Friday, 28 August 2009

A propósito do baile de máscaras

SR. DIRECTOR!

Muito agradecido por ter aceite a publicação desta carta no jornal que V. Excia dirige. Quando o meu telemóvel tocou, reparei que era a Zinha, uma minha antiga aluna da disciplina de língua inglesa. Após os cumprimentos de praxe, ela fez-me recordar de uma conversa que tivemos há muito tempo, numa das minhas lições. O título da lição era “cottage”, que em português significa casa de campo. A Zinha, quando ainda menina, dizia que o seu maior sonho seria ter uma. Como nunca se esqueceu dessa conversa, ligava agora para me convidar para inaugurar a sua “cottage”.

Maputo, Sexta-Feira, 28 de Agosto de 2009:: Notícias
Muito orgulhoso por ela ter-se recordado de mim, fiz-me presente no tal almoço de inauguração. E foi aí que aconteceu a história que eu queria contar. A meio da festa, para partilhar o corte do bolo, a Zinha e o namorado convidaram o irmão do DJ, o Dinho que, por coincidência, completava vinte e três anos naquele dia.

- Kota, chega aqui Kota - dizia o Dinho, chamando para perto de si um indivíduo de idade. Kota para aqui, Kota para acolá, abraços prolongados, pela forma carinhosa como se tratavam, eles só podiam ser pai e filho.

No momento em que a Zinha entregava a fatia de bolo ao namorado, nós, os convidados, como é tradição, gritámos para eles beijarem-se. O Dinho, ao lado, para incentivar o casal e numa atitude que considerámo-la engraçada, beijou o seu kota nas mãos. Com os nossos assobios e palmas cadenciadas, o casal acabou beijando-se. Mas qual não foi o meu espanto quando, num acto simultâneo, o Dinho e o tal “Kota” fizeram o mesmo, beijando-se fervorosamente na boca, como somente um casal apaixonado sabe fazer.

Um autêntico escândalo! O Dinho e o Kota, provavelmente animados pelo efeito do álcool, deixaram cair a máscara. Não eram pai e filho coisa nenhuma, eles eram obviamente um casal do mesmo sexo.

Não me contendo perante uma cena tão degradante, fui ter com a minha antiga aluna para manifestar a minha indignação. Só que ela, num tom de brincadeira, disse-me o seguinte:

- Professor, porque está tão preocupado com isso? Eu também beijei o meu namorado. Então, porque o Dinho não pode beijar o dele?

E muito mais séria a minha ex-aluna acrescentou:

- Sabe Professor, há um grupo de pessoas que vive num autêntico baile de máscaras. Por receio de estigmatização, elas têm duas vidas. Uma de dia para agradar à sociedade e outra à noite para se agradarem a si próprias. E com medo de se descobrirem ou de serem descobertas são essas pessoas as primeiras a condenarem às outras. Mas por mais esforço que façam, um dia a máscara cai.

- Ich! Acho que ela tem razão! - disse eu para com os meus botões. Por isso, antes que a minha máscara caísse, cortei a conversa. Peguei na dama que me acompanhava e de mãos dadas fomos para a pista. Ao som de “I will survive” beijámo-nos. Bailámos até ao anoitecer.

Jekyl Hide

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