A Opinião de Carlos Manuel Serra

Ilações ambientais de uma viagem ao Malawi (1)

SR. DIRECTOR!

"Pai, inventaste este Mundo, dotando de tantos recursos, para fazer bem ao Homem, mas a riqueza já não está cá, o Homem estragou-a. Pedimos agora que nos perdoes e nos dês força para sanar o mal feito, e dotar os nossos filhos das mesmas coisas com que nos dotaste".

Maputo, Quinta-Feira, 18 de Dezembro de 2008:: Notícias
Foi com estas palavras sábias, penetrantes e bastante actuais com que o reverendo Eston Dickson Pembamoyo iniciou a sua oração, pondo assim termo a um encontro que a equipa internacional na qual me encontrava integrado realizou com uma comunidade local do distrito de Zomba, no Sul do Malawi, nos primeiros dias do mês de Dezembro de 2008.

Não sendo muito dado a formalidades religiosas, confesso que senti bem profundamente o alcance da oração proferida pelo Reverendo. E não era a primeira vez que tal acontecia naquele longo e rico dia de trabalho no campo, pois, algumas horas antes, Eston Pembamoyo referiu-se ao facto de, pela primeira vez na actual geração, se ter registado uma redução das águas do lago Chilwa que faz fronteira com a nossa província do Niassa, proclamado zona húmida de importância internacional, ao ponto de permitir o acesso a pé a uma das suas principais ilhas, como sinal, segundo o próprio, das mudanças climáticas em curso.

Ao fim de três dias de estadia no Malawi, as palavras deste Homem mais não foram do que o culminar de uma riquíssima e diversificada experiência, que passo a reproduzir em linhas resumidas.

Em primeiro lugar, ganhei consciência do quanto difícil é o dia-a-dia da maioria dos malawianos, pois, na ausência de alternativas de sobrevivência, são obrigados a se socorrerem dos cada vez mais escassos recursos naturais existentes naquele país, causando uma situação de grave desequilíbrio ecológico. Esta realidade foi para mim bastante clarividente na montanha de Zomba, local onde passei cerca de uma semana.

Ao longo da encosta da Montanha vi uma forte interminável pressão humana sobre a floresta, diariamente desbravada para a obtenção de lenha e fabrico de carvão vegetal, para a extracção de materiais de construção ou para a limpeza de novos terrenos para a prática de agricultura.

Clareiras enormes são rasgadas colinas acima, onde cada pequeno espaço é conquistado à custa de muito suor e, inevitavelmente, de um agravamento da já não pequena pegada ecológica. Passo a passo, a floresta vai cedendo espaço a um descampado miserável, sintoma do desespero dos homens e mulheres que trabalham a terra e os demais recursos naturais em busca de algo para comer.

Ora, como muito bem referiram diversos malawianos com quem falámos, as montanhas de Zomba são a fonte de água de grande parte do Distrito dado que as suas florestas influenciam determinantemente o ciclo de precipitação da região, fornecendo as reservas hidrológicas para os mais diversos fins.
Recordei-me, então, de acompanhar uma realidade tão similar que ocorre em solo pátrio, mais concretamente na serra da Gorongosa, onde nasce a água de toda a região ecológica onde se encontra localizado o Parque Nacional da Gorongosa, e que, não tendo por enquanto o estatuto de área protegida, tem vindo a motivar as autoridades desta área de conservação para a importância vital de envolver as comunidades locais, fortemente dependentes dos recursos naturais para sobreviver, em programas alternativos de sustentabilidade ambiental.

De acordo com os nossos anfitriões, à medida que o corte de florestas se foi acentuando na área de Zomba, começaram a surgir os primeiros sinais de ruptura do ciclo hidrológico, significando uma redução da chuva, o que alertou as autoridades locais, que rapidamente tomaram consciência da necessidade de tomar medidas imediatas e eficazes de protecção das florestas da montanha. Claro que das palavras à acção vai um longo caminho, visto que o Malawi padece igualmente do largamente conhecido entre nós problema da falta de implementação das leis.





Carlos Manuel Serra in Noticias, 18.12.08