Acidente que vitimou Samora em Mbuzini
União Soviética impôs condições para assinatura de Relatório Factual
Joanesburgo (Canal de Moçambique) - A delegação soviética junto da comissão de inquérito que investigou o acidente de Mbuzini impôs uma série de condições antes de assinar o relatório factual elaborado por peritos da África do Sul, Moçambique e da própria União Soviética e que continha todos os dados sobre o fatídico voo do Tupolev-134 em que perdeu a vida o Presidente Samora Machel. A revelação vem contida num manuscrito intitulado “Investigating C9-CAA” da autoria de Des Lynch, um antigo oficial da Força Aérea Sul-Africana e que integrou a referida comissão de inquérito.
Lê-se no manuscrito de Des Lynch, a que o «Canal de Moçambique» teve acesso, que a União Soviética objectou contra a menção feita no relatório preliminar de que o Tupolev presidencial havia aterrado no aeroporto de Mbala com excesso de peso. Isto resultara do reabastecimento da aeronave no decurso de uma escala técnica efectuada em Lusaka, menos de duas horas após o avião presidencial ter descolado de Maputo. Concretamente, o peso do Tupolev presidencial ao aterrar em Mbala, excedia o peso permitido para uma aterragem em segurança na pista daquela Base Aérea zambiana.
Diz o autor do manuscrito que a delegação soviética, apoiada pela parte moçambicana, pretendeu inserir no relatório afirmações descabidas que não correspondiam no mínimo à realidade, como por exemplo a de que “os membros da tripulação cumpriram de forma apropriada as suas funções normais”. Na realidade, salienta Lynch, a gravação da cabine de comando extraída do CVR demonstra que “a tripulação não havia observado muitos dos procedimentos normais recomendados para a operação em segurança da aeronave.”
A delegação soviética, referindo-se ao regresso à capital moçambicana, tencionava ainda inserir no relatório factual a afirmação de que “a tripulação continuara com a descida pois estava certa de que a aeronave se encontrava próximo do aeroporto de Maputo, o qual possui uma altitude mínima de segurança não inferior a 1.700 pés.” Des Lynch refere que a pretensão soviética constitua uma mera conjectura dado que o piloto do Tupolev presidencial havia recebido instruções da Torre de Controlo “para se manter a 3.000 pés de altitude até avistar as luzes da pista.” E acrescenta o autor: “O piloto não tinha o direito de descer abaixo dos 3.000 pés sem dispor de qualquer tipo de referência, quer visual quer por meio de instrumentos.”
De acordo com o autor de “Investigating C9-CAA”, a parte sul-africana sentiu-se na obrigação de aceder a determinadas exigências feitas tanto pela União Soviética como por Moçambique, retirando algumas delas ou ainda revendo o texto preliminar, pois receava que os dois países acabariam por não assinar o relatório factual. Os pontos omitidos do relatório factual poderiam depois ser levantados durante a acareação das partes soviética e moçambicana no Tribunal de Joanesburgo. A parte sul-africana veria gorada esta tentativa pois tanto a União Soviética como Moçambique, apercebendo-se da situação incómoda em que se colocariam no tribunal, recusar-se-iam a comparecer perante esta instância jurídica. A União Soviética impediria ainda que o mecânico de bordo, Vladimir Novoselov, depusesse não apenas perante a comissão de inquérito sul-africana mas também perante a sua congénere moçambicana.
A questão do chamado VOR falso, que até hoje tem sido utilizada por certos círculos moçambicanos para explicar o acidente de Mbuzini, é esmiuçada no manuscrito a que temos vindo a fazer referência. O autor aponta Agapito Colaço como a entidade moçambicana apostada em dar credibilidade à teoria do VOR falso, tal como defendida pela União Soviética. Ex-controlador de tráfego aéreo e que após a independência de Moçambique assumiu o cargo de director da Escola Nacional de Aeronáutica, Colaço é referido no livro como tendo fundamentado a tese do VOR falso em declarações prestadas por elementos das Forcas Armadas de Moçambique-FPLM integrando um posto de observação junto à fronteira da África do Sul. O testemunho desses elementos, diz Des Lynch, “provou ser superficial e contraditório”, acrescentando: “Foi surpreendente que o Sr. Colaço pudesse ter dado tanto ênfase ao testemunho de transeuntes casuais, optando por ignorar as provas contidas no CVR, o que constituía uma gravação factual dos acontecimentos que na realidade haviam tido lugar!”
(Redacção)
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