Tuesday 25 November 2008

ILAÇÕES DAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS EM MOÇAMBIQUE

Venceu o populismo e a demagogia... Derrotado foi o povo...

Beira (Canal de Moçambique) - Independentemente dos vencedores das eleições autárquicas algo deve ficar claro: Moçambique e seu povo exigem mais democracia, trabalho e responsabilização.
Chegou a altura de dar alguns passos qualitativamente diferentes no sentido da ética e deontologia que caracteriza democracia adultas. O momento é de deixar as justificações de lado e aceitar os resultados pelo que eles representam e assumir que os mesmos reflectem o grau de trabalho político desenvolvido pelos concorrentes. É importante compreender que os avanços democráticos se fazem com a educação e informação cada vez melhor e maior dos cidadãos votantes. As tendências eleitorais e o desempenho dos diferentes partidos deve ser visto como resultado daquilo que tem sido feito pelos partidos.
Moçambique regista deficits na governação democrática em virtude de uma promiscuidade política imposta pelo partido no poder e também devido a uma fraca actuação da oposição política. Se havia esperanças de que se registaria uma emergência e fortalecimento da oposição isso tem sido contrariado por um comportamento deficitário e pobre dos opositores. Claros sintomas de clientelismo e de espírito mercenário tem impedido o surgimento de oposição política forte e consequente. Faz-se política como expediente para a solução de problemas materiais e financeiros concretos que os aspirantes a políticos sentem.
Política feita e promovida fora dos parâmetros de uma ética e comportamentos que perfilem e garantam que o sujeito de toda a acção sejam os cidadãos e para os cidadãos desvia-se de maneira crítica dos objectivos. Quando assim se procede aliena-se um povo e promovem-se agendas abertamente contrárias aos objectivos pronunciados.
Existe só uma democracia que contém em si preceitos, regras, moral e ética. Não se pode aceitar padrões duplos colocados à mesa consoante as conveniências dos protagonistas.
O resultado das eleições autárquicas em Moçambique mostra que ganhou o populismo e a demagogia. O cidadão pouco informado, sofrendo de assistência deficiente por parte dos políticos e parlamentares, foi colocado entre a espada e a parede. Os partidos apareceram apelando pelo seu voto mas uma análise imparcial deixa a mostra que as agendas advogadas situam-se bem longe daquilo que o cidadão necessita.
A urgência da emergência de comportamentos eticamente correctos na governação nacional e municipal é a sua ligação íntima com as possibilidades de êxito da nação. A capacidade de uma sociedade lidar com sucesso com os seus problemas e dificuldades está relacionada com a criação de condições politicas, éticas e morais para uma actuação responsável e de acordo com as exigências nacionais. Os alinhamentos políticos, alianças e arranjos estruturais e circunstanciais não se podem sobrepor aos cidadãos e aos reais interesses nacionais. Permitir que isso aconteça é subverter o sentido e essência da democracia política. A demagogia discursiva tendente a convencer as pessoas de que se está preocupado com elas é contrariada por uma prática que não deixa margens para dúvidas de que os interesses protegidos e perseguidos são outros que não os dos cidadãos. A causa nacional muitas vezes apresentada e catalogada como imperativo contrasta ferozmente com a realidade. Os cofres públicos estão sujeitos a um ataque constante e arbitrário justificado como necessidades da governação quando na verdade se trata de ilicitamente de usar tais recursos para promover a realização de agendas privadas. Muito do que acontece no país, as aberrações e comportamentos pouco dignificantes de alguns dos nossos governantes são consequência directa do sobrevalorização da agenda dos chefes e desprezo concreto dos preceitos de equidade, austeridade e responsabilização.
Impera uma governação que elegeu as passeatas e reuniões alargadas como metodologia de fazer política. O formalismo supera o conteúdo de tudo o que o governo faz. Parece que estamos perante uma governação executada por comissários políticos e em que tudo se subordina a uma vontade ferrenha de dominar a paisagem política nacional, eliminando e destruindo qualquer possibilidade de alguém se manifestar de maneira diferente e crítica. O músculo financeiro, político, o nepotismo, as ameaças veladas e concretas, a burocracia governamental fortemente politizada, a interferência activa no funcionamento dos órgãos do Estado através da implantação de uma rede de células do partido, tudo isso é utilizado como instrumentos para garantir a sobrevivência política e o usufruto de vantagens unilaterais no domínio da economia e das finanças. A obediência e o compadrio são apoiados por uma distribuição de postos e cargos em empresas públicas.
As leis do país são subvertidas ao sabor dos interesses circunstanciais de quem governa. Onde se impõe a sensatez e a austeridade prática temos serviços de protocolo governamental dedicados a organização de banquetes e festas comemorativas. A pobreza grassa o país e constitui cavalo de batalha dos demagogos ao serviço do regime.
Recursos escassos que faltam para actividades essenciais de pesquisa para a solução de insuficiências graves em áreas como saúde e agricultura são esbanjados no aluguer de frotas de helicópteros para colocar o Presidente da República onde este queira. Se alguém disser que o nosso PR deve ser o mais viajado e com orçamento mais robusto da SADC não ficaria admirado. Em contrapartida os fundos locados para a profilaxia e terapia de doenças diarreicas, malária, tuberculose, Sida são sempre insuficientes. Os esquemas mais efectivos em prática para aliviar o sofrimento humano dependem da acção da filantropia internacional. Esta atitude contraria todos os discursos de combate à pobreza e demonstra que os políticos que temos não estão interessados em dignificar a vida dos seus concidadãos.
A demagogia que alimenta os noticiários informativos revela-se um instrumento contrário aos verdadeiros interesses nacionais.
Aquela soberania que se diz hipocritamente defender não corresponde ao comportamento de quem nos governa.
As eleições autárquicas de 19 de Novembro de 2008 também devem ser vistas como a continuação e a testagem dos esforços estratégicos tendentes a obliterar a oposição política do país. Esta mesma oposição desnorteada pelo sufoco a que está submetida, cercada por uma comunicação social pública e até privada hostil, enfraquecida pela sua incapacidade de juntar meios e unir-se, coloca os objectivos de democratização do país numa rota de extinção. Os «think tanks» e organizações da sociedade civil em geral também realizam suas actividades no quadro de uma mesma estratégia de eliminação do outro, do opositor do regime. Quando o empoderamento de suas lideranças e um manifesto alinhamento destas com o poder politico dominante constituem a meta e recurso, pode-se dizer que a democracia está em muito maus lençóis.
Tudo o que se faz no domínio político, o aproveitamento das fraquezas dos opositores, a imposição de esquemas de organização eleitoral claramente favoráveis a quem governa, a promoção aberta do populismo e o aproveitamento de um eleitorado que estrategicamente se deixa mergulhado em ilhas isoladas de ignorância e falta de informação asfixiam o desenvolvimento da democracia.
O que parece vantagem a explorar de modo perpétuo é algo que tem dois gumes. Se agora está cortando com um lado não tarda que o povo acorde da letargia em que se encontra e comece a cortar com o outro lado.

(Noé Nhantumbo)

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