Thursday 13 August 2009

A Opiniao de António Cipriano

Caro Obed Khan


Desde já, pedir as sinceras desculpas pela intromissão. Acredito que, ao postar o teu texto, o fizeste ciente de que haveria muitas interpretações sobre o mesmo e também muitas críticas sobre as tuas posições. A minha intervenção é mais no sentido acadêmico: algumas pontuações tuas sobre alguns conceitos. Quanto ao conteúdo do texto de Nuno Castel Branco, confesso não ter competência e nem conhecimento histórico suficiente para discutí-lo, sob pena de fazer juízos de valor equivocado.


O que me inquieta? É a aparente confusão que faz entre proletariado e trabalhador. Penso que, conforme o meu parco entendimento, o conceito de trabalhador é amplo e não restrito ao proletariado. Permita-me, extrair trechos da minha dissertação de mestrado para sustentar a minha tese. Em seguida, também extrairei outro trecho da mesma dissertação onde Samora Machel fez o uso amplo do conceito de trabalhador. Não estou em defesa de Castel Branco, mas sim, parto de uma inquietação acadêmica. Postas estas premissas, vamos ao texto do mestrado, no qual escrevi:



"A confusão em torno dos conceitos que sustentam a concepção de educação politécnica está na má interpretação do entendimento que Marx tinha do conceito práxis (Petrovic, 2001, p. 294). Essa interpretação, segundo Petrovic, teria começado com Engels, no discurso que proferiu junto ao túmulo de Marx, o que contribuiu para o uso dos conceitos de trabalho, prática e práxis como sinônimos (Petrovic, 2001, p. 294).

Na educação escolar, o conceito trabalho foi defendido em razão da questão social de que Marx foi um dos principais denunciadores. No seio dessas denúncias, Marx definiu o trabalho como “atividade vital e transformadora” (Marx, 1988, p.142). Segundo Marx, é pelo trabalho, no sentido de atividade orientada para um fim, que o homem, na sua relação com a natureza, transforma essa natureza e a si mesmo (Marx, 1988, p.143).

Assim entendido, o trabalho identifica-se com a práxis[1]: “a ação livre, universal, criativa e autocriativa, por meio da qual o homem cria e transforma seu mundo humano e histórico e a si mesmo” (Petrovic, 2001, p.292). Desse modo, o trabalho é uma “atividade específica do homem, que o torna diferente de outros seres” (Petrovic, 2001, p.292). Mediando a relação do homem com a natureza, o trabalho tem sentido antropológico: cria o mundo humano propriamente dito, o mundo da cultura (Vaz, 2000, pp.39-40).

Sendo assim, o trabalho, como atividade, difere da prática, pois esta constitui o que Gramsci denominou de realidade efetiva, onde se manifesta “a relação de forças em contínuo movimento e mudança de equilíbrio” (Gramsci, 2002, p.35). A realidade em contínuo movimento é a história, ou seja, o fluir dos acontecimentos (Gramsci, 1991 p.264; Soares, 2000, p.61) e é socialmente construída, por meio da práxis humana, ou seja, da atividade consciente dos homens e mulheres concretos".

No contexto da dissertação de mestrado, ainda acrescento:

"Em Moçambique, os dirigentes socialistas sustentarão que a maioria da sociedade moçambicana é a classe trabalhadora, cujas aspirações a Frente de Libertação era portadora. Essa classe, como explica Samora Machel[1], compreende:

os operários, os camponeses, os professores, os trabalhadores da saúde, pescadores, os intelectuais revolucionários, os trabalhadores da função pública e os estudantes [...] todos aqueles que com o seu trabalho criam a riqueza social e fazem avançar a nossa sociedade e desenvolvem o nosso país” (Machel, 1979 A, p. 26 e Machel, 1976, p. 3) [2].

Desse modo e, de acordo com o discurso dos dirigentes da Frente, todos os moçambicanos eram trabalhadores, eram indivíduos destituídos dos meios de subsistência. Entretanto, por serem os mais explorados, os operários deveriam ser os dirigentes da sociedade socialista"

Penso ter contribuido para aclarar o uso do conceito de trabalhador de que se faz uso hoje na academia. Os trabalhadores, entrentanto, estão divididos entre aqueles que são trabalhadores manuais (os proletários, por exemplo, com que Marx se preocupou) e os trabalhadores intelectuais.
Paro por aqui. Como disse, não tenho condições de entrar no debate que você faz com Nuno Castel Branco.
Saudações

[1] De acordo com Fauvet e Mosse (2003), na qualidade de líder da Frente, Samora Machel, representava o discurso oficial da Frente . No nosso trabalho, por discurso oficial referimo-nos aos enunciados presentes nos documentos da Frente e às intervenções dos dirigentes da Frente.

[2] Discurso de Samora Machel publicado na revista tempo nº 448, em 3 de maio de 1979.


[1] A práxis, por sua vez, pode ser individual ou social (Lima Vaz, 2000). Na dimensão individual, a práxis pertence ao domínio da Ética e, na social, faz parte da política.


António Cipriano
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A educação é tarefa de todos nós!

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