Quem garante a liberdade do jornalista
depois do exercício da liberdade de imprensa?
A documentação do que se passa na nossa sociedade, por via dos media, está a ficar cada vez mais complicada, como bem o testemunha o julgamento à porta fechada a que três jornalistas do semanário ZAMBEZE foram submetidos há dias, acusados de terem
cometido o crime de atentado contra a segurança do Estado, tudo por terem produzido um escrito jornalístico, no qual questionavam a nacionalidade da Primeira-Ministra (PM) de Moçambique, Luísa Dias Diogo.
Por estas alturas, já devem faltar poucas horas para o tribunal nos dar a conhecer do que andou a discutir, em copas, com os três repórteres, atendendo que o veredicto deverá ser tornado público esta sexta-feira, 29, tal como se fez saber. Entendeu o Ministério Público que se estava, com a publicação do artigo da discórdia, em presença de um crime público, daí que avançou com uma acção contra os três jornalistas retrocitados e a sua publicação, sem esperar que a cidadã Luísa Diogo o fizesse de per se, se assim o achasse razoável.
Face às queixas, às quais me associo, de que não tinha que se catalogar o assunto de
público e muito menos de atentado contra a segurança do Estado, eis que a procuradora chefe da cidade de Maputo, de nome Amabélia Chuquela, chamou a imprensa para ler um documento cujo autor desconheço, no qual se defende que se está, efectivamente, em presença de um crime público, daí o MP ter tomado a liberdade de mover a acção.
O crime a que se faz alusão consta da Lei número 19/91, de 18 de Agosto (Lei contra a
Segurança do Estado), que era até então “desconhecida” por muitos, juristas inclusos,
mas que teve que ser recuperada e aplicada para os propósitos para os quais ela foi criada: defender os poderosos das indagações e denúncias da imprensa, como irei explanar mais adiante.
No preâmbulo da referida lei, lê-se que “o desenvolvimento da democracia e o
estabelecimento do Estado de Direito determinam a necessidade de um aperfeiçoamento
da legislação em vigor, de modo a permitir a realização dos direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos”, daí que, em face da nova ordem constitucional alicerçada na Constituição da República (CR) de 1990, que “[reflecte] a maturidade já adquirida na organização e desenvolvimento do Estado, impõe-se que se processe, de imediato, à
revisão da Lei número 2/79, de 1 de Março”.
Embora se diga que a revisão da anterior Lei contra a Segurança do Estado, criada no
auge do monopartidarismo e do partido-Estado, é motivada pelo desenvolvimento da
democracia e pelo estabelecimento do Estado de Direito, uma análise mais atenta ao
contexto em que as coisas foram operadas nos mostra que, com a Lei 19/91, de 18 de
Agosto, os legisladores do então quiseram salvaguardar os seus tiques Mopartidários, o que é nitidamente elucidado pelo facto dessa polémica lei ter sido produzida e aprovada logo após a produção e aprovação da Lei número 18/91, de 10 de Agosto (Lei de Imprensa), que define os princípios que regem a actividade da imprensa e estabelece os direitos e deveres dos seus profissionais.
A criação da Lei 19/91 de 18 de Agosto – quase “irmã gémea” da Lei 18/91 de 10 de
Agosto – visava, em desabono da mentira, proteger os interesses dos poderosos, mesmo
que descabidos, da imprensa, que há muito se assumiu como um contra-poder. A forma
vaga como a própria segurança do Estado é definida no artigo 1º dessa lei deixa tudo às claras: “Consideram-se crimes contra a segurança do Estado aqueles que como tal se
encontram previstos na presente lei”.
Esta lei pode ser usada em qualquer escola de Direito como um exemplo clássico do
“Social Engineering do Legislador”, que consta da “Polis” – Enciclopédia Verbo da
Sociedade e Estado, versando sobre Antropologia, Direito, Economia e Ciência Política – e que é postulada por exigências de política económica e social, o que, como diria o sociólogo Niklas Luhmann, “faz com que a selecção política das premissas das decisões jurídicas através da legislação parlamentar constitua um problema permanente para o sistema jurídico”.
“A legislação é, [pois], dominada por estratégias de acção modeladora, ou seja, pela
dimensão política; inspirada na conjuntura e condicionada pela repartição ocasional das forças políticas (lei como “instrumento do governo”), é sobremodo uma legislação
contingente, de sua natureza propensa à caducidade e mudança, fragmentária e sem
consistência firmada em raízes culturais duradoiras” (Polis, S/D: 848-849).
Não é, que fique claro, ao acaso que o número 1 do artigo 22º da agora famigerada Lei
contra a Segurança do Estado diga que “Os crimes de difamação, calúnia e injúria
cometidos contra o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, os membros do Governo, os juízes do Tribunal Supremo e os membros do Conselho
Constitucional serão punidos com a pena mínima de um ano até dois anos de prisão e
multa correspondente”.
É chegado, julgo eu, o tempo de os jornalistas fazerem uma outra “revolução”, visando a revogação de todas as peças legislativas que constituam um impedimento à liberdade de imprensa. No seu livro “Informação em Moçambique: A Força da Palavra”, Albino Magaia, pai do Jornalismo Moderno que se pratica no país, nos recorda que a Liberdade de Imprensa por cá é produto da luta dos jornalistas moçambicanos, que tiveram que se envolver, como frisa, em choque com os poderes constituídos, o que só resultou devido à persistência da luta dalguns desses jornalistas, “que custou prisões, exílios, espancamentos, proscrições e todo um rol de grosseiras políticas por parte do(s) governo(s)”.
E a “revolução” que se tiver que desencadear agora não terá, sejamos claros, que não ser alvo de cabalas político-judiciárias. De resto, a história bem nos ensina que não há revolução sem vítimas. Podemos, juro, ter muitos cidadãos a apoiar a nossa luta, que pode começar por uma simples recolha de duas mil assinaturas, para submissão ao Conselho Constitucional, seguindo o que estabelece a alínea g do número 2 do artigo 245º da CR.
Em 2004, o poder vergou perante seis cidadãos – Luís Nhachote, João Chamusse,
Cremildo Maculuve, Bento Machaíla, Celso Manguana e Ericino de Salema – que,
informados sobre a palestra que se esperava que Jonathan Moyo, na altura ministro da
Informação e Propaganda do Zimbabwe, desse na tarde daquele dia (imaginem só: era 3
de Maio, dia Mundial da Liberdade de Imprensa!) no Sindicato Nacional de Jornalistas
(SNJ), trataram de se fazer à “Sala João Albasini” para sabotar o evento, o que resultou.
Jonathan Moyo e os organizadores saíram da sala envergonhados, uma hora depois. Mas
como se podia ouvir a “sapiência” de um inimigo da liberdade de imprensa, que mantinha dezenas de jornalistas detidos sem culpa formada, somente porque exerceram o seu
direito à razão, que é algo diferente do direito a ter razão? Devo confessar que alguns dos que faziam parte do acima referido “grupo revolucionário”, que depois ficou reduzido a seis, acobardaram-se e desapareceram quando chegou a hora, o que é comum naquele tipo de situações…
Intervindo na Conferência sobre Radiodifusão em Moçambique, promovida a 28 de Abril
deste ano em Maputo pelo MISA-Moçambique, o cientista político Eduardo Sitoe referiu
que, desde a aprovação da Lei número 18/91 de 10 de Agosto, a liberdade de imprensa no país era um facto, mas que uma coisa permanecia problemática: Quem garante a
liberdade do jornalista depois do exercício da liberdade de imprensa?
* Oficial de Informação e Pesquisa do MISA-Moçambique
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