daquilo do processo de candidaturas para as eleições legislativas e provinciais. Sr. Presidente, pode nos explicar?
Leopoldo da Costa (LC) – Muito obrigado por esta oportunidade que o Jornal “Notícias” nos concede para ajudar a esclarecer aparentes zonas de penumbra que têm sido objecto de muitos comentários e críticas de alguma Comunicação Social e não só. Dizer que no acto de preparação destas eleições, em Maio do ano em curso, aprovámos duas deliberações. A primeira, com o número 9/CNE/2009, de 14 de Maio, que aprovou o calendário do sufrágio para as eleições legislativas e para as assembleias provinciais. Aprovámos igualmente a deliberação 10/CNE/2009, também de 14 de Maio, atinente aos procedimentos relativos às candidaturas. Ambas as deliberações foram bastante divulgadas, quer através dos órgãos de comunicação social, com destaque para os jornais, quer por via do Boletim da República. Este calendário deixou claro que a apresentação de candidaturas tinha lugar de 1 de Junho a 29 de Julho. A mesma deliberação deixa clara a necessidade da entrega de processos completos, o que, na prática, não foi o que aconteceu, como sabem. Os partidos deixaram tudo para o último dia, dia 29 de Julho, com o agravante de entregarem processos incompletos ou listas sem processos ou ainda processos sem listas a acompanharem... os tais casos que o Conselho Constitucional (CC) diz que a CNE nem sequer os deveria ter recebido.
NOT. – Para além desta maneira formal, digamos assim, de divulgar estas duas deliberações, não foram levadas a cabo outras iniciativas de divulgação destes dispositivos, afinal são determinantes para o processo todo?
LC – Em paralelo, após a publicação destas deliberações e durante as visitas de trabalho que nós efectuámos às províncias, tivemos o cuidado de nos reunirmos com os partidos políticos e chamarmos à sua atenção para uma série de actividades que estavam previstas no calendário eleitoral e que estavam sujeitas a prazo. Dissemos-lhes que era importante observar, com rigor, os prazos. Isto porque no ano passado, não sei se se lembram, facilitámos um pouco a acção dos partidos políticos no que concerne à questão dos prazos. A CNE facilitou porque, quando terminou o prazo de apresentação de candidaturas, constatou que em cerca de 15 autarquias o partido no poder, a Frelimo, iria concorrer sozinho. Então, receávamos malentendidos, pois ao publicarmos as listas assim como estavam, poderiam tanto os cidadãos moçambicanos como a comunidade internacional, entender que ao agirmos deste modo pretendíamos facilitar o processo ao partido no poder. Por isso, contrariando a lei, nós publicámos o que na altura chamámos de listas provisórias (que eram as listas apresentadas tal e qual nos foram entregues), chamámos os partidos e falámos com eles, explicando-lhes que iríamos estender o prazo para a regularização da situação.
NOT. – E ao agirem assim julga que foram bem sucedidos?
LC – Mesmo assim, há partidos que não se conformaram e reclamaram. Já depois desse prazo de extensão que nós demos para trazerem os documentos em falta, houve quem não tivesse cumprido e nós retirámos os nomes das pessoas que estavam nas listas cuja situação não havia sido regularizada. Então, esses partidos se sentiram lesados e recorreram ao Conselho Constitucional. O CC, naturalmente, solicitou os “dossiers” para entender o que estava a acontecer e criticou-nos.
AS CRÍTICAS DO CC
NOT. – A que argumentos é que a CNE se recorreu para tomar estas decisões?
LC – Na altura, os argumentos que apresentávamos foram de tolerância, confiança e boa- fé nos partidos políticos, acreditando, de facto, que eles tiveram dificuldades em obter os documentos pedidos, tomando em conta o que muitos chamam de nosso Moçambique real, considerando todas as dificuldades que eles disseram ter encontrado nos distritos para obter um ou outro documento…, então foi em função disso que em nome de um espírito de colaboração, de boa-fé e tolerância a CNE alargou os prazos. Porém, foi devido a estes argumentos que o Conselho Constitucional, no Acórdão n° 9/CC/2008, de 13 de Novembro, foi muito claro e passo a ler alguns extractos desse acórdão: “... é manifesta e preocupante a facilidade com que a CNE lidou com os prazos legais para o suprimento de irregularidades. Com efeito, invocando fundamentos sem cobertura legal para o caso concreto, nomeadamente “tolerância”, “bo- fé”, “espírito de colaboração”, a CNE manteve candidatos em situação irregular, para além dos prazos legalmente estabelecidos para o seu suprimento”. Esta foi a crítica do CC. Dentre diversos argumentos que apresentávamos para defendermos a nossa posição, afirmávamos também que a ideia era de tentar envolver maior número de partidos nas eleições e a reacção do CC contra este argumento foi o que passo a ler “... a CNE num espírito de colaboração e apoio mútuo previsto no artigo 42 da Lei n° 8/2007, de 26 de Fevereiro, (nós - CNE - tentámos dar um suporte legal a estes argumentos) de tolerância e igualdade de oportunidades, visando conferir ao processo uma maior participação dos concorrentes inscritos..., permitiu aos faltosos e ao ora recorrente que procedessem a entrega da documentação em falta fora do prazo, num espírito de generosidade da CNE”. Esta foi a crítica do CC. Aliás, mais adiante o Conselho Constitucional diz “por isso, qualquer actuação que não obedeça ao que está previsto ou imposto nessa regulamentação e disciplina, e passe a orientar-se por critérios casuísticos e subjectivos de conveniência ou de oportunidade, estranhos à letra e ao espírito da lei, prejudica os princípios de objectividade e igualdade de tratamento que devem prevalecer ao longo de todo o processo eleitoral, potenciando ilegalidades, mais ou menos graves, reversíveis e irreversíveis”. Portanto, o CC criticou a nossa actuação e termina dizendo que, “Em suma, porque a CNE se eximiu de aplicar estrita e rigorosamente a lei, rejeitando pronta e legalmente as candidaturas que não reuniam a documentação necessária nos prazos legais, a CNE pela deliberação 105/CNE/2008, de 08 de Outubro, acabou por aceitar e incluir nas listas definitivas candidatos que eram de facto inelegíveis... estas são as nefastas consequências da falta de rigor e da inobservância da legalidade”.
APRENDEMOS A LIÇÃO
NOT. – Esta situação foi a vivida nas autarquias...
LC – Exactamente, tudo isto em relação às autárquicas de 2008... sabem, se no ano passado tivéssemos cumprido a lei, com rigor, como fizemos agora, teríamos tido este “barulho” todo no ano passado. Estaríamos a ter de digerir todo este “conflito”, estas falsas acusações de parcialidade a favor do partido no poder desde o ano passado até hoje. Então, tomámos essa decisão porque queríamos evitar, exactamente, que se entendesse que a Comissão Nacional de Eleições quereria privilegiar a Frelimo e, como viram, fomos criticados justamente porque a lei é para ser cumprida, não é para estarmos aqui a dar facilidades. Os partidos políticos têm que cumprir a lei e mais nada e aqueles que não a cumpriram têm que assumir as consequências desse facto.
NOT. – Tudo isto serviu de “lição” para a CNE
LC – Nós não podíamos voltar a cometer o mesmo erro do passado. Então, desta vez, cumprimos a lei tal como ela é.
RENAMO NÃO CONCORRE EM ALGUNS DISTRITOS
Maputo, Terça-Feira, 6 de Outubro de 2009:: Notícias
Neste cumprimento rigoroso da lei... fica um pouco no ar a ideia de que, provavelmente, a Frelimo e a Renamo foram os “mais beneficiados” deste critério, visto que ambos têm representantes na CNE e saíram a concorrer em todos os círculos. Mas João Leopoldo da Costa deixou claro que não houve proteccionismo em relação a nenhum partido, tanto que há alguns distritos em que a Renamo não ficou apurada para concorrer.
LC – Não houve nenhum proteccionismo. Simplesmente, estes dois partidos políticos, a Frelimo e a Renamo, têm uma tradição mais longa de participação nos processos eleitorais que os demais partidos. Eles aprenderam dos erros do passado. Um dos partidos que beneficiou de algumas facilidades a que já nos refererimos, no passado, é a Renamo, mas este ano percebeu que seríamos muito rigorosos, então, penso que por causa disso teve o cuidado, também, de se organizar melhor. Diga-se, em abono da verdade, que a Renamo, apesar de ter aqui membros na CNE, não vai concorrer em todos os distritos. Há distritos em que não concorre porque não ficou apurada! Embora a Renamo concorra em todos os círculos, dentro de cada província, há distritos em que ela não ficou apurada, isto para as eleições das assembleias provinciais. Portanto, não é verdade que estamos aqui a favorecer o partido Frelimo e a Renamo.
MDM TEVE DIFICULDADES DE DIALOGAR CONNOSCO
O MDM afirma que cumpriu a lei e a deliberação da CNE sobre as candidaturas. Mostra-se interrogado em relação ao facto de o CC afirmar que a maioria das suas listas é rejeitada devido à falta de processos, enquanto afirma ter apresentado tais documentos à CNE que até o notificou para suprir irregularidades processuais. E chega a acusar a CNE de extravio de documentos. Quer comentar? – Solicitámos a Leopoldo da Costa, ao que explicou:
LC – Eu penso que um dos problemas do MDM é a dificuldade de dialogar connosco. Nós recebemos aqui o MDM para lhe explicarmos o que aconteceu, mas aquele partido limitou-se a proferir ameaças contra nós e não houve espaço para o diálogo. Foi pena porque se tivéssemos dialogado, o MDM, na pessoa do seu dirigente máximo, se calhar teria se apercebido de alguns problemas que aconteceram e que nós temos documentados. Por exemplo, quando o MDM apresentou à CNE a sua lista de candidatos para o círculo de Cabo Delgado, ele próprio disse que Jerónimo Artur, e Miguel António Suquia não têm processos. E ele diz que procedeu à entrega de processo. Mas ele só procedeu a essa entrega de processos no dia 17 de Agosto. A submissão e entrega de processos de candidatura terminaram no dia 29 de Julho. E a crítica que o CC nos faz agora é que nem sequer deveríamos ter recebido essa lista, se tomarmos em conta que esta lista deveria ser suportada por 23 candidatos efectivos e pelo menos três suplentes. O facto destes dois não possuírem processos faz com que ela passe a ter 21 efectivos e três suplentes. Já não responde às exigências da lei e, por isso, nem se quer carecia de apreciação, e muito menos de notificação. Ela cairia automaticamente. Inclusivamente, na deliberação da CNE está claro que não se aceitariam processos incompletos, e não só, o próprio MDM quando entrega os documentos já sabe que lhe faltam processos. Ao entregarem no dia 17 de Agosto, quando o processo terminou a 29 de Julho, os processos em causa deixam de ter mérito para serem apreciados. A partir de 29 de Julho já não há espaço para recepção de processos. Acabou!
NOT. – Então, o problema aqui prende-se com o facto de a CNE ter recebido os processos depois da data-limite.
LC – Não, não deveriam ter sido recebidos. Simplesmente o que acontece é o seguinte: as pessoas, quando vão fazer a entrega de documentos na secretaria ou no cartório, a pessoa que recebe tem que cumprir com a sua missão. O funcionário recebe, confirma que recebeu, e remete os documentos ao Presidente da CNE que por sua vez por despacho, os remete às comissões de trabalho competentes para a devida apreciação. São essas comissões de trabalho que depois de apreciarem os dossiers emitem o respectivo parecer e submetem à plenária para aprovação.
NOT. – Os documentos que entraram nesta data, 17 de Agosto, são que não foram apreciados pela CNE?
LC- São documentos que não têm mérito para serem apreciados pelo órgão por serem extemporâneos, salvo os que resultam da notificação por irregularidades processuais supríveis. Os que forem processos completos são insupríveis, portanto, estão fora do prazo...
NOT. – Mas o MDM apresenta aqui uma relação de assuntos que a CNE afirma que carecem de correcção, em notificação apresentada a este partido.
LC – Sim, trata-se de peças processuais. Mas é preciso reconhecer que pode ter havido aqui algum erro que nos induziu na falsa percepção de haver espaço para a entrega de processos. Esta é a critica que nos faz o Conselho Constitucional, pois estas notificações nem deviam ter sido feitas, dai que o CC anula estas notificações. Não se notifica o partido para trazer processo, mas sim documentos que estejam em falta num processo individual.
Nós dividimos os membros da CNE em subcomissões para analisarmos as candidaturas, apreciam e tomam nota das irregularidades processuais que encontram e depois submetem à comissão de verificação da qualidade que, por seu turno, classificaria de imediato os casos com erros sanáveis dos insupríveis e finalmente envia para o gabinete do Presidente que aprecia em definitivo e manda notificar.
NOT. – Então admite que a CNE falhou na comunicação?
LC – Sempre admiti, mas isso não justifica o erro de base cometido pelos partidos: envio tardio de documentos, envio de listas com número de candidatos à tangente, processos sem listas, nomes de um mesmo candidato repetido em várias listas, etc., etc. Recebemos vários partidos políticos, em privado, a quem estivemos a explicar o que aconteceu e notámos que não se faziam acompanhar por juristas. Eles não estão a ser devidamente assessorados, então têm uma forma bastante subjectiva de interpretar a lei. Por isso é que acontecem estes desastres. Sem querer particularizar, mas para reforçar a resposta à sua pergunta anterior, por exemplo, o MDM diz, numa carta que nos endereçou, que dada a dificuldade de encontrar o Sr. Armando Branco no prazo estabelecido na notificação mencionada, “junto se remete à v. Excia processos individuais de Dário Alau, Halima Latifo, Aruce Norberto para suprir a ausência deste candidato e reforçar a lista de suplentes”. Eles trouxeram no dia 17 de Agosto, um processo para substituir o de um indivíduo que eles têm dificuldades de se comunicar com ele. Isto não tem cabimento. Deixa dar-lhe um exemplo terra a terra: numa competição de futebol, na hora da partida são apresentados os que vão jogar e os suplentes. Arranca a partida. Se houver substituições, elas devem ser feitas dentro daquele grupo já definido de suplentes. Não se traz novos jogadores. Aqui é mesma coisa.
NOT. – É o tal critério da lista fechada?
LC – Exactamente. A partir do momento em que eles não têm suplentes suficientes para preencher os espaços abertos com a anulação de uma candidatura, correm o risco de ver toda a lista a cair.
SEGURANÇA REFORÇADA
Maputo, Terça-Feira, 6 de Outubro de 2009:: Notícias
NOT. – Outro aspecto levantado pelo MDM relaciona-se com extravio de documentos. Este partido afirma que desapareceram documentos seus na CNE, pois só assim se explicam as razões evocadas pelo CC para reiterar a rejeição das suas listas. Que dizer desta acusação?
LC – A nível da CNE não existe nenhuma possibilidade de extravio de documentos. Primeiro, os membros da CNE que se encarregaram da apreciação dos documentos de candidatura estavam proibidos de entrar na sala de verificação com pastas, sacolas, mesmo com capas (sobretudos ou gabardinas). Portanto, não vejo como poderiam entrar ou sair com processos. Segundo, ficou definido que a única cor de caneta que seria usada na sala era vermelha. Não se admitia outro tipo de caneta, isto para se evitar a tentação de se viciar documentos a favor desta ou daquela candidatura. E havia muito rigor em ralação a esta matéria. Uma das razões que, de alguma forma, levou-nos a publicar as listas mesmo em cima das datas-limite, foi porque os processos foram apreciados e reapreciados. Havia comissões de trabalho que apreciavam os dossiers e depois preenchiam os mapas de controlo (que enviámos ao CC) e depois a Comissão de Verificação da qualidade fazia mais uma análise após os suprimentos. Portanto, não há aqui como acontecer algum extravio. O que houve foi, sim, falta de entrega dos processos no dia 29 de Julho por parte do MDM, facto por eles próprios confirmados em cartas enviadas à CNE.
DEMOCRACIA NÃO ESTÁ AMEAÇADA
Alguns círculos de opinião defendem que a democracia em Moçambique está ameaçada devido ao facto de se ter rejeitado a maioria das listas dos partidos concorrentes às legislativas e provinciais, assim como a exclusão de seis dos nove candidatos às presidenciais. Partilha dessa opinião?
LC – Quando o Conselho Constitucional deliberou pela aprovação apenas dos três candidatos que vão concorrer às presidenciais (Daviz Simango, Armando Guebuza e Afonso Dhlakama) e excluiu outros seis, deixava claro que o CC iria ser muito rigoroso na apreciação dos processos. Quando chegaram a conferir impressões digitais, deixaram bem claro isso. É curioso que nessa altura, mesmo que tenha havido algum ruído, não se fez tanto barulho como agora. A minha pergunta é: quem é que realmente está a ser parcial na análise. Somos nós, a CNE, ou os nossos críticos? Porque é que os nossos críticos não fizeram tanto ruído quando foi da exclusão de seis candidatos a Presidente da República? Ou será que dentre os que passaram está algum partido que é da preferência dos que nos criticam? Se alguém não está a ser imparcial neste tipo de análise são eles que, talvez por isso, nos julguem pela sua pauta. Porquê tudo isso? Não compreendemos! Inscreveram-se 29 partidos para as legislativas e provinciais. Os que foram totalmente excluídos são apenas 10 e não 17 como se diz em alguns círculos da comunicação social. Alguns partidos ficaram aprovados num ou noutro círculo e há partidos que concorreram apenas por um determinado número de círculos eleitorais. Estes foram aprovados na totalidade. Portanto, deixar claro que não é verdade que nós tenhamos matado a democracia por exclusão de partidos no processo eleitoral. Isto é um concurso. Se é um concurso pressupõe-se a apreciação de processos, podendo passar ou não passar.
POLÉMICA É POR CAUSA DO MDM
NOT. – Opiniões há que afirmam que houve mais “chumbo” que o normal...
LC – Voltando para a questão de estarmos ou não a matar a democracia, devo dizer que, por exemplo, para as legislativas, na cidade de Maputo concorrem oito partidos; na província do Maputo seis partidos; Gaza oito partidos; Inhambane seis; Manica seis partidos; Sofala sete; Zambézia seis; Tete quatro; Nampula sete; Niassa oito; Cabo Delgado sete; Europa três e África quatro. Portanto, não é verdade que estamos a mater a democracia. Agora, isto é óbvio e eu diria o seguinte: se calhar nós podíamos, nos 29 partidos e coligações inscritos, retirar a todos, mas se ficasse o MDM já não havia problema. Se ficasse, por exemplo, Renamo e MDM já não havia problema. Sim. O que está a levantar toda esta polémica é o MDM com o suporte de alguns círculos da Comunidade Internacional.
NOT. – Houve algum acto deliberado de se excluir, por excluir?
LC – Antes pelo contrário, nos até se calhar somos culpados em ter incentivado os partidos a se inscreverem. Muitas vezes até dizíamos nas reuniões que tínhamos com eles que com a retirada da barreira de cinco por cento, muitos poderiam ter a oportunidade de ser eleitos. Como vos pude demonstrar a distribuição dos partidos por cada círculo eleitoral varia de três a oito. Portanto, para cada círculo eleitoral temos mais de um partido a concorrer. Não é verdade que só esteja a Frelimo e a Renamo, como se anda a dizer por aí. O critério que foi usado para apurar os que foram seleccionados foi o mesmo que usámos para a avaliação dos que não foram apurados. Não houve pautas distintas em função do tipo dos concorrentes.
CULPADOS POR TER E POR NÃO TER CÃO
NOT. – Se estava tudo tão claro assim, porquê a existência deste clima de suspeição?
LC – Nós estamos a ser culpados por ter cão e por não ter cão. Em 2008 fomos criticados por não termos cumprido a lei, por termos sido inclusivos. E em 2009, somos criticados por termos cumprido a lei. A única forma de sermos inclusivos, como hoje se defende, é cumprir a lei. E quando no passado, não cumprindo a lei para facilitar a avalanche dos partidos a concorrer e facilitar a tal inclusão que hoje se defende, foram os próprios partidos que se queixaram contra nós no CC e o Conselho Constitucional justamente nos criticou. Este ano nós cumprimos a lei e os mesmos partidos foram se queixar!
POSIÇÃO DO G19 NÃO FOI ELEGANTE
Maputo, Terça-Feira, 6 de Outubro de 2009:: Notícias
Que apreciação faz da posição assumida pelo G19? – Questionámos a João Leopoldo da Costa, ao que respondeu:
LC – Eu estava habituado a lidar com este grupo da forma mais cooperativa que a “troika” assumia até então. Tínhamos uma relação em que eles vinham colocar as suas dúvidas, apresentar as suas sugestões, etc. etc. Nós tivemos, com eles, duas ou três reuniões no Hotel Vip em que apresentámos o estágio de preparação das eleições autárquicas e agora das gerais e provinciais. Inclusivamente, o porta-voz da CNE, Juvenal Bucuane, já se deslocou a um outro encontro para lhes dar alguns esclarecimentos. Infelizmente, quando surgiu este “ruído” em torno das listas, houve aqui um partido que saiu daqui (da CNE) dizendo que ia apresentar queixa contra nós à Comunidade Internacional, nomeadamente, União Europeia e à Embaixada Americana. Logo a seguir alguém telefonou a pedir um encontro. Eu sugeri ao G19 o encontro para sexta-feira, de acordo com o meu calendário, mas insistiram que fosse quinta-feira e já vinham com uma posição tomada. Portanto, ouviram a outra parte, fizeram o seu juízo e depois vieram como que “ler a sentença…” Portanto, a CNE sentiu-se no direito de explicar como o processo decorreu. Portanto, a posição do grupo não me pareceu muito elegante. Mas considero um acidente de percurso e não guardo qualquer mágoa por isso. Passou e vamos em frente! Contaremos sempre com eles em todas as fase até ao fim do processo.
NOT. – Neste momento qual o relacionamento com G19?
LC. – Considero normal, inclusive, já houve alguns deles que vieram, em privado, pedir encontros de cortesia, recebi-os e foi muito normal.
NOT. – A CNE também teve um encontro com diplomatas africanos, asiáticos e sul-americanos...
LC – ...completamente diferente do primeiro. Estes queriam ouvir, dar-nos sugestões de como poderíamos esclarecer melhor ao público sobre o que está a acontecer e tranquilizar o eleitorado. Portanto, foi totalmente diferente do G19. Eles também manifestaram disponibilidade em apoiar e colaborar no processo. Como disse, foi uma atitude totalmente diferente. O G19 veio como que para impor regras, o que não me pareceu totalmente correcto.
NOT. – Como está o processo de preparação da fase seguinte deste processo eleitoral?
LC – Está tudo a decorrer normalmente. Estamos, neste momento, a fazer a produção do material eleitoral. Esta produção estava pendente a espera da decisão do CC. Refiro-me aos boletins de votos das legislativas e provinciais. Estamos a fazer esforços para recuperar o tempo que se perdeu de maneira a garantir a colocação de todo esse material em tempo útil nas províncias. Também está já em curso a formação dos membros das mesas das assembleias de voto, com cerca de 100 mil candidatos. Para além de questões de natureza operacional para o processo de votação e apuramento, a formação vai compreender matérias como o código de conduta dos membros das mesas das assembleias de voto e do ilícito eleitoral. Tudo isto para evitar que se cometam erros, como os verificados no ano passado em Nacala. Por outro lado, assinámos um memorando de entendimento com a União Europeia para garantir a sua livre circulação no país, uma vez que, criticavam porque nas eleições de 2004 e 1999 tiveram dificuldades de circulação. Não vemos problemas de os ver a circular antes, durante e depois das eleições. Não temos nada a esconder.
SER MÉDICO NÃO ME PÕE CONSTRANGIDO
NOT. – O facto de ser médico de profissão não lhe cria constrangimentos no desempenho das funções de Presidente da CNE, um órgão que lida basicamente com leis?
LC – Quando eu iniciei as minhas funções fiz um périplo por alguns órgãos. Visitei o Conselho Constitucional, a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal Administrativo e a Assembleia da República para me inteirar de como funciona a articulação e qual o papel de cada um destes órgãos. Também conversei com alguns presidentes das comissões anteriores e promovi um encontro com a Comissão presidida pelo Reverendo Litsuri para passagem de testemunho. Um dos pedidos que eu fiz, particularmente ao Conselho Constitucional, foi que me sugerissem nomes de juristas que no seu entender são especialistas ou tenham o domínio do Direito Constitucional e Eleitoral para me assessorarem. Foram-me sugeridos nomes e eu tenho trabalhado com essas pessoas. Além disso, a CNE tem juristas entre os seus vogais e que constituem a Comissão dos Assuntos Legais e Deontológicos. O meu papel como presidente do órgão é fundamentalmente o de procurar encontrar caminhos consensuais, ouvindo todas as partes, às vezes até com consultas aos meus assessores jurídicos, etc. Penso que tenho conseguido levar a bom termo o meu trabalho. Todas as deliberações, digo cerca de 200, aprovadas por esta CNE foram por consenso e unanimidade. Por outro lado é preciso lembrar que colhi alguma experiência de gestão ao longo de toda a minha carreira médica e docente, lidando com várias sensibilidades, culturas, ideologias, etc. A CNE hoje é um órgão coeso e conseguimos transmitir este modelo de gestão até ao nível distrital. Penso que consegui tudo isso, incluindo a gestão preventiva contra potenciais mal entendidos no ano passado, talvez por ser médico (risos).
DÓI-ME QUANDO TENHO PESO DE CONSCIÊNCIA
NOT. – Como encara o facto de aparecer nos órgãos de informação e, muitas vezes, a sua figura a ser posta em causa?
LC – A gestão do processo eleitoral por parte desta Comissão Nacional de Eleições iniciou em 2007. Realizámos eleições autárquicas no ano passado e foi tudo pacífico e correram bem. Pela primeira vez os boletins de votos foram analisados a 100 por cento. Pela primeira vez, ao fim de 24 horas, já se começava a anunciar os resultados. Criámos um centro de Imprensa onde quem o quis pôde acompanhar no dia-a-dia o processo de apuramento. Então, eu penso que trabalhámos bem. Agora, surgiu este ruído todo apenas porque nós fomos rigorosos no cumprimento da lei. É preciso compreender que a Lei impõe-nos alguns constrangimentos e por isso os calendários são muito apertados. O ideal teria sido, depois de publicarmos as listas, termos tempo para gerir todo este ruído, o contencioso e só depois desta etapa darmos os passos subsequentes. Estamos cientes de não haver agido de má-fé, daí mesmo aqueles com quem falámos dissemos claramente que querendo poderiam interpor recurso ao CC.
Portanto, resumindo e para responder à sua vossa pergunta, dói-me mais quando tenho peso de consciência. Aí digo cá para comigo .... poderia ter evitado isto. No caso vertente, estou tranquilo, pois sei, perfeitamente, que tudo que a CNE fez foi cumprir a lei eleitoral. Inverdades acredito que continuarão a surgir... pois até sei que estão sendo forjadas cartas cuja autoria será atribuída à minha pessoa.
BI DE JOÃO LEOPOLDO DA COSTA
João Leopoldo da Costa nasceu na cidade de Maputo, no bairro do Chamanculo, em 1956, é o mais velho de um grupo de oito irmãos.
Casado com uma médica, ginecologista/obstetra, doutorada pela Universidade Autónoma de Barcelona e docente universitária, ele é pai de duas filhas que também estão a seguir Medicina.
Leopoldo da Costa é Licenciado em Medicina desde 1981, Médico Otorrinolaringologista e Especialista em Saúde Pública. Fez um mestrado em Saúde Pública na London School of Hygiene and Tropical Medicine e o Doutoramento em Medicina e Cirurgia também pela Universidade Autónoma de Barcelona. É consultor para várias organizações nacionais internacionais (OMS, UNDP, UNICEF, UNESCO, UNFPA, USAID).
Já foi Presidente do Conselho Científico e Director adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, membro do Conselho Académico e do Conselho Universitário da mesma Universidade. Actualmente é reitor do ISCTEM.
É Membro da Academia de Ciências de Moçambique e do MARP. É membro Fundador do Grupo de Investigação para África e América Latina (GRAAL).
Foi Presidente do Conselho de Reitores de Moçambique e do Fórum das Comissões Eleitorais da SADC.
Tem várias publicações científicas publicadas em revistas internacionais indexadas. Iniciou a carreira docente numa escola secundária em 1974.
Delfina Mugabe e Mussá Mohomed
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5 comments:
Esse gajo do Leopoldo de intelectual nao tem nada. Mas de Ladrao tem muito e sabe facilitar os seus apaniguados (Frelimo).
Essa que temos é uma merda de democracia.
Na minha singela opinião, a CNE quer amputar o pescoço da democracia.
Caro Araujo, o meu respeito por ti subiu muito. É um acto de coragem, da tua parte, publicares esta entrevista que demonstra que a tese do roubo de documentos é falsa. Isto se chama abertura de espírito.
Digo isto porque, pelo que me lembro (posso estar enganado) tu alinhaste na tese de que a CNE teria sido menos lisa na maneira como tratou deste expediente.
Mesmo que não concordes com o Doutor Leopoldo, o facto de lhe dares voz, fez subir, em muito, a minha consideração por ti.
A blogosfera fez-me conhecer-te minimamente. Sinto que não comungas o tom insultuoso dos comentários que me precederam. Sei que se quiseres discordar do teor da entrevista, fa-lo-ás sem adjectivação diminuidora e sem insultos.
Juntos no amor a Moçambique
Obed L. Khan
So Deus sabe qual e a verdade. Para mim, ha alguma coisa que nao esta bem explicada: ou da parte da CNE ou da parte dos partidos politicos (excluidos, claro).
"Nunca agimos com intenção de prejudicar fosse quem fosse"
Alguem ja viu um ladrao a confessar?
Eu nao sou ingenuo.
Orlando
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