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Por que existe o PARP em Moçambique?1
António Francisco2
…aqui está o segredo de uma boa governação: conceber um plano
que está para além dos meios disponíveis… (Couto 2003, p.70).
A resposta imediata à questão do título encontra‐se no significado da própria sigla: Plano de Acção para
Redução da Pobreza (PARP). Existe, todavia, uma resposta mais qualificada, ou seja, mais informativa e
capaz de explicar a origem do PARP, seus méritos e deméritos, ou por exemplo, por que os PARPAs/PARP
(sobre as siglas, ver mais adiante) se converteram no instrumento mais emblemático entre as políticas
públicas do Estado Moçambicano. Mais emblemático do que os instrumentos definidos na Constituição
da República de Moçambique, como os principais meios de intervencionismo estatal na economia e no
desenvolvimento social: o Plano Económico e Social (PES) e o Programa Quinquenal (Assembleia da
República 2004). Mais emblemático, também, do que os mecanismos usados pelas entidades doadoras
externas, particularmente o Fundo Monetário Internacional (FMI), na monitoria do financiamento
público que o Estado é incapaz de mobilizar da poupança interna.
Este texto mostra a importância da distinção entre dois tipos de objectivos associados ao PARP:
verdadeiros objectivos – o móbil e razão de sua existência; e objectivos declarados – aqueles que
apesar de explicitados no documento, servem de meio ou veículo para a realização dos verdadeiros
objectivos do Governo de Moçambique (GdM). O texto inspira‐se num artigo sobre direitos de
propriedade e o papel atribuído pelo PARP à propriedade, na criação de riqueza e redução da pobreza
dos moçambicanos; um artigo que integra o novo livro Desafios para Moçambique 2012, a ser publicado
por ocasião da 3ª Conferência do IESE, agendada para Setembro do corrente ano.
Esta nota mostra a importância da distinção entre os dois tipos de objectivos, acima identificados, para o
correcto entendimento dos méritos e deméritos do PARP. Identifica algumas lições e implicações, tanto
analíticas e metodológicas, assim como aplicáveis às políticas públicas moçambicanas. Porém, mais
importante do que os detalhes partilhados no texto é a sua principal mensagem.
Ler e usar o PARP pode tornar‐se uma experiência intelectual penosa, frustrante e desorientadora, mas
não é obrigatório que assim seja. A experiência mais positiva desta reflexão reside no esforço que exigiu,
ao autor deste texto, em discernir e distanciar‐se das críticas, igualmente frontais e incomplacentes, mas
substancialmente diferentes da abordagem aqui apresentada. Críticas que insistem em apresentar o
PARP com uma resposta aos ‘Problemas dos outros’; ou pior ainda, que a única alternativa ao actual
intervencionismo público, alegadamente imposto a partir de Washington, é ‘novo estado
intervencionista Made in Mozambique. Porém, uma análise rigorosa da experiência passada de aplicação
1
Versão publicada no Semanário Canal de Moçambique – Parte 1, a 25.04.2012, pp. 16‐18; Parte 2, a 02.05.2012, pp. 18‐23.
2
Doutorado em Demografia e Licenciado em Economia, Professor Associado da Universidade Eduardo Mondlane (Faculdade de
Economia) e investigador permanente do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), antonio.francisco@iese.ac.mz. O
autor agradece os comentários e sugestões de L. de Brito, J. Mosca, G. Sugahara, I. Fernandes, Y. Ibraimo e A.S. Ganho.
Qualquer erro é da responsabilidade do autor.
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de diversos modelos de intervencionismo público em Moçambique, tanto no passado remoto, como
mais recentemente, justifica e exige a maior das precauções e cuidados, no exame de qualquer novo
intervencionismo, supostamente alternativo e diferente, dos anteriores. Em contra partida, as
alternativas ao próprio intervencionismo público, seja ele externo ou interno, só marginal e
isoladamente começaram a ser experimentadas em Moçambique. Este facto é, em si, muito animador e
motivo para se acreditar que o futuro poderá ser muito melhor do que foi o passado.
1. Origem e Antecedentes do PARP
O PARP é um instrumento de política pública do GdM. Inspira‐se nos ‘Documentos Estratégicos para a
Redução da Pobreza’ (Poverty Reduction Strategy Papers‐ PRSPs), concebidos e adoptados pelo FMI e
Banco Mundial (BM), em 1999, como ‘uma nova estratégia para nortear sua assistência aos países de
baixa renda” (Ames et al. 2002; IMF 2003, p.3).
Em Moçambique, o GdM optou por um Plano em vez de Estratégia. Desconhecem‐se as razões desta
decisão, mas existem duas hipóteses plausíveis: as estratégicas de desenvolvimento são definidas
noutros espaços decisórios; no contexto dos PRSPs, o PARP é apenas um documento anexo. Em
1999/2000 surgiu o primeiro Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA), previsto
cobrir o período 2000‐2004, mas acabou por vigorar apenas em 2000 (CM 1999; L. D. Diogo & Maleiane
2000; IMF 2000; MPF 2000). O PARPA 2001‐2005, também conhecido por PARPA I, como se o inicial
tivesse sido um PARPA‐0, foi aprovado em Abril de 2001 (MPF 2001); o PARPA 2006‐2009, também
conhecido por PARPA II, estendeu‐se até 2010 (MPD 2006); e o PARP 2011‐2014, foi aprovado pelo GdM,
na 15ª sessão ordinária do Conselho de Ministros (CM), de 3 de Maio de 2011, e pelo Conselho de
Administração do FMI, a 17 de Junho de 2011 (IMF 2011b; MPD 2011). A referência às datas de
aprovação do actual PARP visa chamar atenção para um pormenor, frequentemente descorado (o PARP
não contém qualquer referência à sua vinculação com os PRSPs), que os PARPAs só são válidos, como
documentos programáticos, se forem aprovados simultaneamente pelas partes que o subscrevem: GdM
e FMI.
2. Sobre o Empobrecimento da Definição de Pobreza
O actual PARP, em momento algum, explica os motivos da substituição da anterior designação do
documento, e respectiva sigla, PARPA. Aparentemente, tirar a palavra ‘absoluta’ é um detalhe menor,
mas neste caso, denuncia uma opção analítica empobrecedora.
Presumivelmente, a intenção dos autores era serem mais consistentes com a abordagem da pobreza
como um fenómeno multidimensional. O questionamento da anterior definição de pobreza foi registado
no PARPA 2006‐2009, aparentemente para evitar que as políticas públicas ficassem reféns da excessiva
focalização na falta de rendimentos (dinheiro ou espécie) necessários para a satisfação das necessidades
básicas. Considerou‐se, com razão e bem, que o monetarismo não cobria todas as vertentes da pobreza;
mas a opção escolhida foi simplesmente infeliz. Surpreendentemente, uma definição operacional com o
mérito de ser específica, concreta, mensurável e útil (mesmo se criticável, de vários pontos de vista),
degenerou num alargamento sem limites e na seguinte definição de pobreza:
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Impossibilidade por incapacidade, ou por falta de oportunidade de indivíduos, famílias e
comunidades de terem acesso a condições mínimas, segundo as normas básicas da sociedade
(MPD 2011, p.5).
O limitado espaço reservado a este texto apenas permite adiantar, sem elaboração, alguns pontos
adicionais sobre a actual definição de pobreza. Primeiro, ela sugere que as palavras passaram a escolher
os significados, e não o contrário. ‘… [A]largando o conceito para abarcar aspectos como falta de acesso
à educação, saúde, água e saneamento… isolamento, exclusão social, falta de poder, vulnerabilidade e
outros’ MPD (2006, p.8), o conceito de pobreza enveredou pela imprecisão e inutilidade para efeitos de
medição. Segundo, como se não houvesse melhor maneira de tornar a natureza multidimensional da
pobreza inteligível, os autores parecem acreditar distanciar‐se do sentido monetarista, livrando‐se da
palavra ‘absoluta. Porém, o monetarismo encontra‐se distribuído, ao longo do texto, misturado com
outras ideias peregrinas. Terceiro, a nova definição de pobreza perdeu os atributos elementares de uma
definição operacional: ser específica, concreta, mensurável e útil, para que desempenhe um papel
orientador e estruturante de análises e métodos aplicáveis em circunstâncias específicas.
Quem queira fazer uso do conceito e abordagem de pobreza do PARP deve tomar como dada a ideia que
a pobreza é um fenómeno multidimensional; mas se quiser ir mais além do óbvio, terá primeiro de
assegurar que os significados voltem a escolher as palavras, em vez do contrário. Seguidamente, deve
escolher seu próprio quadro analítico, para então dar conteúdo e sentido à multidimensionalidade da
pobreza.
3. Primeiro Grande Objectivo: Mobilizar Recursos Financeiros
Numa leitura rápida, típica do senso comum, facilmente se confunde e toma o objectivo declarado pelo
verdadeiro objectivo. Tal confusão é, na verdade, motivo de muitos equívocos e mal‐entendidos, entre
governantes, técnicos, analistas e avaliadores das políticas públicas. Por isso, justifica‐se explicitar
minimamente a diferença entre estes dois conceitos operacionais.
O PARPA 2006‐2009 declarou no seu primeiro parágrafo ter ‘…em vista alcançar o objectivo de diminuir
a incidência da pobreza de 54% em 2003 para 45% em 2009”. Ter “em vista alcançar’ alguma coisa
pressupõe, em termos práticos, objectivos concretos e imediatos. No PARP, enquanto os verdadeiros
objectivos encontram‐se principalmente fora ou à margem do próprio documento, os objectivos
declarados surgem no documento como veículos para a prossecução do seu principal e verdadeiro
objectivo.
O documento do PARP está estruturado em várias categorias: declarações introdutórias (crescimento
económico inclusivo e orientação estratégica); desafios (na agricultura e pescas; no emprego e sector
privado; desenvolvimento humano e social, governação, política macroeconómica e gestão de finanças
publicas); objectivos gerais (4+2); orçamentação programática (envelope de recursos e sua afectação
estratégica) e monitoria e avaliação. Para surpresa dos menos informados, que por ventura tentem
verificar a consistência entre os objectivos, metas e programas declarados, de um lado, e os recursos
orçamentais, do outro, descobrem que o envelope de recursos está vazio no PARP. Os PES/OE são
aprovados pelo Parlamento, geridos e monitorados pelo MF, em coordenação com o Banco de
Moçambique, FMI e outras entidades, sem qualquer ligação ao PARP, a não ser informalmente.
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Basta citar um, entre vários estudos. Da análise sistemática da relação entre os PES/OE e os PARPAs,
realizada por Hodges e Tibana (2005; Francisco 2005c), uma imagem clara emerge: estes dois
instrumentos existem como duas linhas paralelas que nunca se encontram, em todo o processo de
elaboração, implementação e monitoria. ‘A preparação do PES baseia‐se numa metodologia
desenvolvida em 1998, antes da adopção do PARPA e da maioria dos planos estratégicos sectoriais’,
escreveram Hodges e Tibana (2005, p.66), acrescentando:
Consequentemente, o PES ainda não se tornou realmente um instrumento eficaz para a
implementação e monitorização anuais do PARPA, contrariamente às intenções declaradas no
próprio documento do PARPA, no qual o PES e o seu balanço são os instrumentos indicados
para desempenhar esse papel (Hodges & Tibana 2005, p.66).
Os autores adiantaram que o então Ministério do Plano e Finanças (MPF) tinha começado a dar passos
iniciais para corrigir estas fraquezas, assumindo um compromisso com os doadores do apoio orçamental
geral, para elaborar uma matriz de indicadores e metas derivados do PARPA (Quadro de Avaliação do
Desempenho, ou PAF, em inglês, Performance Assessment Framework), a ser incorporado nos PESs
(Hodges & Tibana 2005, p.67).
De facto, os PAFs converteram‐se num novo exercício burocrático que só não merece ser considerado
inútil porque pelo menos ajuda a justificar o salário de vários técnicos, do GdM e de agências
internacionais. O certo é que o actual PARP não reflecte os passos do MPF, acima referidos. Contém um
‘Anexo 1’ com uma longa lista de “Objectivos” em que nenhum deles é orçamentado, muito menos
harmonizado, com as rubricas do OE.
Estas aparentes contradições e falhas no documento do PARP não são inocentes, nem tão pouco mal‐
intencionadas. Elas podem ser entendidas assim que se reconhece a diferença e a complementaridade
entre o que aqui se designa por verdadeiros objectivos e objectivos declarados. Na verdade, tal distinção
ajuda também a responder a perguntas como a seguinte: Por que os frequentes incumprimentos dos
principais objectivos definidos nos PARPAs nunca constituíram motivo suficiente para se acabar com
eles, muito menos para questionar a continuidade da ajuda externa?
O mais recente incumprimento dos objectivos e metas aconteceu com o PARPA 2006‐2009. Em vez de
atingir, em 2009, a meta de 45% de incidência da pobreza absoluta, ficou‐se pelos 55%; um nível
considerado estatisticamente igual ao de 2003, mas que não consegue esconder o agravamento da
pobreza em várias províncias, principalmente a pobreza absoluta (cerca de três milhões de pobres mais,
número que pode variar usando, por exemplo, os índices reconhecidos internacionalmente (Francisco
2009; Francisco 2010c).
Para não variar, os incumprimentos anteriores em nada inibiram os autores do actual PARP, em
declararem objectivos ainda mais ambiciosos: ‘…O PARP 2011‐2014 tem como meta principal reduzir o
índice de incidência da pobreza alimentar dos actuais 54.7% para 42% em 2014’ (MPD 2011, p.5)
(sublinhado adicionado). O conceito sublinhado visa assinalar uma incoerência surpreendente. Nos
PARPAs o objectivo global, expresso no índice de incidência da pobreza absoluta, correspondia a um
quantum de ‘condições mínimas necessárias’ (relativo a uma linha de pobreza – um certo rendimento
e/ou consumo). No actual PARP, inesperadamente, o objectivo global surge focalizado na ‘pobreza
alimentar’, excluindo da medida de incidência da pobreza absoluta a componente de ‘pobreza não‐
alimentar’. Enfim, mais uma inconsistência analítica, mas que não perturba a lógica geral, na qual a
desinibição dos autores faz o maior sentido: incentiva o optimismo entusiasta e militante, por um lado, e
desincentiva o optimismo realista, por outro. Isto é bem captado na citação em epígrafe.
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Quais são, então, os verdadeiros objectivos do PARP? O primeiro, já referido acima como o mais
importante, é simplesmente o seguinte: mobilizar recursos financeiros externos, garantindo a
estabilidade política e macroeconómica da economia formal de Moçambique. É possível discutir se o
impacto da realização deste objectivo, com reconhecido sucesso, se resume ao ponto destacado por
Francisco (2010a): evitar que o Estado Falido em Moçambique degenere numa espécie de Estado
Falhado, similar ou diferente, dos Estados Falhados na Somália e Guiné Bissau (curiosamente, os
recentes acontecimentos neste País parecem indicar que o Estado Falhado é mais o oficial do que o
extralegal).
Porém, quando as pessoas são confrontadas com episódios, isolados e temporários, como os recentes
tumultos populares em Maputo (Fevereiro 2008 e Setembro 2010), os consensos aumentam
espantosamente, independentemente das diferenças ideológicas e políticas. Face ao risco dos episódios
trágicos temporários se generalizarem e prolongarem, nem os mais avessos aos PARPAs deixam de
apreciar seu papel crucial na mobilização dos recursos financeiros externos indispensáveis para garantir
uma paz e estabilidade relativas; ou seja, apreciam e reconhecem que o PARP não resolve apenas os
‘Problemas dos outros’ (Macamo 2006, pp.26–27).
Todavia, este verdadeiro objectivo do PARP não seria, por si só, suficiente para justificar a substituição,
em 1999, dos anteriores Programas de Ajustamento Estrutural (PAE), ou em Moçambique, dos
Programas de Reabilitação Económica e Social (PRES), implementados nas décadas de 80 e 90. Existe um
segundo verdadeiro objectivo, igualmente importante na justificação da existência do PARP. Este
segundo objectivo é abordado na próxima secção.
4. Segundo Grande Objectivo: Legitimação da Ajuda
Esta segunda parte retoma o último ponto, referido na primeira parte, sobre o primeiro dos dois
verdadeiros objectivos do PARP: mobilizar recursos financeiros externos, garantindo a estabilidade
política e macroeconómica da economia formal de Moçambique. Em geral, este objectivo vinha sendo
implementado com sucesso, através dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE) do FMI; ou, no caso
de Moçambique, dos chamados Programas de Reabilitação Económica e Social (PRES), implementados
nas décadas de 80 e 90. Por isso, o primeiro grande objectivo não seria, por si só, suficiente para
justificar a substituição dos PAEs.
Para além de dar continuidade à função de mobilização dos recursos financeiros, como deixaram claro o
FMI e o BM, em 1999, os PRSPs foram motivados por um novo contexto, observado no final do século
XX. As dívidas públicas acumuladas por vários Estados muito endividados tinham atingido níveis
insustentáveis. Por exemplo, em 1998, o stock nominal da dívida pública moçambicana representava
153% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 13 vezes mais do que as receitas do Estado e 25 vezes as
exportações de 1998. Para continuar a fazer face ao serviço da dívida, o GdM precisaria de 43% das
exportações, 23,5% das receitas do Estado e 2,7% do PIB de 1998 (MF 2008, p.3).
Esta situação forçou os credores internacionais a optarem pelo reescalonamento, ou mesmo
cancelamento parcial ou totalmente, de um conjunto de dívidas públicas, incluindo a de Moçambique.
Neste contexto, é importante referir também a crítica e movimento internacional aos programas de
ajustamento estrutural, e a favor do perdão da dívida. Isto acabou por convencer o FMI a reconhecer
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que o seu programa não estaria a ter os resultados desejados: ‘The IMF's… (ESAF): Is It Working?’ (IMF
1999).
Se a questão das dívidas públicas se resumisse a uma operação contabilística, de reescalonamento ou
abatimento das dívidas, o FMI/BM não teriam inventado os PRSPs. Um instrumento inovador, segundo o
FMI e avaliadores independentes, com uma nova estratégia de redução da pobreza, mas algo mais. A
ajuda internacional massiva passou a ser justificada em torno da ideia que iria também promover a
participação e ‘apropriação’, ou adoptando a expressão em Inglês, por ser mais expressiva, ownership,
por parte dos beneficiários dos recursos financeiros externos (Goldsbrough et al. 2004; IMF 2011b),
neste caso os moçambicanos.
Adicionalmente, o FMI/BM passaram a exigir que os governos beneficiários da ajuda externa
orientassem as suas políticas para a redução da pobreza. Tal como no passado, o GdM percebeu a
intenção da mudança em perspectiva, concebendo os PARPAs como parte de um sistema de planificação
nacional mais amplo, incluindo: orçamentação e cenarização fiscal de médio prazo (CFMP);
operacionalização anual, através do PES e Orçamento de Estado (OE); instrumentos de criação de
consensos na opinião pública, como a Agenda 2025 e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODMs) (MPD 2011, p.5).
A nível dos países doadores, o FMI/BM empenharam‐se em mobilizar outros actores internacionais em
torno dos PRSPs, considerados instrumentais na ligação entre as acções públicas nacionais. A
Organização da Nações Unidas (ONU) aderiu imediatamente ao processo. No seu estilo característico, de
entusiasta mobilizadora, a ONU lançou a Declaração do Milénio, fixando como meta a redução da
pobreza mundial para metade, entre 1990 e 2015 (IMF 2011a; UN 2000). Outras organizações, e
particularmente activistas individuais, não quiseram ficar atrás; salienta‐se, por exemplo, o plano
grandiloquente de Sachs (2005): acabar com a pobreza até ao ano 2025. Em Moçambique, numa das
suas visitas, Sachs (2006) criticou as metas do PARPA: ‘…aumentar o acesso aos serviços de saúde em
nove pontos percentuais… Isso não é meta – é rendição …O PARPA II não é suficientemente ambicioso, e
sabemos porquê’, afirmando: ‘O apoio da comunidade internacional não está lá’.
Perante aspirações destas, não admira que analistas inteligentes, como por exemplo Macamo (2006,
p.26), suspeitem que objectivos tão para além da capacidade realista dos moçambicanos só podem visar
resolver os ‘Problema dos outros’. Segundo Macamo, o PARPA é um documento curioso, ao reclamar a
sua fama com base na convicção de que se trata da solução dum problema que não é moçambicano.
Porém, adianta Macamo (2006, pp.26–27): ‘… o PARPA formula um problema de doadores como se de
um problema moçambicano se tratasse, ao qual dá uma solução também de doadores como se uma
solução moçambicana se tratasse…’. Afinal, qual é o problema de doadores? ‘… o problema enfrentado
pelos doadores de justificar o auxílio ao desenvolvimento, incluindo o perdão da dívida a países que
resistem ao desenvolvimento’ (Macamo 2006, p.27).
Ironias à parte, uma década após o início dos PRSPs e, em Moçambique, os PARPAs, é improvável que
Macamo, entre outros críticos, acreditem que o actual PARP se tenha convertido na solução orientadora
dos moçambicanos na resolução dos seus reais problemas, económicos e sociais. O descrédito aumenta
à medida que os cidadãos percebem que os mecanismos de legitimação do PARP pouco ou nada servem
para merecer ser reconhecido como instrumento válido. Os chamados Observatórios da Pobreza, mais
recentemente rebaptizados Observatórios de Desenvolvimento, testemunham a inutilidade, quer do
PARP, quer dos próprios Observatórios, para a monitoria efectiva e profissional da aplicação dos recursos
públicos (Castel‐Branco 2011a; Francisco & Matter 2007; Macamo 2006, pp.28–31).
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Numa avaliação mais substantiva, na linha de Chomksy (2002, p.19), os PRSPs são vistos como
‘fabricação de consentimento’. Segundo Chomsky, “Os mecanismos da democracia tal como nós os
aplicamos são claros: o país deve ser dirigido por cidadãos ‘responsáveis’, uma vanguarda – o que não
deixa de lembrar o leninismo ‐ os outros têm apenas de ficar sossegados” (Chomsky 2002, p.19).
Significa, assim, que o segundo grande objectivo e motivação dos PRSPs/PARPAs têm uma dupla
natureza: 1) conseguir a indispensável legitimidade e consentimento da opinião pública, para a
manutenção da ajuda internacional aos países subdesenvolvidos; e 2) garantir a reprodução dos meios
políticos de aquisição de riqueza, quer seja à custa dos meios económicos de produção e troca assentes
na produtividade, quer pela conversão da ajuda externa em ‘recurso renovável’, um termo que será
retomado mais adiante. Se o financiamento externo é fruto das contribuições fiscais dos contribuintes
dos países das economias avançadas, em vez da poupança acumulada na economia nacional, ambas
partes precisam de encontrar a devida legitimação pública. Neste âmbito a crescente intervenção junto
da população moçambicana, tanto do GdM como dos doadores e organizações não‐governamentais
centra‐se em actividades e serviços sociais afáveis, perante a opinião pública, como são as funções
atribuídas ao sector público: escolas, saúde, infra‐estruturas, financiamento central e distrital dos
chamados ‘7 milhões’ (expressão popular do chamado ‘Orçamento de Investimento de Iniciativa Local –
OIIL‐ (Sandes 2011)) , subsídio ao transporte e consumo urbano, frequente manipulação das taxas de
juros, entre outros. Em termos programáticos e técnicos, os PARPAs são dispensáveis e irrelevantes para
a gestão e monitoria regular do FMI. Quem quiser perceber e explicar o papel intervencionista do
governo e dos seus parceiros internacionais, em vez de desperdiçar o seu tempo olhando para a sua
função ‘participativa’ e aparentemente empoderadora, de instrumentos como o PARP, terá que se
concentrar na acção de monitoria técnica e profissional regular, quer do MF e Banco de Moçambique,
quer do FM/BM; uma acção muito mal espelhada nos websites dos PAFs e do MPD, mas relativamente
bem compensada pelos websites do FMI e do BM.
5. Intervencionismo versus Intervencionismo?
Uma ajuda externa que começou por ser mera emergência, em resposta à grave falência económica e
financeira provocada pelo partido Frelimo, e agravada pela guerra civil movida pela Renamo, converteu‐
se de seguida, numa ajuda externa à correcção dos desequilíbrios de curto prazo na economia
moçambicana (Abrahamsson & Nilsson 1997; Serra 2004; Pavia 2000); uma ajuda decorrente da adesão
do Estado Moçambicano, em 1984, às Instituições de Bretton Woods e de acções políticas como o
Acordo de Nkomati de 1984, entre o GdM e o Governo da África do Sul (Abrahamsson & Nilsson 1994;
Francisco 2002; Francisco 2010b). Estendeu‐se depois, até aos dias de hoje, numa assistência
prolongada, através do que o MPF (2001, p.1) tem designado por instrumentos de ‘programação rolante
e dinâmico’. E tendo em conta os recentes exercícios de cenarização da sustentabilidade da dívida, até
ao ano 2030, o GdM e seus parceiros internacionais preparam‐se para viabilizarem a dívida externa
moçambicana, em praticamente toda a primeira metade do século XXI (IMF 2011c; MF 2010).
A ajuda externa dura já há mais de um quarto de século, mas se o GdM mantiver o ‘bom desempenho no
cumprimento do seu programa de reformas’ (MF 2008, p.3), não será difícil de estendê‐la, para além de
2030 (IMF 2011c; MF 2010). Neste contexto, o suposto mandato de ‘curto prazo’ do FMI (Castel‐Branco
1999, p.2) está claramente transformado num curto prazo ad aeternum. Por imposição do FMI?
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Evidentemente que não. Afinal de contas, Moçambique apenas está a fazer uso do direito que aquele
organismo governamental, constituído por 187 governos membros de todo o Mundo, lhe confere; ou
seja, pedir socorro e a intervenção financeira e técnica do FMI, como Banco Central dos Bancos Centrais,
quando já não conseguem lidar sozinhos com erros irremediáveis que cometeram (Francisco et al. 2011,
p.303; Kanitz 2002).
Os estudos sobre a sustentabilidade da dívida, realizados pelo Ministério das Finanças (MF), com apoio
do FMI/BM (IMF 2011c; MF 2010), surgiram pouco antes do mais recente entusiasmo, em torno da nova
expectativa dos potenciais dividendos muito lucrativos da exploração de recursos naturais (e.g., carvão,
gaz natural, entre outros). O tempo dirá quando é que os fundos financeiros resultantes das novas
explorações de recursos naturais em Moçambique passarão a contribuir, tanto ou mais do que a ajuda
externa tem contribuído, até aqui, para os recursos públicos do GdM. Ao longo das três décadas
passadas, a ajuda externa converteu‐se no que pode ser considerado o principal ‘recurso renovável’ da
economia formal moçambicana. Um recurso que, por enquanto, continua muito mais competitivo e
gerador de valor acrescentado para o Estado Moçambicano do que qualquer recurso natural
presentemente em exploração no País.
Não será de admirar, por isso, que o PARP continue, por algum tempo mais, o instrumento mais
emblemático entre as políticas públicas do Estado Moçambicano. De igual modo, não deve ser motivo de
surpresa que, nos próximos anos, alguns governantes passem a comportar‐se como se tivessem acabado
de ganhar o maior Jackpot do Mundo. Apesar de ainda não terem visto esse Jackpot, a ansiedade de
alguns governantes em se verem livres dos doadores é grande e tem aumentado, nos anos mais
recentes, sempre que os doadores se mostram menos complacentes e paternalistas do que no passado.
Será interessante observar, nos próximos anos, se as novas oportunidades proporcionadas pelos
recursos financeiros irão, de facto, contribuir para a verdadeira libertação de Moçambique da ajuda
externa. Não vai ser fácil, mesmo que exista vontade. Não é fácil, porque não se trata de uma simples
substituição dos detentores dos recursos financeiros ‐ até aqui os recursos doados pela comunidade
internacional, passando depois para os recursos obtidos, por exemplo, por via da fiscalidade ou da
chamada ‘responsabilidade social’ das empresas que explorem os recursos naturais. Muito mais difícil
será, certamente, libertar a Função Pública, serviços administrativos públicos, sectores sociais e até
mesmo as organizações da sociedade civil (ONGs) que, ao longo de um quarto de século, se tornaram
viciados ou addicted (na expressão inglesa), ao dinheiro ‘fácil’ da ajuda externa (Castel‐Branco 2011b,
p.23; Macamo 2006; Shleifer 2009, p.387).
Será um erro grave subestimar‐se a profunda e prolongada ajudo‐dependência em que o Estado, a
economia e a sociedade civil, principalmente formais, vivem mergulhados. Parte significativa dos
moçambicanos, principalmente a parte com maiores ligações, experiência e habilitações em sectores
modernos, tornou‐se ‘ajudo‐dependente’ – isto é, uma espécie de toxicodependente, em termos
institucionais (de infraestruturas e funcionamento corrente) e psicológicos, de uma ajuda convertida em
droga ou substância tóxica. Grande parte da ajuda externa recebida, nos anos passados, tornou‐se
tóxica, corrosiva e debilitadora do tecido produtivo e social da sociedade moçambicana (Moyo 2010;
Shikwati 2005; Shleifer 2009).
Só por ingenuidade, ou pior ainda, desonestidade consciente, poderá alguém defender que Moçambique
se libertará facilmente da ajuda externa, assim que o Estado Moçambicano encontre fontes alternativas,
para substituir os recursos financeiros até aqui provenientes dos doadores. Sim, libertar‐se de um
doador e substituí‐lo por outro, é relativamente fácil. Os dirigentes políticos do partido no poder
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aprenderam a fazê‐lo, ao longo das décadas passadas; a maior aprendizagem talvez tenha sido a que
envolveu a mudança da ajuda do bloco socialista para a ajuda dos doadores das economias capitalistas,
sejam nórdicos ou norte‐americanos. Na última década, os governantes também souberam escolher e
trocar de doadores, por diversas razões, incluindo vantagens ou mesmo caprichos de ambas as partes.
Contudo, assumir que este longo processo de ajuda externa possa ser facilmente substituído, assim que
se disponha de uma acumulação financeira interna significativa, por enquanto não passa de mera
conversa de ajudo‐dependente. Conversa idêntica à de um toxicodependente que acabe de ganhar um
jackpot e, por alguns momentos, acredita que irá ter juízo e curar‐se facilmente da droga de que
depende; porque a sua dependência é crónica e profunda, em vez de se curar, o que de seguida faz é
substituir uma droga mais barata e leve por outra mais cara e forte.
Muito provavelmente a questão da ‘ajudo‐dependência’ será escamoteada pelos líderes políticos e
governantes; tal como têm escamoteado, enquanto é conveniente, as crises internas e internacionais, ou
todas as advertências relacionadas, por exemplo, com a polémica sobre a ‘maldição’ dos recursos
naturais, em vários países africanos, e não só. Isto não acontece somente com os políticos e
governantes. Estes têm o apoio de diversos intelectuais, como tem acontecido em reacção aos autores
que questionam os benefícios da ajuda externa. Alguns dos exemplos mais recentemente foram as
reacções às fortes críticas da economista zambiana Dambisa Moyo (2010), no seu livro “Ajuda de Morte”
(Dead Aid); e do economista queniano James Shikwati (2005) – ‘Pelo amor de Deus, por favor parem a
ajuda!’. Estes, entre vários outros autores, têm apresentado evidências empíricas concretas sobre a
forma como a ajuda alimentar e humanitária a África tem vindo a ‘matar’ a possibilidade deste rico
continente evoluir por si só e afirmar na economia mundial, com base nas suas próprias riquezas. Em
contra partida, aparece sempre alguém, preferivelmente uma opinião com autoridade internacional, a
dizer: ‘não é bem assim’; as evidências são caóticas e fracas; e cortar a ajuda não seria a melhor resposta
(Collier 2009).
Ironicamente, as recentes denúncias dos problemáticos impactos da ajuda externa, no continente
africano em geral, apenas dão razão às críticas liberais, desde a década de 1950 e ao longo do século XX,
com destaque para o economista Peter Bauer (1993; Bauer & Basil Yamey 1982). Enquanto vários países
recém‐independentes aderiam ao planeamento centralizado socialista, Bauer (1915‐2002) e outros
autores liberais, remavam contra a crença numa riqueza estática e num economia vista como um jogo de
soma zero, onde para um ganhar o outro tem que perder; contra o uso e abusos do discurso marxista‐
leninista (e não só) sobre a exploração, muito conveniente para os governantes dos países pobres,
interessado em encobrir sua apetência par o centralismo, dirigismo e ditadura estatal, nuns casos como
‘ditadura do proletariado’, noutros como ‘nacionalismo africano’. Porém, no início do século XXI, muitas
das teses de Bauer são crescentemente aceites, representando ‘uma vitória da persistência e da
coerência de pensamento, e um incentivo para quem equaciona ideias impopulares, mas correctas’
(Fonseca 2006).
Ler e usar o PARP pode tornar‐se uma experiência intelectual penosa, frustrante e desorientadora, mas
não é obrigatório que assim seja. Penoso, não porque o texto esteja mal redigido; comparado com
muitos outros documentos oficiais, o texto do PARP é fluente e de fácil leitura. O que o torna penoso é
sua enorme pobreza analítica, como foi ilustrado com o exemplo da definição oficial de pobreza.
Frustrante, porque apesar do visível esforço dos autores em parecerem optimistas, a sua incapacidade é
notória, ao proporem políticas públicas que, no fundo, pouco mais conseguem, a não ser evitar o Estado
Falhado. Os PARPAs, incluindo este PARP, são documentos frustrantes, relativamente a qualquer
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expectativa de Moçambique se libertar do Estado Falido. Desorientador, porque grande parte das
críticas à ajuda externa, e particularmente ao PARP, deixa os leitores sem directrizes analíticas e morais,
nem opções práticas construtivas e efectivas.
Na verdade, a experiência mais positiva desta reflexão reside no esforço que exigiu, ao autor deste texto,
em discernir e distanciar‐se de críticas, igualmente frontais e incomplacentes, mas substancialmente
diferentes da abordagem aqui defendida. Críticas que insistem em considerar o PARP como mera
resposta aos ‘Problemas dos outros’. Mas no final, qual é a sua proposta alternativa? Substituir‐se o
intervencionismo público, por ser alegadamente Made in Washington, por um novo intervencionista
público Made in Mozambique.
Antes de passar para a enumeração de algumas lições e implicações, decorrentes do argumento
apresentado neste texto, é importante explicitar a perspectiva, atribuída aqui, a um conceito operacional
importante: intervencionismo. Sendo um conceito usado, por outros autores, com conotações
diferentes, é de toda a conveniência esclarecer o que se entende por ‘intervenção’, neste texto.
Intervencionismo significa, neste texto, o conjunto de normas restrictivas impostas pelos órgãos
governamentais, nacionais ou internacionais, aos donos dos meios de produção e empresários, forçando‐
os a empregar os seus recursos produtivos e financeiros de uma forma diferente do que fariam se não
estivessem sujeitos a tais normas restrictivas (Mises 2010a, p.13; Mises 2010c, p.21; Hoppe 2011;
Oppenheimer 1908, pp.25–27).
O termo ‘restrictivo’ pode causar estranheza ou dúvidas, tais como: se as normas forem a favor dos
donos dos meios de produção deixam de ser intervencionistas? Toda a intervenção governamental é
considerada restritiva pelos liberais? Ou só é intervencionismo se o Estado age ou intervém para além do
que está na Constituição? O neoliberalismo, ao defender o fraco papel regulador do mercado, tenta
resgatar o liberalismo clássico? Nos programas de ajustamento estrutural, ou PRESs em Moçambique,
questionavam‐se os governos apenas por eles serem incompetentes e corruptos? A recente promoção
da participação ou ownership é uma nova variante do neoliberalismo?
Tentar responder a estas questões, entre muitas outras igualmente oportunas, implicaria iniciar um novo
trabalho, para além do âmbito e limites deste texto. De qualquer forma, as perguntas são referidas,
como reconhecimento d sua pertinência, quer porque reflectem abordagens analíticas diferentes; quer
porque em Moçambique, à semelhança do que acontece nas economias mais livres, nem todas as
normas sociais são restrictivas, no sentido atribuído aqui, como políticas de intervenção do governo ou
seus parceiros internacionais, na actividade económica nacional; o significa de ‘restrictivo’, usado aqui,
também é diferente ao de utilizações em domínios da política internacional; o tipo de intervencionismo
contraposto ao isolacionismo, mencionado por Mises (2010b, p.13); ou ainda normas sociais, como são
as regras de trânsito, indispensáveis à regulação das relações em sociedade; ou os direitos de
propriedade dos cidadãos, os direitos de facto, negados formalmente pelo direito (de jure) do Estado
sobre a terra e outros recursos naturais, implicando a subjugação dos verdadeiros donos dos meios de
produção, nomeadamente aos camponeses rurais.
Não sendo possível alongar muito mais estas considerações sobre o intervencionismo, pelo menos é útil
exemplificar o que o distingue de outras críticas ao papel da ajuda externa. Críticas que, sem dúvida, têm
exposto importantes manifestações e mecanismos característicos do intervencionismo do GdM e de
seus parceiros internacionais, mas não são partilhadas pelo autor deste texto, entre várias razões,
porque apontam como alternativa um outro tipo de intervencionismo. A origem desta suposta
alternativa pode ser traçada às críticas à ajuda externa, e aos PARPAs, em particular, inspiradas numa
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perspectiva herdeira, em alguns casos, da perspectiva marxista‐leninista e associadas que representou a
ortodoxia oficial do partido Frelimo e seus Governos, na primeira década de independência.
Actualmente, mesmo o intervencionismo de inspiração marxista apresenta‐se frequentemente
dissimulado num estatismo e colectivismo pragmáticos, beneficiando do ambiente intelectual e político
saturado de estatismo prevalecente em Moçambique. Entre os críticos nesta linha, o jornalista britânico
Joseph Hanlon tem‐se destacado na literatura sobre desenvolvimento em Moçambique. A sua
experiência jornalística permite‐lhe escolher e usar evidências empíricas, principalmente anedóticas,
bem armadilhadas e utilizadas na denúncia do que designa por neoliberalismo, definido por ele como “o
apelo ao máximo uso das forças de mercado ao mesmo tempo que se limita drasticamente o papel do
estado… um regresso ao ‘liberalismo’ do século XIX’ (Hanlon 1997, p.25). No passado, o anti liberalismo
de Hanlon revelou‐se obsessivamente irracional, como bem ilustra o título do seu livro, Paz Sem
Benefício (Hanlon 1997). Um título que, na língua do autor, é mais expressivo e brutal do que na sua
tradução em português: ‘Peace without profit’. Dificilmente um outro título espelharia tão bem o
fundamentalismo impiedoso e trágico por de trás da ideia que a paz em Moçambique foi conseguida a
preço muito baixo, sem lucro e de forma humilhante.
Não é possível referir vários outros exemplos, igualmente extremos, de uma crítica empenhada em
retratar o capitalismo internacional como ‘coisa do diabo’; mas um outro exemplo merece ser
adicionado, nem que seja para que o anterior não pareça uma excepção muito isolada. Vieira (2011), um
dos poucos defensores do intervencionismo estatal que não disfarça sua convicção marxista‐leninista,
raramente perde oportunidade de atacar, no seu estilo deselegante e vilipendiador, quem ouse defender
a privatização da terra: ‘Regularmente e alimentada pelos tenores de Bretton Woods, o maestro
americano e algum coral de pobres de espírito moçambicano, tenta‐se reabrir o debate da privatização
da terra. A pobreza de espírito encobre a ganância em apossar‐se e a servidão em relação ao
estrangeiro’.
6. Lições e Implicações
Que lições e implicações extrair do argumento apresentado neste texto? Que lições alternativas ao
argumento, em particular, segundo o qual a melhor alternativa ao intervencionismo estatal e externo, a
partir de Washington, um outro e mais intervencionismo Made in Mozambique? É provável que esta
última interrogação suscite dúvidas, como já aconteceu, com um dos comentadores que leu uma versão
anterior deste texto. Não é possível fundamentar, aqui, o argumento sobre a natureza intervencionista
de muitas das acções propostas pelos Estados que financiam e integram as instituições financeiras
internacionais; principalmente no caso específico do FMI, um organismo governamental (ou seja,
diferente do habitual termo ‘multilateral’ para distinguir de ‘bilateral’), regido por funcionários públicos,
composto presentemente por 187 governos membros, cuja influência é proporcional ao valor da
contribuição accionista de cada governo.
Existem várias lições, de ordem analítica e metodológica, bem como práticas e com implicações
aplicáveis às políticas públicas. Por razões de espaço, enumeram‐se apenas três exemplos.
Uma primeira lição de natureza epistemológica diz respeito à leitura e interpretação do PARP. Esta
reflexão permite concluir que em vez de tentar avaliar ou julgar o desempenho do PARP pelos seus
resultados, o mais apropriado é considerar os custos da alternativa; ou seja, seguir a sugestão de Taleb
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(2004, p.22), que considerar a ‘história alternativa’ se, por exemplo, os recursos mobilizados fossem
aplicados de maneira diferente. Tão pouco, como afirma ainda Taleb (2004, p.22), tem sentido tentar
avaliar a qualidade das decisões (e.g. as metas de redução da pobreza) apenas na base dos seus
resultados. Um ponto entendido e defendido quando as metas e resultados não são alcançados (como
aconteceu com o PARPA 2006‐2009) – ‘aqueles que têm sucesso atribuem seu sucesso à qualidade da
sua decisão’ (Taleb 2004, p.22).
Segundo, ‘o PARPA é propriedade de Moçambique’, escreveu Macamo (2006, p.29), referindo‐se às
avaliações que indicam ‘forte comprometimento com os objectivos da iniciativa’. Sem rodeios e com a
frontalidade e coragem que tem caracterizado este sociólogo, Macamo não hesitou em usar a palavra
apropriada: hipocrisia. Uma hipocrisia, em torno de um ‘eufemismo diplomático’, no qual o próprio
termo ‘diplomático’ está a mais, por ser ele próprio eufemístico, considerando que hipocrisia se tornou
demasiado grosseira para merecer ser considerada diplomática. Entretanto, este tipo de hipocrisia em
torno da propriedade (ownership) do PARP, se bem que crescentemente reconhecida publicamente,
esconde hipocrisias piores. Um exemplo concreto, tratado no artigo que inspirou este texto, diz respeito
à questão da propriedade sobre os recursos naturais. A palavra propriedade, em referência aos regimes
de propriedade sobre os recursos naturais, praticados em Moçambique, nem figura no documento PARP.
Isto não surpreende, tendo em conta a posição clara do partido no poder, e do seu Governo, em defesa
do monopólio estatal sobre a terra e os recursos naturais. O que de algum modo surpreende (mas, de
facto, não devia), é ver os doadores a serem acusados, pelos críticos anti liberais, de fiéis defenderem o
liberalismo ou livre mercado, quando são eles que mais têm pago e financiado o monopólio do Estado
Moçambicano sobre os recursos naturais.
Terceiro, quanto ao impacto prático e aplicável às políticas públicas, com destaque para o papel do
planeamento. Será que devemos concordar com Easterly (2006, p.5), quando afirma: ‘o plano certo é
não ter nenhum plano’? De modo algum. Tal sugestão é, sem dúvida, uma dádiva lamentável e peregrina
oferecida aos defensores do intervencionismo estatal; um testemunho (insuspeito?) vindo de um autor
reconhecido como liberal, ao ponto de se ter tornado incómodo no BM que os críticos do liberalismo
consideram ser um dos principais instrumentos do neoliberalismo.
Existem várias alternativas ao intervencionismo público que tem sido apresentado como a melhor, ou
mesmo única, alternativa ao neoliberalismo, caricaturado como representante do laissez‐faire do
liberalismo clássico. Curiosamente, em 1949 Mises (1990, p.1004) respondeu a esta questão, como se
estivesse a responder especificamente a Easterly: ‘A alternativa não é ter ou não ter um plano. A questão
essencial é: quem deve fazer o plano?’. Outra opção, menos substantiva do que a anterior diz respeito à
dicotomia entre ‘plano’ versus ‘plano’, no próprio domínio público. A Estratégia de Desenvolvimento
Rural (EDR) (CM 2007) identifica uma importante e útil diferença e proposta: o GdM devia privilegiar um
‘planeamento para o mercado’, em vez de insistir no ‘planeamento do mercado’.
Vale a pena recordar, no que toca à possibilidade de uma maior ownership da sociedade sobre as
políticas públicas implementadas em Moçambique, a indiferença manifestada pelo GdM e parceiros,
directamente envolvidos na preparação do PARPA 2006‐2009, a uma proposta de Francisco (2005a;
2005b) para os PARPAs passassem a ser usados internamente, à semelhança do que tem acontecido
entre Governo e FMI, com instrumento de parceria entre o GdM e os actores nacionais, incluindo
representantes do sector produtivo, informal e sociedade civil. A justificação para a indiferença e
rejeição desta proposta não deixou margem para dúvidas. Enquanto os doadores têm dinheiro para
negociar com o GdM, o que teria a sociedade para negociar com o GdM, com alguma capacidade e
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poder negocial? Aqui reside um dos legados trágicos do que, mais acima, se chamou ‘toxicodependência’
da ajuda externa. Ou seja, a maioria dos governantes e técnicos que com eles trabalham acreditam que a
produtividade e produção da sociedade moçambicana não têm o valor negocial que o GdM reconhece
na ajuda externa.
Existe um último ponto importante a reter, dos comentários anteriores, com interesse principalmente
ético. A principal consequência das críticas dos defensores de um intervencionismo alternativo (nem
sempre claramente definido e explicitado) às formas de intervencionismo prevalecentes, nos dias de
hoje, é não oferecerem um código de valores morais. A implicação trágica disso é deixarem as pessoas
que lhe prestam atenção e simpatizam com os seus argumentos (as que não acompanham tais debates,
tão mais imunizadas), completamente sem directrizes morais que orientem as acções das pessoas e as
ajudem a determinar o propósito e rumo de suas vidas.
Como se destacou na introdução deste texto, uma análise rigorosa da experiência passada de aplicação
de diversos modelos de intervencionismo público em Moçambique, tanto no passado remoto como mais
recentemente, justifica a maior das precauções e cuidados, incluindo o exame de qualquer novo
intervencionismo, supostamente alternativo e diferente, dos anteriores. Em contrapartida, as
alternativas ao próprio intervencionismo público, seja ele externo ou interno, só marginal e
isoladamente começaram a ser experimentadas em Moçambique. Este facto é, em si, muito animador e
motivo para acreditar que o futuro poderá ser muito melhor do que foi o passado.
7. Pensar o Futuro de Moçambique
A reflexão anterior centrou‐se no passado recente e no presente, mas obviamente deve ajudar‐nos a
pensar sobre o nosso futuro, imediato e de mais longo prazo. Por isso, adiciona‐se esta última secção,
para orientar as lições e implicações do argumento deste trabalho para o futuro de Moçambique.
Sabemos que o passado não pode ser mudado, mas o futuro pode ser inventado e criado. Não é
objectivo desta secção aprofundar este assunto. Apenas se pretende contribuir para um debate mais
aberto e amplo, identificando seis questões relevantes, todas elas orientadas para o futuro, imediato e
de mais longo prazo. Cada uma das questões é acompanhada de uma breve indicação da sua motivação
e algumas sugestões de bibliografia adicional; sugestões indicativas, apenas, escolhidas não tanto
porque o autor deste texto concorde inteiramente com elas, mas por considera‐las relevantes para as
questões apresentadas.
1. Que tipo de crescimento económico para Moçambique? Assumindo, como afirmou recentemente
Luísa Diogo (2012), que Moçambique vai ter um crescimento ‘escandalosamente robusto’, nos
próximos cinco, dez a vinte anos, uma questão se levanta: que tipo de crescimento será? Diogo
adiantou que o grande desafio agora é garantir que o crescimento seja partilhado, mas para não
variar do discurso oficial, ignorou que existem diferentes formas de se partilhar a riqueza. E quando
assim acontece, é porque o tipo de partilha dos frutos do crescimento considerado, está para além
do sector produtivo, ex‐post e meramente assistencialista. Esta é a perspectiva do ‘crescimento
inclusivo’, usado no PARP, nos PRSPs e noutras políticas do GdM e seus parceiros internacionais.
Leitura adicional: (Brito et al. 2011; Ianchovichina & Lundstrom 2009; Kling & Schulz 2011; Sapir
2007).
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2. Seremos capazes de transformar o actual Estado Falido num Estado viável e sustentável? Uma das
mensagens principais deste artigo é que os PARPAs e os PRSPs têm ajudado a salvar Moçambique do
Estado Falhado, mas nada contribuem para libertar os moçambicanos do Estado Falido. Leitura
adicional: (Francisco 2010a; Francisco 2011a; Francisco 2011b; Francisco et al. 2010).
3. Estará a Frelimo à altura da sua iniciativa em rever a Constituição da República? Se está ou não,
falta pouco tempo para confirmar. A este respeito, existe um bom teste. Será que a Frelimo vai
tentar e conseguirá aproveitar a melhor proposta, até ao presente apresentada publicamente, para
uma revisão séria da actual Constituição da República? Uma proposta feita por uma organização da
sociedade civil, o Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento (GDI), em vez dos partidos
com assento parlamentar. Independentemente das reticências suscitadas por certos aspectos da
proposta de Cistac et al. (2011), de momento ela é a única capaz de responder ao tipo de
preocupações de Macamo: necessidade de se “arriscar mais democracia” e evitar o rápido
envelhecimento (político) de um país ainda jovem. Leitura adicional: (Assembleia da República 2004;
Cistac et al. 2011).
4. Que terapêutica para a ‘ajudo‐dependência’? Crescem as expectactivas na elite moçambicana de
que Moçambique está em vias de se tornar, em breve, num país muito rico. O que precisa o Estado
Moçambicano de fazer para que o GdM não se converta de ‘pedinte de ajuda internacional’ num
novo ‘milionário’ convencido que ganhou o ‘euro milhões’? Leitura adicional: (Moyo 2010; Sen
2003).
5. Moçambique é diferente? Desta vez será diferente? Por enquanto, ainda são poucas as evidências
de que a recente crise da dívida soberana internacional, tanto na Zona Euro como nos Estados
Unidos, estejam a inspirar os governantes moçambicanos e seus parceiros a olharem de forma
diferente para a dívida pública em Moçambique. Pelo contrário, a história da crise financeira
internacional, brilhantemente explicada por Reinhart & Rogoff (2009a), no livro This Time is
Different, tem sido mal usada e interpretada, para se passar a ideia que em Moçambique “Desta vez
foi diferente” (Lledó 2010, p.36) e o no futuro próximo, Moçambique também será diferente. Leitura
adicional: (Newitt 1997; Reinhart & Rogoff 2009b; Vletter et al. 2009).
6. Como dar sentido às nossas vidas nas próximas décadas? Esta questão inspira‐se no livro O Medo
da Insignificância: Como dar sentido às nossas vidas no Século XXI (Strenger 2012). É um debate
indispensável, num país como Moçambique, marcado por práticas como: linchamentos, tráficos de
pessoas e de órgão humanos; cinismo e humilhação; extorsão dos direitos individuais; intimidação
de varidos tipos. Enfim, uma ética trágica, porque a opinião pública e demais relações sociais
carecem de um código de valores orientador das acções das pessoas e capaz de apontar propósitos e
rumos nas suas vidas. Leitura adicional: (Brito et al. 2009; Francisco 2010a).
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winning the Grand Slam of Darts with a 16-3 trashing of qualifier Martin
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