O semanario Zambeze esta semana publicou um artigo interessante de Paulo Muxanga, que com a devida venia, passamo-lo neste espaco:
Biocombustíveis em Moçambique: a salvação ou o ópio do Povo do Século XXI?
Paulo Muxanga[1]
“A coisa importante é não parar de questionar”- Albert Einstein
De há pouco mais de um ano para cá temos sido fustigados por um intenso discurso político anunciando o milagre dos chamados combustíveis verdes ou simplesmente biocombustíveis. A classe política nacional, sobretudo aquela ligada ao governo, tem estado a difundir de forma entusiástica a descoberta da fórmula mágica visando fazer face aos elevadíssimos preços do ouro negro (petróleo) nos mercados internacionais, isto é, a produção nacional de biocombustíveis, vista como alternativa aos asfixiantes preços deste combustível fóssil, bem como fonte de solução para um gravíssimo problema que afecta parte significativa da população economicamente activa do país, o desemprego.
Entretanto, este quadro cor-de-rosa, que os governantes nacionais oferecem como prenda ao povo moçambicano, parece não corresponder à realidade. Pelo contrário, a indicação é de que estamos perante uma prenda envenenada, impelindo-nos a indagar se não será este o ópio do povo do terceiro milénio? Senão vejamos, a famosa jatropha, principal bandeira desta campanha toda e uma das matérias-primas dos biocombustíveis, põe em risco a segurança e a soberania alimentares, visto que o seu cultivo pode comprometer a produção de culturas de subsistência, ao concentrar o esforço dos camponeses na produção de uma cultura considerada de rendimento, cujo processo, já na sua fase inicial, começou a evidenciar lacunas graves, como a ausência de mercado reclamada, por exemplo, por um camponês que apostou na produção desta cultura na província de Niassa.
Mas também, como referem alguns estudos, esta cultura empobrece o solo, depois de alguns anos de cultivo. Mas, congratulamo-nos com o facto de saber que o governo decidiu interromper o processo de concessão de terra para cultivo desta planta, de modo a realizar um mapeamento das terras mais recomendáveis, um processo que, por sinal, parece até ter terminado. Há, de facto, a necessidade de sermos programados e planificarmos as nossas políticas e actividades com vista ao desenvolvimento, sob o risco de andarmos a promover a pobreza no lugar de a combater. Por outro lado, é importante alertar aos nossos políticos para o facto de já haver especialistas que põem em causa a “inocência” desta coisa chamada biocombustível.
Há dados recentes que indicam que o combustível produzido a partir do milho, por exemplo, pode ser mais nocivo ao ambiente do que aquele produzido a partir do petróleo, deitando, assim, por terra as teorias que sustentam a tese de que os biocombustíveis são amigos do ambiente. Faz pouco tempo que uma revista cientifica internacional denominada Science reforçou os argumentos acima apresentados ao revelar um estudo que fala de algumas desvantagens na produção das matérias primas para os chamados combustíveis verdes, como, por exemplo, a utilização de grandes quantidades de água, fertilizantes, e ainda a desflorestação para o seu plantio.
Ainda sobre este milagre anunciado, importa aqui indagar se a ideia de que a produção local de biocombustíveis vai ajudar a conter e reduzir a actual tendência de constantes aumentos do preço de combustíveis, em razão de tendência homóloga do preço de petróleo no mercado internacional, não passará de mera retórica política e de um eloquente exercício de ressonância da tendência global de alguns interesses que empurram objectivamente o mundo na direcção destes combustíveis? Será esta a solucao real para o problema moçambicano? Esta ideia do milagre verde pode ser ilusória se considerarmos que o mercado hoje é global e que os capitais são internacionais, particularmente nesta área de combustíveis, dominada por grupos multinacionais organizados em forma de cartéis. O exemplo vem de países produtores de petróleo que não conseguem controlar o preço dos combustíveis, chegando mesmo, alguns, como a Nigéria, a enfrentar manifestações de protesto contra os preços elevados do combustível.
Até porque Moçambique já deu evidências suficientes da existência de uma enorme distancia entre a posse e o usufruto de um recurso. Sendo os casos do gás natural e da electricidade os mais elucidativos. Por um lado, temos o gás natural de Inhambane, made in Mozambique, entretanto, exportado, quase na totalidade para a vizinha e poderosa África do Sul, para depois importarmos o mesmo produto para consumo doméstico, com todas as consequências negativas daí resultantes. Por outro lado, temos a nossa HCB, made in Mozambique, que também exporta muita electricidade para a África do Sul, que, por sua vez, exporta de volta para Moçambique, mantendo, deste modo, uma dependência externa grave em relação a recursos produzidos localmente. Portanto, como se pode facilmente depreender, o milagre verde pode ser o ópio do povo moçambicano.
[1] Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia
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