Thursday, 2 October 2008

A OPINIAO DE LEONEL MAGAIA

N'UM VAL'PENA! - “Solo para Cinco”, o bailado para gregos e nunca para troianos!?*

“TODOS os homens nascem iguais, mas é a última vez que o são”. - Abraham Lincoln, ex-estadista americano. Nas últimas semanas andei às voltas com um tema que descambava essencialmente em abordagens sobre os indicadores de relações de género, as meninas (semi) nuas nos vídeo clips das músicas moçambicanas. Muitos reagiram e disseram que viam nisso uma espécie de neoescravização da mulher. Outros, mais descomplexados e culturalmente ousados, disseram não ver problema nenhum na desnudez das mulheres nos clips, tanto é assim que consideram que a cultura africana, no geral, e moçambicana, em particular, tem um carácter iminentemente erótico, sensual e sedutivo.Maputo, Quinta-Feira, 2 de Outubro de 2008:: Notícias
Paralelamente e num outro fórum era discutida a relevância e sensatez de um bailado da Companhia Nacional de Canto e Dança, da autoria do finado Augusto Cuvilas. Confesso que não vi o bailado, apesar do manifesto interesse. Aliás, até nem era primeira vez que “Solo para Cinco” ia a palco, pelo que não tê-lo assistido só pode ter sido por infeliz falta de atenção. Ora, o que me despertou a atenção foi ter percebido que dois dos que defendiam acerrimamente que a desnudamento ( pode-se dizer assim?) das mulheres nos nossos vídeos clips prefigurava um carácter erótico da cultura moçambicana e africana, estavam ferozmente contra o bailado “Solo para Cinco”, que apresenta basicamente movimentos específicos com mulheres completamente nuas, tal com vieram ao mundo. Paradoxalmente, encontraram no bailado um despudor, atentado à moral e uma irracionalidade desmedida do coreógrafo e da CNCD. Os mesmos que nos clips da malta da Dama Blinguizada e Ziqo “Maboasuda” encontraram “cultura africana” conferida pela sensualidade das linhas femininas.

A minha opinião sobre “Solo para Cinco”, ainda que não tenha visto o bailado, é que o mesmo não passa daquilo que é o seguimento da chamada temática naturista da dança contemporânea, que se caracteriza pela autonomia coreográfica e interpretativa. Essa mesma autonomia faz com que o coreógrafo crie as suas composições a partir de temas relacionados, por exemplo, a questões políticas, sociais, culturais, comportamentais, quotidianos, mas também relacionados com a fisiologia e anatomia do corpo, como me parece ser o caso do bailado de Cuvilas. Isso será o mesmo que dizer que as técnicas do contemporâneo são abrangentes e autónomas, explorando o corpo, as suas diagonais, estilo de roupas, espaço, movimento etc. Parece-me igualmente que o bailado de Cuvilas é um autêntico rompimento com a cultura clássica, uma espécie de inovação, definindo e desenvolvendo uma linguagem própria, com cenários e coreografias que procuram expressar sentimentos, confrontos e problemas da sociedade actual. A desnudez artística dos intérpretes daquele bailado não me parece outra coisa senão a expressão das formas universais do movimento humano e das suas infinitas variações a partir de aspectos corporais e mentais.

Aliás, não custa nada citar exemplos de algumas celebridades que se debruçaram sobre temáticas naturistas: JAN CRIMMINGS, cartoonista americano, é especialista em histórias aos quadradinhos que abordam a temática naturista. JANIS JOPLIN, cantora norte-americana, um ícone da geração “flower power” e musa dos hippies, fez um um célebre ensaio fotográfico nua durante o auge da sua carreira.

JEAN DESTE, escreveu em 1961, na França, a obra clássica “Le Nudisme”. JIMMY HENDRIX, músico e génio da guitarra eléctrica. A capa do seu disco duplo de 1968, “Electric Ladyland”, foi censurada em alguns países. Motivo: as “mulheres eléctricas” estão todas nuas, em várias posições. Esta nudez artística foi censurada pelo conservadorismo.

JOHN BÖRLIN, participando dos “Ballets Suecos” em 1921, dançou nu o bailado “O Homem e o seu Desejo”. JOHN LENNON, músico inglês do lendário grupo The Beatles, após o término daquela banda casou-se com a artista do movimento “Fluxus”, Yoko Ono, com quem realizou o disco experimental “Two Virgins” (1971), onde o casal Lennon aparece na capa e na contracapa completamente nus. JORGE BARRETO, fotógrafo, expõe seus temas relacionados com o naturismo com frequência. Organizou a “Mostra Arte Nua”, exposição conceitual abordando o naturismo. Organizou, igualmente, a apresentação da peça “O Sonho”, de August Strindberg, numa apresentação somente para espectadores nus, algo inédito no Brasil. JOSEPHINE BAKER, cantora de jazz norte-americana. Sua ousadia incluía números musicais onde actuava dançando e cantando inteiramente nua.

Estamos a falar de abordagens de obras clássicas. E “Solo para Cinco” é também uma obra clássica. Quer se queira ou não.

Aliás, já alguém dizia que a alma se expressa através do corpo. Há-de ser por isso que Cuvilas procurou, com “Solo para Cinco”, dar mais ênfase aos sentimentos, aos sonhos, tentando teatralizá-los ao máximo através de movimentos corporais, associados à sensualidade feminina.

Isso sim, tem um carácter cultural universal, razão porque o bailado foi aclamado além fronteiras e saudado pela exigente crítica europeia. É diferente de um indivíduo acordar, acreditar que sabe cantar, perfilar uma dúzia de meninas com trajes menores, filmá-las bamboleando os bumbus e...já está. Já pode ser considerado um indivíduo culturalmente identificado! Xiça, era o que faltava!

Ciao!

* Como se pode facilmente constatar, esta crónica é repetida da última semana. O facto se deve à detecção de incorrecções que levaram à construção de ideias contrárias ao espírito e letra do texto. Já alguém disse “só erra quem trabalha...”


Leonel Magaia - leoabranches@yahoo.com.br

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