‘Muitas formas de governação foram experimentadas e serão experimentadas neste mundo de pecadores. Ninguém pretende dizer que a democracia e perfeita ou que não tem defeitos. Ate porque já foi dito que a democracia e a pior forma de governação, exceptuando todas as outras formas de governação ate hoje experimentadas. ‘
Winston Churchill
‘O homem ama o poder… deia todo poder a maioria que eles oprimirão a minoria. Deia todo o poder a minoria, que ela oprimira a maioria’
Alexander Hamilton, 1787
‘A única liberdade que merece o nome e aquela que persegue o nosso próprio bem-estar, a nossa maneira, desde que não deprivemos o bem-estar de outros, ou impeçamos seus esforços para alcançar o seu bem estar’
John Stuart Mill
Por: Manuel de Araujo
Pediram-me para fazer uma reflexão sobre o tema em epígrafe! Hesitei bastante em aceitar pois sei que nada ou quase nada sei sobre o tema. E como deveis saber, apesar de escrevinhar ocasionalmente, não sou jornalista. E tenho muitas dúvidas se sou político na acepção mais restritiva do termo. Considero-me cidadão no sentido de que participo nos assuntos da polis, exercendo deste modo na integra, aquilo que penso serem os meus deveres cívicos, na obvia expectativa de receber e poder gozar na plenitude os meus direitos consagrados na Constituição da Republica.
Ora, se e verdade que seja difícil de falar ou escrever sobre um ou outro assunto de que não somos especialistas, verdade maior será ainda afirmar que fica extremamente difícil falar quanto se pede para falar de um conceito tão complexo como jornalismo politico. E que este conceito provem da justaposição de jornalismo e politico e cada um deles envolve teia ou uma mantra de significados e significações que importa decifrar antes de nos meter ao atalho.
Mas dada a insistência dos organizadores que devem ter feito nada mais e nada menos que 100 chamadas para me convencer, decidi aceitar o desafio, não na expectativa de que pudesse contribuir, mas sim na humilde verdade de que ao aceitar o desafio seria forcado a aprender sobre os três assuntos: jornalismo, politico, e sobre jornalismo politico. E assim sairia a ganhar pelo esforço.
Para que não nos enganemos vamos por passos. Começarei então por procurar definir cada um dos termos. Sei que os leitores podem a olho nu definir tais conceitos, mas como disse, faço-o na vã tentativa de aprender, de me educar eu mesmo, sobre tais matérias.
Quando me sinto perdido sobre qualquer tema vou ou ao dicionário ou então ao google. E uma vez que não tinha rede para poder navegar, optei pelo óbvio pai dos burros. O Dicionário Universal.
O ‘Dicionário Universal de Língua Portuguesa, editado pela Moçambique Editora define jornalismo como a profissão do jornalista; a imprensa periódica; conjunto dos jornalistas. Por se tratar de uma definição algo genérica optamos por continuar com a nossa consulta e desta feita decidimos dar uma vista ao termo jornalista, que e definido ‘como sendo a pessoa que, por profissão, escreve em jornais’. Portanto de uma vez por todas a minha pretensão de querer pertencer a essa nobre classe cai por terra pois apesar de escrever para jornais, não o faço como profissão!
Deixem-me tentar o segundo termo: politico. Do Grego politikos, adjectivo relativo a politica ou aos negócios públicos; fig. Delicado, cortes, astuto, o que trata de politica, estadista.
Perguntei-me sobre o que e que os organizadores queriam que eu me debruçasse. Será que eles queriam que eu me debruçasse sobre o jornalismo que se faz sobre ou aos negócios públicos? O que eu seriam então negócios públicos?
Porque não nos satisfaz esta definição tentemos então ver o que e politica, que e aquilo que se diz que e o politico faz.
Politica e definida como sendo a ciência do governo das nações, arte de dirigir as relações entre estados; princípios que orientam a atitude administrativa de um governo; conjunto de objectivos que servem de base a planificação de uma ou mais actividades.
Será que os organizadores querem que me debruce sobre o jornalismo, o seja o que se escreve sobre a ciência do governo das nações? Ou sobre a arte de dirigir as relações entre estados? Ou ainda sobre o que se diz ou escreve sobre os princípios que orientam a atitude administrativa de um governo?
Mas aqui temos ainda outro termo complexo. Ciência do governo das nações. O que e isso? Interroguei-me.
Na minha habitual preguiça, nada mais fiz senão recorrei ao agora familiar pai dos burros, que me diz que Ciência (Do Latim scientia) conhecimento rigoroso e racional de qualquer assunto; corpo de conhecimentos sobre um determinado tema, obtido mediante um método próprio, domínio organizado do saber, conjunto organizado de conhecimentos baseados em relações objectivas verificáveis e dotados de valor universal.
Será que serei a pessoa exacta para falar de forma rigorosa e racional sobre o governo das nações?
Como podem ver caros colegas, o desafio que me propuseram não e nada fácil e como pode provar devo ser a pessoa menos qualificada para o fazer. Mas lá sabem os organizadores porque decidiram dar-me este castigo!
Contudo sei que posso contar com a vossa paciência e benevolência. Juntos escalaremos a montanha e espero podermos chegar ao cume para que juntos possamos vislumbrar a terra prometida. Juntos aprenderemos um pouco mais sobre estas complexidades da nossa sociedade, e quiçá podermos saber sobre o que, como e porque se descreveu, analisou e/ou se (des) informou em 2007 sobre gestão da coisa publica.
I. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA
I.1. A importância dos meios de comunicação social para a sociedade e para a democracia em Moçambique
A democracia esta na moda, pois parece que o vento que iniciou nos anos 90 com a queda do muro de Berlim não para de soprar. Mais e mais países parecem estar a juntar-se ao clube. Contudo importa aferir que a palavra democracia, que vem do Grécia, querendo significar ‘poder do povo’ nem sempre foi apreciada positivamente pelos inventores do termo. Na Grécia por exemplo, contrastava-se democracia com monarquia, que e o poder por uma pessoa, com oligarquia, que e o poder por poucos, e aristocracia, que e poder pelos melhores/sábios. Para os gregos a democracia apresentava três defeitos que deveriam ser evitados a todo o custo: a) a maioria poderia usar o seu poder para oprimir as minorias, a população poderia facilmente se envolver em ondas emocionais, e não guiar-se pela razão, e poderia também prosseguir seus interesses particulares/especiais e não os interesses da sociedade como um todo. Dai que para evitar tais vulnerabilidades, uma forma específica de democracia foi desenvolvida, a democracia liberal, ou democracia representativa com o objectivo de combinar e maximizar as vantagens da democracia ao mesmo tempo que evitava e minimizava os potenciais perigos.
E nesta senda que ex-presidente dos EUA, Abraham Lincoln definiu democracia na já lendária frase como sendo ‘o governo do povo, pelo povo e para o povo’. Esta definição levanta pelo menos quatro questões:
1-Quem e o povo?
2-O que e que o povo deve mandar? Ou seja em que áreas se deve manifestar o exercício do poder pelo povo;
3-Como e que o povo deve mandar? Ou seja como e que o povo exerceria tal poder;
4-Como decidir sobre o ‘que e do/para o povo? ‘
A forma como cada nação responde a estas perguntas ajuda-nos a verificar e a caracterizar se se trata de uma democracia liberal efectiva ou não, pois a democracia deve em primeiro lugar proteger a liberdade. Da sabedoria popular sabemos todos que o ‘poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.’
Se tomarmos em conta o acima plasmado chega-se facilmente a conclusão de que para que tenhamos uma democracia florescente e necessário que se tomem certas cautelas, para evitar que tenhamos uma democracia de júri e não de facto.
Como bem afirmou Churchill, a democracia e o pior sistema de todos menos, ou seja exceptuando todos os que a humanidade já experimentou.
Ou seja todos os outros sistemas experimentados pela humanidade ate hoje tem mais vulnerabilidades e oferecem-nos menos potencialidades do que a democracia. Dai afirmarmos com todas as cautelas necessárias de que a democracia não e um sistema imaculado. Ela precisa de ser constantemente vigiada para evitar que o seu lado cinzento, o lado temido pelos Gregos predomine. Alias, Alexis de Tocquevile descreveu eloquentemente que o maior perigo a democracia provinha da ‘tirania da maioria’, pois como diria Hamilton em 1787 ‘ o homem ama o poder… deia todo poder a maioria que eles oprimirão a minoria. Deia todo o poder a minoria, que ela oprimira a maioria’
Do acima exposto, podemos facilmente concluir que para que se considere democracia há certos pressupostos que devem ser considerados, como o voto, que deve ser universal, livre e secreto, com eleições abertas e periódicas. devera haver partidos políticos, ou seja não pode haver democracia com apenas um partido, como um ilustre politico deste pais tem tentado defender. Deve também existir a liberdade de expressão e de associação, pois todo o cidadão deve ter a oportunidade de expressar a sua opinião. Devera haver a separação de poderes para que haja o equilíbrio e controle sobre aqueles que exercem o poder. O Parlamento por exemplo, deve fiscalizar a actividade do governo, o sistema judicial, deve ser independente do executivo, e deve haver um poder local forte. E mais, a existência de uma constituição e fundamental para que as regras de jogo estejam claras para todos os intervenientes no processo. Por ultimo importa frisar ainda que a democracia liberal e imperfeita porque ela tenta equilibrar a representação e a responsabilidade, por forma a que possa cabalmente responder aos anseios e interesses dos cidadãos bem como a que boas decisões, com consequências a longo positivas a longo termo sejam tomadas. Apesar desta imperfeição, a humanidade ainda não inventou sistema melhor que responda as duas questões.
Outro ponto que importa aferir e que esta intrinsicamente ligado ao primeiro e a questão de liberdade. Nos primordios da humanidade, pensava-se que a funcao do governo era promover a virtude, bem estar e o bem comum da sociedade. Assim esperava-se que os homens trabalhassem com vista a promocao do bem comum definido pela sociedade, e que subordinassem os seus interesses e desejos particulares para o alcance do bem maior. As liberdades eram deste modo vistas como direitos específicos ou dadivas/entitlements dados a grupos particulares ou a indivíduos, tais como os barões ou um guild. Não existia nenhum direito geral a liberdade. A ideia da liberdade como condicao geral pertencente a todos foi um desenvolvimento do século XVIII e associado a Hobbes e Locke.
Por exemplo, Locke afirmou que ‘a finalidade da lei não e abolir ou restringir, mas sim preservar e expandir a liberdade. A funcao do governo seria então proteger as liberdades individuais.
A liberdade nem sempre foi vista como um bem universal. Por exemplo no século passado, a liberdade ficou ameaçada por dua fontes fundamentais: aqueles que argumentavam que a liberdade era um bem menor que deveria subordinar-se ao alcance de um bem superior, tal como o comunismo ou um estado racial puro, e pelos socialistas, que queriam mudar o conceito de liberdade para justificar uma maior interferência do estado na vida privada das pessoas.
Dada a natureza do tema proposto interessa explorar a questão da liberdade de expressão e de imprensa em Moçambique que e onde recai a função do jornalista.
Como deve já ser domínio comum, a Constituição da Republica de Moçambique reserva o capitulo II aos Direitos, deveres e liberdades.
Mais concretamente, o artigo 48 (Liberdades de expressão e informação), reza que Todos os cidadãos têm direito a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, bem como o direito a informação.
O que por outras palavras quer dizer que qualquer individuo que habite este espaço entre os rios Rovuma e a Ponta de Ouro e do Zumbo ao indico, pode e quiçá deve expressar livremente a sua opinião, publica-la onde bem entender e pode querer saber sobre o que lhe interessa.
E mais, no seu ponto 2, o mesmo artigo estabelece que ‘o exercício da liberdade de expressão, que compreende nomeadamente, a faculdade de divulgar o próprio pensamento por todos os meios legais, e o exercício do direito a informação não podem ser limitados por censura.
Este ponto e extremamente importante pois explicitamente proíbe a pratica da censura (que e o poder do estado em interditar ou restringir a livre manifestação de pensamento, oral ou escrito, quando se considera que tal pode ameaçar a ordem publica vigente.
Mas uma coisa e a proibição legal de uma pratica e a outra e a existência ou digamos coexistência mesmo que ‘ilegal’ dessa pratica. E pior ainda, quando tal censura e feita tão discretamente que obrigue ao jornalista a auto-censurar-se sob pena de ser molestado psicologica, social, económica ou politicamente. Pelo que temos vindo a observar no nosso pais, infelizmente o facto de uma acção ser proibida ou ter sido declarada ilegal não e condição suficiente e necessária para que ela deixe de existir.
Mais adiante ainda, no seu ponto 3 o mesmo artigo estatui que a liberdade de imprensa compreende, nomeadamente, a liberdade de expressão e de criação dos jornalistas, o acesso as fontes de informação, a protecção da independência e do sigilo profissional e o direito de criar jornais, publicações e outros meios de difusão.
Portanto, pelo menos no nosso entender e legitimo e legal em Moçambique pensar, expressar tal pensamento e publica-lo onde e quando acharmos que devemos faze-lo.
E aqui talvez seja importante emprestarmos um pouco o raciocínio do Dr. Brazao Mazula, na obra ‘A democracia contestada – A democracia desejada: O Imperativo de pensar diferente’ quando inter alia afirma que o direito a livre expressão (que ele chama exercício da fala) e uma exigência fundamental para a construção da democracia, e portanto um dos sustentáculos da democracia, pois esta não pode existir sem tal exercício por se tratar de um acto comunicativo de cidadania. E, remata, com alguma elegância, aquilo que todos nos sabemos, ou seja que não pode haver democracia sem cidadania.
Como que a reforçar este ponto, Presidente da Autoridade Nacional da Função Publica, dizia recentemente em Maputo, que ‘se torna difícil, senão mesmo impossível, falar da boa governação num ambiente onde não existe a livre expressão e o pleno exercício do direito a informação, e vai ainda mais longe ao afirmar que, ‘… uma vez que a correcta participação no processo governativo esta intrinsecamente ligada a efectividade do seu direito a informação e da oportunidade de livre expressão.
Ao autorizar-se a livre expressão está-se concomitantemente a admitir-se que haverá certamente diversidade de pensamento, pois seria difícil de imaginar 20 milhões de pessoas a expressarem-se livremente pensando da mesma maneira! Portanto o artigo 48 da nossa Constituição ao banir a censura (. 2) e ao estatuir no seu ponto 4. que ‘nos meios de comunicação social do sector publico são assegurados a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião’, reconhece exactamente isso, que haverá cidadãos que terão ideias contrarias ou não exactamente iguais a do regime em vigor - dai dizer-mos que o artigo 48 oficializa a liberdade e a faculdade de pensar diferente!
A nossa constituição vai ainda mais longe ao garantir a isenção e a independência dos jornalistas, como vem plasmado no número .5 do artigo 48 ‘O Estado garante a isenção dos meios de comunicação social do sector público, bem como a independência dos jornalistas perante o Governo, a Administração e os demais poderes políticos.
Preferimos iniciar esta abordagem deste ângulo, dentre vários possíveis, pois partimos do pressuposto de que é incontestável que uma sociedade moderna e democrática possa existir sem meios de comunicação social. E para que isso seja possível é fundamental que tais meios :
· sejam disponíveis e acessíveis;
· reflictam a natureza pluralista dessa mesma sociedade e não se encontrem dominados por um determinado ponto de vista, nem demasiadamente controlados por certos grupos de interesses;
· coloquem ao alcance dos cidadãos a informação de que estes necessitam para efectuar opções com conhecimento de causa em relação a si próprias e à sociedade em que vivem;
· proporcionem os meios para que se produza o debate público característico das sociedades livres e democráticas e que o mercado não proporciona necessariamente só por si.
· Uma sociedade que limite o acesso à informação ou a liberdade de expressão a um número reduzido de privilegiados não se pode considerar democrática. Mesmo nesta acepção minimalista, a função dos meios de comunicação social é fundamental para o funcionamento de uma sociedade democrática.
Será que o nosso jornalismo responde a estes ditames? Vocês, melhor do que eu podem melhor responder a esta questão!
Sabemos todos que a função dos meios de comunicação social ultrapassa a simples informação relativa a acontecimentos ou temas da nossa sociedade, ou a possibilidade concedida aos cidadãos e aos grupos de interesses de apresentarem os seus argumentos e pontos de vista pois, a nosso ver os meios de comunicação social desempenham uma função educativa em termos sociais ou seja que os meios de comunicação social são responsáveis pela formação de conceitos e não apenas pela informação, convicções e mesmo da linguagem – quer visual e simbólica, quer verbal - que os cidadãos utilizam para dar sentido ao mundo em que vivem, assim como para interpretá-lo.
Por conseguinte, os meios de comunicação social conseguem influenciar o que pensamos sobre nós mesmos e onde nos julgamos enquadrar (ou não) no mundo em que vivemos. Por outras palavras, os meios de comunicação social têm uma importância fundamental na formação da nossa identidade cultural, social, económica e politica.
Neste contexto, por exemplo, a televisão, a rádio ou os jornais podem assumir uma importância crucial. Dados em nosso poder, apesar de não conclusivos permitem-nos sugerir que o moçambicano médio dedica 2 a 3 horas diárias à televisão, sendo este número ainda mais elevado tratando-se de crianças. Para a grande maioria trata-se da fonte principal de informação, de lazer e de cultura - ou seja de socialização. Num pais com os índices de analfabetismo que Moçambique apresenta, a Rádio que e de longe o órgão com maior cobertura nacional, muito mais que a imprensa escrita desempenha uma função social crucial.
Os órgãos de comunicação social não se limitam a apresentar de forma neutral factos e imagens do mundo, mas também fornecem conceitos e categorias – políticas, sociais, étnicas, geográficas, económicas, sociológicas e psicológicas, etc. - que usamos para tornar inteligíveis esses factos e imagens. Assim sendo, a imprensa contribui para determinar não só aquilo que vemos do mundo, mas também como o vemos.
Por exemplo, a televisão "oferece um conjunto de fantasias, emoções e imagens fictícias mediante as quais construímos a nossa compreensão (ou falta de compreensão) de todas as componentes da sociedade que ultrapassam o nosso meio circundante. Influencia não só a forma como nos situamos em face da comunidade na qual estamos enraizados, mas também a forma de entendermos essa comunidade – de facto, influencia a concepção da ideia de comunidade e do sentido que lhe atribuímos".
Aqui importa aferir que o sector audiovisual não é igual aos outros, não se limitando a produzir bens destinados a ser vendidos no mercado como quaisquer outros bens. Trata-se, na realidade, de um sector cultural por excelência, cujo "produto" possui uma natureza única, específica e cuja influência é fundamental para aquilo que os cidadãos conhecem, acreditam e sentem.
Este ponto de vista, segundo o qual os meios de comunicação social desempenham um papel educativo fundamental na nossa sociedade, não é novo. Infelizmente a pratica mostra que apesar do estatuído na Lei mãe, e possível sim que um grupo capture o estado e passe a tomar decisões em nome do Estado para proteger tal grupo. Como a captura do estado não e suficiente, então socorrem-se dos órgãos de comunicação públicos para criar uma imagem diferente da realidade, fabricando noticias, ampliando efeitos e factos, enfim manipulando a opinião publica.
É importante que exista uma política de equilíbrio entre os interesses dos organismos públicos e os do serviço público. No nosso país, os meios de comunicação social privados só foram autorizados depois dos Acordos de Roma, 1992, que terminaram a guerra civil. Hoje temos cerca de 340 títulos e designações de órgãos de informação, dentre rádios, televisões, jornais, revistas, boletins e outras publicações gráficas, muitas delas privadas (Diogo:2007:4).
Embora alguns questionem a existência, ou mesmo o valor, de um espaço audiovisual, é um facto que, desde a invenção da televisão, em grandes linhas, um conjunto de políticas semelhantes em matéria de radiodifusão. Isto não é surpreendente, uma vez que, apesar da sua grande diversidade, as sociedades contemporâneas partilham determinados valores, tais como:
um desejo de equidade e de justiça;
a convicção de que a democracia deve constituir o fundamento político da gestão da sociedade;
a coexistência de diversas correntes de pensamento político, filosófico e religioso;
o pluralismo;
a necessidade de equilíbrio entre o mercado e o Estado.
Apesar das inúmeras diferenças entre os mercados audiovisuais a abordagem comum da radiodifusão indica que têm, todavia, muito em comum no que se refere a valores sociais e culturais e à experiência histórica.
A natureza específica do sector e a sua função social fundamental foram sempre reconhecidas pelo Governo. Por conseguinte, independentemente de considerações de natureza meramente comercial, o objectivo de educar e informar o telespectador assumiu sempre uma importância fundamental nas políticas sobre os meios de comunicação social.
Dados os avanços tecnológicos com que nos confrontamos - em especial, o advento da era digital - coloca-se a questão de saber se a abordagem em relação à política audiovisual em geral e à radiodifusão em particular, terá de ser revista à luz dessa evolução e, em caso afirmativo, como proceder a essa revisão.
O ponto de partida para qualquer análise da política relativa aos meios de comunicação social audiovisuais terá de passar pelo reconhecimento da importância específica que estes assumem nas nossas sociedades e da necessidade de assegurar um equilíbrio entre o livre jogo das forças de mercado e a protecção do interesse público geral.
O caso de Moçambique
Feito o enquadramento teórico cabe-nos reflectir sobre o caso de Moçambique.
Uma breve análise ao panorama jornalístico em Moçambique dá-nos uma clara indicação de estarmos num terreno movediço onde a polarização parece ser a regra de jogo. Por um lado temos os órgãos do chamado sector publico, que por imperativos constitucionais deveriam garantir a isenção, conforme reza o artigo 48.4 e .5, a reflectirem o modo de estar e de actuar do governo, funcionando efectivamente como os porta-vozes do governo do dia, enquanto que do outro lado temos os órgãos de comunicação privados, que latu sensu, e apesar da exiguidade de recursos quer humanos quer materiais, esforçam-me por fornecer ao seu publico uma informação isenta e o mais objectiva possível. `
Feliz ou infelizmente esta situação não e única em Africa, onde muitas vezes se confunde o partido no poder com o Estado. Pior ainda nos países onde tal partido politico no poder e considerado de ‘histórico’ no sentido de que negociou a transição do poder com a ex-potencia colonizadora. Ai a fronteira entre o privado e publico, partidário e estatal parece ter desaparecido do vocabulário. Os agentes do partido no poder sentem-se e agem como se fossem os legítimos senão únicos hereditários do estado e por conseguinte com o direito de usufruir a seu bel-prazer dos bens do estado e porque não da riqueza nacional.
Na região da Africa Austral assistimos a estes casos da Tanzânia, a Africa do Sul, passando pelo Zimbabué, Angola e porque não Moçambique. Excepções a regra são os casos em que se verificou transição democrática com alternância do partido no poder –Malawi e Zâmbia.
No nosso caso, uma observação mesmo que desatenta aos órgãos públicos de comunicação social tais como o Jornal Noticias, Agencia de informação de Moçambique (AIM) o semanário Domingo ou a Televisão de Moçambique, que funcionam com fundos públicos, mostram quão longe do estatuído no artigo 48.4 e .5 andam as suas linhas editoriais. Estes órgãos funcionam como se boletins da célula do partido no poder se tratassem ampliando os factos dos agentes do partido no poder e vilipendiando qualquer sector da sociedade que ouse pensar diferente. Os editoriais, e mesmo as páginas culturais ou desportivas têm por função passar a mensagem de inevitabilidade e indispensabilidade do partido no poder ou como diria o Prof. Dr. Carlos Serra, estes orgaos tem como funcao essencial ‘desqualificar o outro’.
Um caso que merece atenção especial e o da Rádio Moçambique que apesar de se tratar de um órgão público consegue disfarçar a sua linhagem editorial, abrindo espaços para o confronto de ideias e quiçá para o pensar diferente.
O que e que faz com que a Rádio Moçambique seja mais independente que os restantes órgãos públicos de comunicação social? Será a expontaneidade da Rádio? Ou a qualidade dos seus jornalistas? Ou a historia de resistência que vem do tempo colonial? Em conversa com alguns funcionários da Rádio Moçambique, fiquei a saber por exemplo que a dado momento, fora sugerido pelo ‘patrao’ a eliminacao do programa ‘Tribuna Parlamentar’ por inter alia, ser um programa em directo e por sinal nao passível a tesourada da censura! A resistência de alguns membros da direccao da Rádio, fez com que o programa continuasse no ar.
Vem-me a memoria a eliminacao do programa de entrevistas do Emílio Manhique. Um programa que já se tinha celebrizado, mas mesmo assim foi ‘assassinado’. Poderia continuar a enumerar ate formar um compendio de programas de rádio que por conveniência deixaram de resistir e outros que resistiram a intempérie da tesourada. Quem sabe se não daria para uma tese dos nossos ilustres estudantes!
Há aqui a reter um facto curioso. Como dizíamos acima, apesar de funcionarem em condições e instalações quase sub-humanas (muitos deles em garagens sem ventilação), os órgãos privados ou cooperativos de comunicação social, que não são obrigados constitucionalmente a sê-lo mantêm, seu publico informado produzindo informação equilibrada, isenta e muitas vezes apartidária. São os casos dos semanários Savana, Zambeze, O Pais e os diários electrónicos, como o Canal de Moçambique, Mediafax, Vertical, Correio da Manha, Diário de Noticias etc.
Uma possível razão prende-se com o facto de a sua sobrevivência depender do voto monetário do seu publico alvo ou seja caso baixe de qualidade o comprador votara contra bastando para isso deixar de comprar o dito jornal. Como bem o diz Carlos Cardoso na obra ‘Estigmatizar e desqualificar’ casos, analises encontros sob a direccao do Prof. Dr. Carlos Serra, ‘para vender um jornal pequenino, um jornal que não contem aquelas informacoes uteis para o dia a dia dos leitores-farmacias de serviço, cinemas, necrologia, etc- informacoes essas que ajudam, e muito, a vender jornais, e preciso que ele tenha qualidade jornalistica’. E acrescenta, um jornal com muita informacao útil daquele género, mesmo mesmo que não seja nada de especial jornalisticamente, vende-se’. Rematando no fim, ‘que no caso do Mediafax, a sua sobrevivência teria de depender da qualidade do seu material informativo e opinativo.’
Outro factor poderá ser a concorrência. Como dizemos em economia o mercado perfeito e aquele onde existe um número infinito de compradores e produtores em que nenhum deles por si só pode influenciar o preço do produto no mercado.
Ao contrário os media do sector público não só tem pelo menos um financiador garantido, que lhe paga os salários e investimento necessário ao labor, mas também tem um mercado seguro, pois todas as entidades públicas são quase que obrigadas a assinar seus produtos. Mantendo-se numa posição de quasi-monopolio no mercado, os fazedores do Noticias e do Domingo tem uma missão apenas - agradar ao patrão, pois como bem o diz MC Roger, ‘Patrão e patrão!’
E do monopólio do mercado ao monopólio da verdade vai apenas um passo. Importante e notar que o Noticias ainda goza do quase monopólio de ser o único jornal diário em formato tablóide. O Diário de Moçambique editado na Beira, e que pelos que se diz foi comprado por uma empresa muito próxima de Guebuza, não so não lhe faz frente como parece caminhar na mesma direccao mas com pior qualidade e menor profissionalismo. Como diria o Prof. Dr, Brazao Mazula, ‘do monopólio da verdade e da virtude passa-se ao desprezo e a não aceitacao do Outro’, desaguando na ‘rejeicao intelectual’ e no ‘desprezo moral’.
Outro factor que considero importantíssimo e a dicotomia Gumende-Cardoso. A forma brutal como Cardoso encontrou a morte foi propositada com vista a enviar um recado bem forte aos aspirantes cardosianos de que o seu fim seria senão igualmente trágico , pelo menos algo perto disso. E isso de certeza que serviu para acalmar a certos aspirantes ao modelo jornalístico cardosiano.
Por outro lado a súbita promocao do jornalista António Gumende, a Alto Comissário na Corte de St. James, não apenas serviu para acalmar a esquerda militante britânica que se organizava para reagir a morte de Carlos Cardoso (vejam as perguntas feitas a Chissano durante a palestra proferida no Chatham House, em Londres no ano 2000) mas também serviu de forma eficaz para mostrar aos jornalistas bem comportados que havia um premio para os bem comportados! Ora, o efeito conjunto dos dois extremos, (morte violenta de um e promocao de outro) serviu para não so silenciar o bom jornalista ou aspirante a bom jornalista como também serviu para promover o mau ou aspirante a mau jornalista, ou seja o jornalista que esta no jornalismo não para ser jornalista mas sim como trampolim para uma cadeira diplomática algures! Poderíamos também citar s casos de António Matonse, Bento Baloi, ou Gustavo Mavie que de jornalistas passaram para assesores de Imprensa do Presidente Chissano e no caso do Bento para Assessor Politico do mesmo! No caso de Mavie de representante da AIM em Londres para Director Geral da AIM.
Por ultimo em jeito de advertência, fazer referencia a extrema dependência e quase monopólio na impressão de jornais. Para imprimir seus exemplares, a industria jornalística em Moçambique depende quase que sem excepção a uma ou duas empresas, sediadas na capital cujos interesses alegadamente giram a volta do partido no poder. Em casos de crise as duas ou um delas pode evocar motivos técnicos para impedir ou atrasar a saída de certa edição que se considere incomoda ao regime do dia. Dai a necessidade urgente, se queremos salvaguardar o direito a livre expressão, de se envidarem esforços no sentido de se providenciarem impressoras alternativas, pertencentes a jornalistas ou então a cooperativas de jornalistas. Na minha óptica quatro impressoras independentes ou cooperativas, de preferência uma no Maputo, outra na Beira, a terceira em Nampula e porque não uma na Zambézia bastaria para salvaguardar o direito a livre expressão em casos de crise ou choques institucionais graves.
E para que não me acusem de excesso de zelo ou abuso de confiança prefiro parar por aqui!
Bibliografia
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