Li sem grande surpresa o artigo acima mencionado. Sem surpresa porque ha sensivelmente ano e meio levantei na Internet um debate com os ‘camaradas Isrianos’na diáspora a volta de apelidos. Debate esse em que participaram vários companheiros, mas onde se destacaram as contribuicoes de Kassotche, na altura na Indonésia, e de Machatine hoje Ndlovu em Gaborone e outros. O assunto viera a ribalta a propósito de uma intervencao na qual alguém discordava que meu apelido fosse Lopes de Araújo.
Expliquei ao meu colega que esse era meu apelido, e eu sentia-me perfeitamente feliz com ele, uma vez que Lopes era nome do meu avo paterno e Araújo do meu bisavo. Portanto se a definicao de apelido e aquela que eu conheço então eu não tinha problemas nenhuns em assumir que esses eram apelidos meus. E mais expliquei ao meu amigo incrédulo, que fizera essa pergunta ao meu pai e que ele me confirmara. Não pude faze-lo ao meu avo porque este foi desta para a melhor era eu ainda moleque.
Perante a teimosia do meu amigo, tive que explicar que existem muitos Mocambiques coloniais neste pais. Existe o Moçambique do Interior (latu sensu) que teve pouca convivência com os colonizadores. Existe o Moçambique do litoral que regra geral teve mais convivência não so com os portugueses mas também com outros povos sejam europeus sejam asiáticos. Depois temos o Moçambique do Vale do Zambeze.
Expliquei ao meu amigo que faço parte do Moçambique do Vale do Zambeze, que foi aquele, se a memoria histórica não me trair, que mais convivência teve com a colonizacao portuguesa e por consequência onde maior miscegenacao cultural aconteceu. Recordei-o da Republica Militar da Maganja da Costa e de outros prazos que eram Estados perfeitos resultantes de casamentos de portugueses desterrados e filhas de chefes tradicionais africanos. E por isso que muitos dos meus heróis de resistência colonial não tem nomes africanos. Tem nomes como Manuel António e outros. Recomendei-lhe que le-se as obras de Alan Isaacman bem como as do José Capela, ex-attache cultural (nos anos 1990) da Embaixada Portugal em Moçambique.
Meu amigo não percebia como e que eu me sentia feliz com um nome Português! Chamou-me de descendente de assimilado como se isso fosse um insulto ou algo pejorativo! Expliquei-lhe que hoje somos todos assimilados quer dizer globalizados e que a assimilacao era a minha forma de participar na globalizacao, da mesma forma que bebemos o vinho português, o whisky escocês, usamos a gravata, vemos televisão, viajamos de avião, assistimos novelas e mais.
Meu amigo insistia em não me entender considerando-me ‘vendido’. Insisti que era preciso compreendermos as diversidades da experiência colonial. Expliquei-lhe que um dos erros do nosso primeiro governo nacional foi o de ter feito uma leitura do colonialismo português baseada apenas na sua experiência. Diga-se de passagem da experiência do ‘interior de Gaza’, ou do Chamanculo se quisermos ser mais precisos. Dai que o regulo de Ionge, ou de Irregele era definido na base da experiência e conceito que os ideólogos da Frelimo haviam conhecido em Xidenguele ou em Chibuto. Se esquecendo que houve régulos nacionalistas que resistiram e defenderam suas populacoes, que enviaram seus filhos para combater ao lado da Frelimo etc etc.
Enquanto pensava no assunto, veio-me a memoria o caso de um amigo meu e colega no SOAS (Escola de Estudos Orientais e Africanos) da Universidade de Londres, por sinal moçambicano, que depois de ter produzido a sua tese de doutoramento, ‘descobriu’ seu apelido africano. Não imaginam a corrida que tivemos que fazer para mudar o nome, pois meu amigo queria a todo o custo que o seu ‘novo’ nome figurasse na tese.
Para desgaste nosso a Universidade recusou-se a aceder ao pedido do meu amigo, pois não so era tarde como o nome que apareceria na tese, segundo as regras da Universidade, e por consequência no diploma deveria ser o nome do registo no inicio do curso! Não tivemos outra saída senão cruzar os braços.
Algo semelhante aconteceu com um amigo meu, que depois da sua formacao superior descobriu que afinal de contas seu apelido era ‘elefante’ e a partir dai em diante passou a usar. Não tenho nada contra isso! Ate encorajo aos que se sentem melhor com tais apelidos.
Que as pessoas tem o direito de se chamarem elefantes (Ndlovu) , leões (podogoma), búfalo (Dou) cobras (Noa), lagartos, Sabonete, Colher, Garfo, Alface não me preocupa, o que me preocupa e o facto de se querer com esta ‘transmutacao apressada’ dar um cunho mais ou menos africanista ou se quisermos mais patriótico! E que o patriotismo não se mede pelo continente mas sim pelo conteúdo! Podes ser colher e seres mais africanista que a própria Africa. Mas também podes ser Kassotche e seres do tipo Mobutu!
Lembro-me das varias vezes em que fiquei embasbacado quando depois de me apresentar perguntaram-me qual era o meu apelido? Respondo sempre com um sorriso sarcástico mas simpatico Lopes de Araújo. Perante a perplexidade dos ‘perguntadores’oico ivariavelmente um resmungar acido, ‘não, refiro-me ao teu apelido africano’! Advinhando ja a ira respondo Lopes de Araújo! Pois e esse e o meu apelido africano.
Recordo-me que o ano passado vim a Moçambique fazer uma consultoria para uma agencia das Nacoes Unidas. Infelizmente, acabei ficando internado no Hospital Central de Maputo. Como mandam as regras a instituicao de tutela deveria tomar as necessárias providencias. Para minha surpresa o funcionário enviado para tratar do assunto entrou no quarto que lhe fora indicado mas de repente ao deparar-se com um jovem de raça negra ficou perplexo e voltou a origem. Apesar de te-lo perguntado o que desejava, não me respondeu tendo ‘corrido’ de regresso ao portão. Minutos depois recebia eu uma chamada da boss dele, afirmando que o funcionário fora ao aludido quarto mas não me tinha encontrado. Pedi a descricao do sujeito e felizmente coincidia com a do individuo que eu avistara minutos antes no ‘meu quarto’! Ri-me as gargalhadas, apesar de enfermo! A senhora do outro lado, como era de esperar não gostou da brincadeira! O senhor esta a rir-se na minha cara? –Rematou. Posso saber a razão desse riso? Compus-me e pedi desculpas, sem ter antes indagado- a senhora disse a ele que eu era negro? As gargalhadas desta vez saíram do lado de la! Estávamos conversados! O coitado do funcionário não podia imaginar um consultor preto de nome Manuel de Araújo, e ainda por cima vindo de Genebra! Coisas da minha terra!
Outra historia ocorreu quando fazia outro trabalho para uma outra instituicao. Chegado ao pais, fiquei perplexo quando notei que ao contrario do que me haviam garantido não via vivalma que me levasse do aeroporto a cidade. Peguei num táxi e fui ao escritório. A responsável não compreendia porque e que eu não usara o transporte que havia sido disponibilizado a tempo e horas. E que o motorista acabava de regressar ao ‘office’sem a precisosa carga! A razão era simples. O motorista estava a procura do consultor Manuel de Araújo (entenda-se Branco!) Não me tendo ‘visto’ fez o obvio, regressou a base! Uma vez mais ri-me ate rebentar!
Ja que estamos em maré de episódios porque não contar este? Ha alguns anos atrás os tugas decidiram dar-nos uma pincelada sobre literatura portuguesa! Fui dos primeiros a enlistar-me. Acabava de chegar a ‘metrópole’ nacional e a minha sede ao saber não tinha limites. Apesar de viver na Escola Central do Partido (entenda-se Frelimo) na Matola, sacrifiquei noites varias para que passasse a saber um pouco mais sobre a literatura deles. Recordo-me que foi desses cursos e das longas esperas nas paragens de chapas para a Matola que conheci a nossa escritora-mor Paulina Chiziane.
Dizia eu que terminado o curso, o Embaixador Portugues de então, fez questão de entregar pessoalmente os diplomas, numa recepcao organizada para o efeito. Chegara a vez dos Ms. E a mestre de cerimonia chamou: Manuel de Araújo. Para surpresa dos ilustres presentes movimentaram-se na direccao do Embaixador não um mas dois sujeitos: um preto e outro branco; um conhecido e outro desconhecido. Confesso que naquele momento quis desaparecer, pois os olhares presentes pareciam estar a dizer, ‘quem e esse intruso’?.
Instintivamente recuei, cabisbaixo. O meu homónimo confiante avançou! Para desgraça dele, e felicidade minha o diploma não lho pertencia, era meu, pois entre o M e o A existiam letras que condiziam com o meu nome completo! O dele vinha a seguir! Não imaginam o alivio! No fim da recepcao enquanto devorávamos litros e litros de bom vinho portugues, o meu homónimo aproximou-se e disse: um de nos deve mudar de nome: concordei. O senhor por ser mais velho, ja usou o nome o tempo suficiente, mude-o. Eu não posso mudar porque so agora comecei a usa-lo! Rimo-nos! Vocês não devem imaginar o gozo que dão todas estas estorias!!
Voltando a baila, gostaria de frizar que não e o simples mudar de nomes que vai alterar seja o que for, apesar de alguns especialistas de marketing poderem discordar comigo!
Como vimos, nos anos sessenta, um general no então exercito Congolês decidiu chamar-se Mobutu Sese Seko, e mudou o nome do pais de Congo para Zaire. Dai em diante foi a Zairizacao do pais! As escolas, as ruas, as estradas, os hospitais todos tiveram que ser zaireados! Infelizmente hoje a ‘zairizacao’ ficou para a historia e representa o pior que a mãe Africa tem!
Quando nasci, puseram-me de nome completo Manuel António Alculete Lopes de Araújo. Uma herança produto da simbiose entre a família Lopes de Araújo, do lado do meu pai, e Alculete do lado paterno da minha mãe. Acabei ficando com dois primeiros nomes, Manuel António, porque me diz meu pai, como resultado de um compromisso entre os candidatos a darem-me nome. Um era da família do meu pai, que queria que fosse Manuel e o outro da família da minha mãe, queria que eu fosse António. Feitas as contas acabei ficando com os dois nomes, que por coincidência me associam a dois guerreiros ‘Manuel Antonio’ líder na Republica Militar da Maganja da Costa, de ‘Manuel Antonio’ chefe dos famigerados Naparamas (antibalas) e mais recentemente ‘Manuel Antonio’ ex-ministro do Interior e porque não mencionar Manuel António ‘Noriega’!! que azar!
Depois deste roteiro uma questão aos meus amigos Dick e Ndlovu : Haverá melhor globalizante que moi?
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