Friday, 28 August 2009

A Opinião de JOÃO BAPTISTA ANDRÉ CASTANDE

Sobre as riquezas e seus questionamentos (1)

SR. DIRECTOR!

“(...) A pobreza denuncia a presença de injustiça e a existência de uma riqueza desonesta. Semelhante pobreza que significa empobrecimento é resultado da desmesurada ganância dos ricos. Ela não é nenhum bem, porque se deriva de um mal.


Que alguém, numa situação de pobre, pode ainda conservar sua dignidade humana e renunciar a todo espírito de vingança e de possuir gananciosamente, é fruto não da pobreza, mas da inesgotável grandeza humana que se torna capaz de superar tudo e ser maior do que cada situação.Não é por causa da pobreza que ele conserva sua humanidade mas apesar dela. Não é por causa desta dignidade humana vivida e conservada apesar do mal da pobreza que vamos ideologicamente justificar a pobreza. Antes pelo contrário: por causa da dignidade inviolável de cada pessoa devemos combater a pobreza, não para contrapô-la à riqueza e propor a riqueza como ideal, mas para buscar relações mais justas entre os homens que impeçam a emergência de ricos e pobres” – Leonardo Boff, Teologia do Cativeiro e da Libertação, pp. 226
Amiúde, Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo, dois embondeiros do Partido Frelimo, lançam apelos à sociedade nacional no sentido de que esta saiba questionar a origem das riquezas que uma parte de nós, moçambicanos, tem vindo a ostentar a partir do momento em que o país abraçou o sistema capitalista. Mas antes de mais nada, talvez seja pertinente recordar que a opinião pública nacional considera que Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo e outras personalidades cujos nomes não caberiam neste texto constituem resíduos de exemplos vivos de irrefutável honestidade e coerência política e, por conseguinte, pontos de referência obrigatória.
Só que para a infelicidade de muitos de nós, constata-se que no âmbito da disciplina partidária governante os pontos de vista dos seus altos dirigentes não são bem convergentes em certos assuntos candentes da vida nacional, ao contrário do que outrora habituaram-nos. Entretanto, ressalvo desde já que, em condições normais, o «pingue-pongue» de opiniões divergentes que agora nos é dado a assistir na praça pública não constituiria surpresa alguma, se tal resultasse do simples exercício daquilo que se chama de direito à opinião contrária.
No entanto, entendo que a ampla liberdade de expressar críticas e opiniões que é reconhecida aos membros do partido no Governo, só pode ser exercida em relação a assuntos sobre os quais não haja sido tomada decisão definitiva. Este meu entendimento resulta da leitura que faço do artigo 19 dos Estatutos aprovados pelo 9º Congresso, que exige o respeito dos seus membros pelas decisões tomadas democraticamente, estimula o diálogo, reconhece o direito de consulta e de concertação de opiniões para exposição de ideias, porém proíbe a estruturação de tendências no seio dos órgãos do partido.
Vem este arrazoado todo a propósito dos pronunciamentos públicos recentemente proferidos pelo respeitado General do Exército na reserva, Alberto Joaquim Chipande, relativamente às alegadas críticas que alguns concidadãos têm feito a certos altos dirigentes do partido Frelimo, em virtude de estes exibirem sinais de riquezas individuais, pronunciamento este que por sua vez foi objecto de duras críticas em alguns órgãos de informação nacionais, com ou sem motivo justificativo.
No ponto mais extremo das críticas havidas contra o pronunciamento do General, situou-se o concidadão Filipe Gagnaux, numa atitude quiçá justificada pela forma directa, severa e deveras inadvertida como aquele (General) relacionou o processo de acumulação de riquezas com a epopeia de libertação da mãe-Pátria do jugo colonial. Errar é humano.
Na minha opinião, este tipo de assunto e outros candentes da vida nacional, devido à indubitável delicadeza de que se revestem, devem ser analisados de forma desapaixonada, o que desde já proponho-me a fazer nos seguintes termos:
a) Joaquim Alberto Chissano, exactamente na derradeira do seu último mandato como Presidente da República de Moçambique, e respondendo a certas apreciações pouco abonatórias de alguns doadores estrangeiros, dizia o seguinte, cito-o de memória: “não gosto que quando alguém oferece-me um casaco, passe a vida a recordar-me que foi ele que m’ofereceu... ”;

b) Julgo que o referido apelo do nosso diplomata-mor deveria ser ouvido e escrupulosamente tido sempre em mente por todos os nossos concidadãos que se acham incluídos nos grupos de compatriotas referidos nos artigos 14 e 15 da Constituição da República de Moçambique, designadamente: 1) aqueles que de diversas formas resistiram à dominação estrangeira da nossa Pátria; 2) os que se organizaram e com armas nas mãos enfrentaram e contribuíram para o derrube do colonial-facismo português; e 3) os combatentes pela democracia, visto que o Povo moçambicano não esquecerá jamais os seus feitos heróicos, eu creio;

c) Ora, passar a vida inteira a vangloriar-se desses feitos, pode ser uma forma de se expor ao ridículo, esvaziando-se desta feita os valores patrióticos que representam os sacrifícios consentidos e os feitos epopeicos logrados e que a todos orgulham-nos!

7. Quanto ao processo de acumulação de riquezas no nosso país, penso que nenhum cidadão honesto e justo está contra. O que amiúde se questiona – e há reconhecidas razões de sobeja para tal – é, na verdade, o tempo que se leva, os meios usados e a forma pouco ou nada transparente como tais riquezas aparecem. E aqui nada justifica o facto de a pessoa questionada ter sido combatente disto e daquilo. Objectiva e claramente, estou a afirmar que nenhuma espécie de combate ou acto de heroísmo pode justificar a auto-premiação tão ilegítima como a que hoje está em voga.

8. Há extrapolação e inversão de princípios morais e éticos que deixam confusos cidadãos minimamente atentos aos fenómenos da vida nacional. Exemplos (?):

a) Um dos objectivos do Programa Quinquenal do Governo 2005-2009 é a “redução da pobreza absoluta” mas, em contraposição, hoje são recorrentes vozes de alguns poucos triunfalistas obcecados insinuando a criação de riqueza. Mas como apelar a criarem riqueza cidadãos que nem sequer conseguiram reduzir o estado de “pobreza absoluta” em que vivem? Isto, no mínimo, é imoral porque aviltra sobremaneira os cidadãos interessados em manter a sua dignidade humana!

b) Quem disse que a ausência da pobreza é sinónimo de riqueza? Aliás qual é, afinal de contas, a decisão tomada democraticamente pelo partido governante acerca dos processos de acumulação de riquezas individuais no nosso país? Mais do que uma decisão partidária unilateral, o consenso nacional precisa-se sobre esta matéria;

c) Vezes sem conta, acusa-se os “pobres” de tomarem a sua pobreza por símbolo de “honestidade”. Será? Na minha modesta opinião, esta é sem dúvidas uma atitude quão abusiva como perigosa para uma sociedade que ainda vive na mendicidade abjecta de ajudas externas!...

Repito, impõe-se a tomada urgente de posição oficial de consenso nacional sobre o assunto relativo a processos de acumulação de riquezas, de modo a evitar fazer dos cidadãos reféns permanentes de discursos enganosos, contraditórios, demagógicos e inconsequentes.

Coincidentemente, na página 30 do semanário «Canal de Moçambique» de 20-8-2009, Mia Couto deixa-nos uma mensagem messiânica:

“Imagino que surgirá uma pequena classe média a partir de conflitos internos. A África não é diferente do resto e sempre evoluiu por motores internos, São conflitos que estão surgindo hoje e são visíveis por exemplo aqui, em Moçambique, e na África do Sul, onde, além daquilo que são as forças históricas de contraposição política, estão surgindo outras. Há qualquer coisa nova no panorama em que a divisão não é mais aquela herdada do pós-independência, em que há os heróis libertadores de um lado, intocáveis, e do outro aqueles tidos como saudosistas do passado colonial ”.

Mas ainda há outro tipo de discursos cuja análise é obrigatória, para a melhor compreensão dos factos em presença:

“ (...) sabem, na opinião pública nota-se que há pessoas que têm ódio da Frelimo, daí que é preciso muito trabalho para garantir a vitória e uma maioria absoluta no Parlamento, se não perdemos. Uma eventual derrota pode ser perigosa, nós como da Frelimo temos que ter em mente que se um novo Governo ganhar, somos os primeiros a ser perseguidos e assassinados um por um, razão pela qual temos que nos engajar massivamente para defender a Frelimo”. Estas são palavras que o semanário «ESCORPIÃO» de 17-8-2009 atribui a um meu amigo, respeitado e exímio combatente da Luta de Libertação Nacional. Diga-se em abono da verdade que esta é uma forma desesperada de (des)mobilizar, enganando e amedrontando os seus circundantes com fantasmas. É o jogo do “vale tudo”!...

Porém, a minha consciência diz-me que o Povo moçambicano não confundirá nunca Frelimo, o partido herdeiro da Frente libertadora da mãe-Pátria, com actos indecentes de determinados indivíduos nele infiltrados à última hora. Posso estar enganado, mas creio bem que não é característica dos moçambicanos promover actos de perseguição e matança a concidadãos seus, pura e simplesmente por motivos de ordem político-partidária. Já o provamos durante estes cerca de 17 anos decorridos desde a assinatura do sempre memorável Acordo Geral de Paz, a 4-10-1992, em Roma – Itália.

Com o entendimento firmado no ditoso dia 4 de Outubro de 1992, nós os moçambicanos aprendemos, uma vez para sempre, a usar a arma mais sofisticada para a resolução dos nossos conflitos internos, tal é o diálogo comunicativo, o respeito e consideração do nosso semelhante sem discriminação de qualquer espécie, a tolerância recíproca e a solidariedade. Ademais, é facto de consenso nacional que a Frelimo faz parte de nós mesmos e da nossa história e não haverá jamais força capaz de apagar a história de todo um Povo digno e soberano que somos!

É tanto assim que as críticas que de vez em quando temos vindo a fazer nesta página do grande matutino «Notícias», não devem ser consideradas como sinal de ódio, mas sim um singelo acto de ajuda e encorajamento não só ao partido que nos governa, como também às demais forças políticas que aspiram conquistar as rédeas da governação. Queremos ser governados com justiça e em legalidade.

E finalmente, sendo verdade que os pobres são capazes de “renunciar todo o espírito de vingança e de possuir gananciosamente”, então eu sugiro, em contrapartida dessa virtude, que os nossos compatriotas ora bafejados com riquezas individuais vivam na maior tranquilidade, isto é, sem medo e sobretudo sem ofender os “pobres”, uma vez que neste mundo só teme quem deve, enquanto os ditos pobres vivem bem conscientes das razões e circunstâncias exógenas da sua pobreza!

Tenho dito.

P.S.- Parece-me que foi atitude manifestamente indecorosa e anti-ética que o Venerando Juiz Presidente do Conselho Constitucional se tenha pronunciado, unipessoal e publicamente, pela rejeição liminar da reclamação dirigida àquela instituição pelo cidadão Jacob Neves Salomão Sibindy. Valha-nos Deus!...



JOÃO BAPTISTA ANDRÉ CASTANDE
Maputo, Sexta-Feira, 28 de Agosto de 2009:: Notícias

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