Ambiente de negócios é problemático e de uma forma geral mau
A falta de acesso a financiamento, as elevadas taxas tributárias, o crime, o roubo, a desordem e a corrupção, são apenas alguns empecilhos, num cenário em que Angola, Indonésia, Malawi, África do Sul e Zâmbia apresentam um melhor desempenho do que Moçambique O Relatório do Banco Mundial sobre Análise do Clima de Investimento no país, foi produzido a partir de um estudo que incidiu sobre 599 micro, pequenas, médias e grandes empresas, no quinquénio 2003-2008
Maputo (Canal de Moçambique) – “A concorrência informal (49%), a falta de acesso a financiamento (42%), as elevadas taxas tributárias (36%), o crime, o roubo, a desordem (31%), os transportes (27%), a electricidade (25%) e corrupção (15%)”, são apontados como sendo os principais obstáculos para o desenvolvimento do sector empresarial em Moçambique. Moçambique vinha sendo considerado um exemplo raro de recuperação e arranque económico de sucesso pós guerra civil, todavia agora é o Banco Mundial a concluir que o ambiente de negócios, sob vários aspectos, “continua ainda problemático”.
O Banco Mundial divulgou o seu Relatório sobre Análise do Clima de Investimento em Moçambique (ACI), ontem em Maputo.
O estudo incidiu sobre 599 micro, pequenas, médias e grandes empresas, no quinquénio 2003-2008.
“Experiência económica socialista falhada”
O relatório do «World Bank», refere a dada altura que ressurgindo de décadas de estagnação e declínio económico, uma consequência, primeira, de uma experiência económica socialista falhada e depois de uma cruel Guerra Civil que terminou apenas em 1992, “o país alcançou um louvável grau de estabilidade política que se fez acompanhar por uma prudente e estável continuidade económica, bem como um uso coordenado e cada vez mais eficiente da considerável assistência internacional”.
O Banco Mundial precisa igualmente que os factores acima apontados contribuíram para um crescimento económico sustentado que foi, em média, “de 7,8 por cento, entre 1992 e 2006”. Esse crescimento segundo o Banco, permitiu que “a produção crescente foi acompanhada de reduções reais e representativas nos níveis de pobreza, com o índice de incidência da pobreza a baixar de 60 por cento em 1997 para 54 por cento em 2003”.
Comparativamente a países como Angola, Indonésia, Malawi, África do Sul e Zâmbia, o relatório coloca Moçambique na cauda em termos de desempenho o que, vindo de quem vieram tais conclusões, é um forte abalo à auto-estima e à moçambicanidade que está assim a sofrer o mais ressente vexame.
Entre outras considerações que abalam fortemente os elogios que o governo tem vindo a fazer de si mesmo, o relatório do Banco Mundial concluiu também, por exemplo, que as firmas sul-africanas “têm níveis de produtividade de cerca de 200 por cento superiores aos das firmas moçambicanas”.
No estudo do Banco Mundial cujo objectivo principal é desenvolver uma melhor compreensão dos constrangimentos ao investimento e dos elementos fundamentais que afectam o crescimento sustentado da produtividade num determinado país, concluiu-se ainda que “a melhoria do ambiente de negócios e o maior acesso ao financiamento são os principais aspectos de maior relevância para o crescimento das empresas moçambicanas”.
Posto isso no estudo conclui-se, objectivamente, que “o ambiente de negócios para o sector das empresas moçambicanas, sob vários aspectos ainda é problemático”.
Concorrência desleal
O estudo levado a cabo pelo Banco Mundial constatou, por um lado, que as empresas moçambicanas identificaram a concorrência do sector informal como o principal obstáculo à sua actividade.
Enquanto a concorrência desleal é sobejamente conhecida como uma das consequências indesejadas da informalidade, em Moçambique ocupa um lugar surpreendente. Praticamente o informal constitui um modus vivendi que galvaniza em grande medida a economia nacional, relegando para um lugar, algo secundário, o sector formal, o tal que paga impostos e garante o emprego de trabalhadores dentro do preconizado na Lei, o que já não acontece com o informal, onde tudo funciona ao deus dará.
Esse cenário sobre o impacto do informal em Moçambique surpreende o Banco, conforme as constatações emanadas no seu relatório.
Em economias idênticas às de Moçambique o usual tem sido o empresariado apresentar como preocupação essencial as dificuldades de acesso ao financiamento bem como as características das infra-estruturas que por hábito não são favoráveis ao desenvolvimento económico e social. Por norma, segundo o Banco Mundial, “no topo da lista dos principais obstáculos à realização da actividade económica em África” tem-se constatado andarem por aí as queixas mais frequentes. O informal, embora exista me quase todos os países não é preponderante nem prejudica sobremaneira o sector formal como em Moçambique.
Ainda de acordo com o relatório em alusão o crime, a corrupção, e sobretudo as elevadas taxas tributárias também se encontram entre os principais entraves citados pelas empresas inquiridas.
Na verdade, segundo o instrumento que o Banco Mundial acaba de pôr à disposição da opinião pública, existe actualmente evidência considerável que mostra que a incidência variável de informalidade, encontrada em diferentes países com níveis idênticos de Moçambique em termos de rendimento per capita, está em grande parte associada, não apenas com a natureza das regulações sobre actividade económica mas também com a qualidade da governação.
“Como a informalidade tende a prevalecer entre as empresas mais pequenas, as políticas, que visam melhorar o ambiente de negócios para as micro-empresas e para as pequenas e médias empresas (MPME), são particularmente importantes”, escreve o Banco Mundial.
Dados oficais não correspondem à verdade
A análise empírica do ACI em Moçambique, tomando em consideração os factores de procura, encontrou um ambiente de forte restrição de crédito às empresas. Segundo o estudo, os dados oficiais sobre a matéria não correspondem à verdade sobre o que de facto se passa no terreno. Conforme a fonte, oficialmente propala-se, quando se fala de crédito, que “a percentagem aumentou para 82 por cento”. Todavia não se refere explicitamente a que corresponde tal número. Segundo o Banco esse dado refere-se aos pedidos solicitados à banca e que na sua maioria não tiveram sucesso, sobretudo devido às “exigências de garantias impossíveis de oferecer e volumes e prazos de crédito insuficientes”.
Entretanto, o relatório que temos vindo a citar indica que embora o volume de empréstimos possa ter aumentado, foi destinado a um menor número de empresas de capital privado.
Tributações
De acordo com o relatório do Banco Mundial as exigências aduaneiras são geralmente tidas como as mais importantes na determinação do tempo que leva a travessia da fronteira.
“A fronteira moçambicana também experimenta uma escassez de mão-de-obra especializada para as funções operacionais, jurídicas e de supervisão”, cenário que se transforma num autêntico empecilho para os empresários devido a tanta complicação com que têm de se confrontar.
Crime, roubo, desordem e corrupção
O crime e a corrupção são também vistos como sérios entraves ao crescimento económico, especialmente pelos exportadores e pelas firmas estrangeiras.
“O crime foi o terceiro constrangimento à actividade económica em Moçambique. Uma em cada três firmas classifica-o como um grave ou principal constrangimento ao crescimento”.
Ainda de acordo com o relatório do Bano Mundial divulgado ontem em Maputo, a incidência do crime aumenta substancialmente os custos da actividade económica em Moçambique. É algo que se traduz directamente com a perda de equipamento fabril e produtos, factos aliados ao vandalismo e roubo, bem como, indirectamente, com o custo de contratação de empresas de segurança para proteger a propriedade das firmas devido à prevalência da actividade criminal.
“36 por cento das firmas de Moçambique sofreram perdas decorrentes do roubo, vandalismo ou incêndio”, documenta-se.
Infra-estruturas
Neste capítulo, o relatório indica que as necessidades mais prementes em termos de acções de políticas estão concentradas na energia e nos transportes. Relativamente ao sector da energia, segundo a fonte, o país devia continuar a investir na criação de capacidade e na transição gradual para um regulador independente integralmente funcional.
Entretanto, o Banco Mundial sugere que “o Ministério da Energia devia rever periodicamente as metas de desempenho da empresa pública de electricidade e intensificar a monitorização”.
No mesmo contexto, o Banco Mundial refere que no sector da energia, as multas por faltas de energia sem aviso prévio e um número excessivo de queixas, “são também uma ferramenta eficaz para se melhorar a qualidade do serviço”.
Os esforços do Governo moçambicano nos investimentos e extensão da rede eléctrica para as zonas rurais são, por um lado, também aplaudidos pelos Banco Mundial, mas aponta que “o problema de atrair investimento privado para construir redes independentes em áreas rurais de baixa densidade, continua por resolver”.
Já no tocante aos transportes, em suma, o relatório indica que apesar das melhorias recentes, o transporte ainda impõe às empresas custos directos e indirectos elevados.
Refere-se igualmente, entre outros aspectos, que se deve assegurar uma manutenção e recuperação adequadas da rede de transportes e a melhoria da coordenação entre os caminhos-de-ferro e portos com vista a reduzir-se significativamente os custos de viagens e os prazos de retorno do investimento.
“Os investimentos na expansão da rede, estradas e caminhos-de-ferro devem centrar-se no melhoramento da ligação precária entre o norte e sul do país”, recomenda por outro lado o Banco Mundial.
Outros diagnósticos e recomendações
No sistema financeiro, o Banco Mundial diz ter diagnosticado que, em Moçambique, o ambiente de crédito está altamente condicionado.
“Mais de dois terços da amostragem tinha dificuldades de crédito”, num cenário em que a percentagem de empresas com acesso a linhas de crédito “tinha baixado nos últimos cinco anos”.
Por outro lado, “as empresas sem contas auditadas têm menores possibilidades de receber financiamento”.
Face a estas constatações, o Banco de Mundial recomenda, entre outras políticas a serem tomadas, que se “explore mecanismos alternativos de garantia colateral, incluindo o uso de esquemas de garantia do risco de crédito”.
O Banco Mundial acha igualmente que o Governo devia “considerar redobrar os esforços destinados a melhorar os padrões de contabilidade e de auditoria no país, pois é provável que tal possa produzir resultados positivos”.
Na área da electricidade, onde se constatou que o fornecimento de electricidade ainda é limitado, em acesso e em qualidade, fora de Maputo, especialmente nas áreas periféricas urbanas e rurais, recomenda-se que o Governo deve “continuar a investir na criação de capacidade e transição gradual para uma entidade reguladora independente, totalmente operacional”.
(Emildo Sambo e Alexandre Luís)
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