Tuesday, 29 November 2011

Quelimane: “segunda Beira”? A propósito das eleições intercalares de 7 de Dezembro 2011


OPINIAO
Por Sérgio Chichava
A realização de eleições autárquicas intercalares a 7 de Dezembro de 2011 suscita um dos debates que mais tem marcado o cenário político moçambicano actualmente. Estas eleições, que terão lugar em três municípios, nomeadamente Quelimane (província da Zambézia), Cuamba (província do Niassa) e Pemba (província de Cabo Delgado), surgem na sequência da renúncia dos respectivos presidentes municipais. Estes edis, — todos eles eleitos através do partido Frelimo —, invocaram razões pessoais para justificar a sua decisão1.
Entretanto, de entre estes três municípios, a renúncia de Pio Matos do cargo de presidente do município de Quelimane e a candidatura do mediático Manuel de Araújo pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) à presidência do mesmo município é o que mais atenção tem chamado, sobretudo nos media2 e blogues3 , não só pelo facto de ser um terreno politicamente difícil para a Frelimo4 , mas também pelo facto de Manuel de Araújo ser encarado, não só nos diferentes fóruns de discussão, mas no seio da própria Frelimo como o mais sério adversário ao partido no poder de entre os três candidatos do MDM aos diferentes municípios. Só para se ter uma ideia da atenção e da importância dada à eleição de Quelimane basta dizer que no decurso do processo de recenseamento eleitoral, membros da Frelimo foram citados a acusar Manuel de Araújo de trazer a Quelimane eleitores de Manica e Sofala com o intuito de se recensear de modo a votar no candidato do MDM nestas eleições5. Por outro lado, o MDM acusava o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) de estar a sabotar o recenseamento eleitoral6. No que diz respeito a Quelimane, pode-se dizer que a campanha eleitoral, começou mesmo antes do anúncio oficial.
Poderá Quelimane ser uma “nova Beira”, ou seja, poderá o MDM conquistar o seu segundo município a seguirà Beira?
Tomando o caso de Quelimane, pretende-se aqui avançar algumas hipóteses dos possíveis cenários das próximas eleições locais intercalares neste município. Isto é feito, num primeiro momento, com base nas eleições locais de 2003 e 20087. Embora nestas duas eleições, (i) o MDM não tenha participado, — obviamente porque ainda não existia8 —; (ii) a Renamo tenha se recusado a participar nestas eleições intercalares e (iii) estarem em concorrência apenas dois partidos (Frelimo e MDM), parte-se da hipótese de que o eleitorado da oposição, em particular o da Renamo, poderá votar no candidato do MDM. Não se deve esquecer também o facto de o MDM ser uma criação de antigos dissidentes da Renamo em 2008 a seguir à expulsão de Daviz Simango, actual líder deste partido9. Isto permitirá ter uma ideia da correlação de forças entre a Frelimo e a oposição neste município.
Num segundo momento, apresentam-se os factores que poderão jogar, quer a favor, quer contra o MDM e seu candidato.
FRELIMO, 2003 E 2008: UMA VITÓRIA MARCADA PELA ABSTENÇÃO1O
Em eleições locais geralmente marcadas por elevados níveis de abstenção11, e nas quais Quelimane com 74.5% e 56.4% de abstenção em 2003 e 2008, nunca foi excepção, a Frelimo e Pio Matos, candidato deste partido desde as eleições de 1998 tem ganho neste município. Concorrendo com mais três candidatos, Venceslau Mathere do Instituto para a Paz e Desenvolvimento (IPADE), Leopoldo Ernesto da Renamo-União Eleitoral (Renamo-UE), Pio Matos ganhou facilmente as eleições de 2003 com 52.6% contra 2.8% do primeiro e 44.7% do segundo. Na corrida à Assembleia Municipal, para além da Frelimo que obteve 50.9%, do IPADE12 com 1.8% e da Renamo-UE13 com 44% havia mais quatro concorrentes nomeadamente Partido Trabalhista (PT), Partido Liberal de Moçambique (PALMO), Partido Independente de Moçambique (PIMO) e União Nacional de Moçambique (UNAMO) que recolheram 0.5%; 1.4%, 0.6% e 0.8% dos votos, respectivamente. À excepção da Renamo-UE, os votos dos concorrentes da Frelimo perfaziam o total de 5%, o que mostra que mesmo se tivesse havido uma aliança destes com o partido de Afonso Dhlakama, a oposição não teria ganho.
O mesmo cenário voltaria a repetir-se em 2008. Concorrendo uma vez mais com dois outros candidatos, Latifo Xarifo, da Renamo, e Ana Baptista do Partido para a Democracia e Desenvolvimento (PDD); Pio Matos voltaria a ganhar com 54.2%, tendo os outros dois candidatos recolhido 44.3% e 1.5%, respectivamente. Em relação à Assembleia Municipal, para além da Frelimo com 55.2%, Renamo com 43.2% e o PDD, 1.3%, dos restantes partidos da oposição, apenas o PIMO concorreu tendo obtido 0.3%.
Entretanto, se a Frelimo sempre ganhou nas eleições autárquicas em Quelimane e em outras autarquias zambezianas (Mocuba e Milange), não se pode perder de vista que em eleições gerais os resultados têm sido bastante desfavoráveis para este partido14. Com efeito, em 1994, a Renamo obteve no distrito de Quelimane 51,09 % de votos, contra 41,11 % para a Frelimo. Nas presidenciais, Afonso Dhlakama obteve 50,47 %, contra 38,51 % de Joaquim Chissano, candidato da Frelimo; Em 1999, — o ano mais profícuo da Renamo, quer à escala local, quer nacional —, o partido de Afonso Dhlakama obteve 52,42 % nas legislativas, contra 40,62 % para a Frelimo. Por seu turno, Dhlakama foi creditado em 57,04 %, contra 42,96 % da Frelimo. Em 2004, com a Renamo a entrar em queda vertiginosa, da qual ainda não conseguiu recuperar, este partido obteve no círculo eleitoral de
Quelimane, 49% dos votos e seu candidato Dhlakama, 48% contra 45% e 43% da Frelimo e seu candidato,
Armando Guebuza. A nível provincial, a Renamo e seu candidato obtiveram 53% e 57% contra 36% e 37% da Frelimo e seu candidato.
Como explicar a vitória da Frelimo e do seu candidato num terreno particularmente hostil como Quelimane?
Ciente de estar num terreno politicamente pouco favorável, a Frelimo havia desde as primeiras eleições autárquicas em 1998 tido a inteligência de escolher Pio Matos, um prestigiado “filho de terra”, considerado como “legítimo” pelos quelimanenses, e na altura, o mais indicado para desafiar a Renamo (Chichava, 2008; 2007, Cahen, 2009). É preciso salientar que no meio social zambeziano, sobretudo quelimanense, — extremamente influenciado cultural e sociologicamente pelo sistema de prazos15 e pela economia de plantações —, ser de uma “boa família”, de uma família com nome, respeitada e admirada é extremamente importante para qualquer um que queira vincar naquela sociedade. Isto foi decisivo para a vitória deste partido, pois os quelimanenses votaram mais pelo candidato do que pelo próprio partido, como explica esta testemunha:
Pio Matos é um “filho da terra”. Votamos pelo Pio Matos porque vem de uma família muito reconhecida aqui, de uma família muito respeitada. Não votamos pela Frelimo. Se a Frelimo tivesse apresentado um outro candidato e não Pio Matos, teria perdido as eleições.” (Entrevista, C. Dalma, Quelimane, 25 de Novembro de 2005).
Portanto, mais do que uma identificação política com a Renamo, a Zambézia usa este partido apenas para se vingar da Frelimo a quem sempre acusou ter hostilizado esta província16.
MANUEL DE ARAÚJO OU LOURENÇO ABUBACAR. QUEM GANHA?
Para as eleições intercalares, num processo sinuoso e demorado (o MDM foi o primeiro partido a anunciar seu candidato para Quelimane, inédito para um partido da oposição em Moçambique), lembrando a prudência que a Frelimo deve ter ao escolher seus candidatos nesta região, o partido de Armando Guebuza decidiu escolher o misto e empresário muçulmano Lourenço Abubacar Bico, uma das figuras mais influentes do partido nesta região.
Recordar que em 2007, em eleições internas da Frelimo para a designação do seu candidato a Quelimane, Lourenço Abubacar concorrera e perdera a favor de Pio Matos. Será Lourenço Abubacar, um “legítimo filho da terra” quelimanense? Estarão os quelimanenses preparados a eleger um não Chuabo17?
Por seu turno e como já foi avançado, o MDM escolheu Manuel de Araújo, antigo membro da Renamo.
Originário de uma família modesta (os avôs eram simples camponeses e empregados nas plantações, a mãe professora primária e o pai, serralheiro e motorista), conseguirá Manuel de Araújo vencer Lourenço Abubucar?
Isso dependerá de alguns factores nomeadamente:
1. O efeito “Daviz Simango” na Beira. O facto de a ascensão do jovem e dinâmico Daviz Simango, ao município da Beira em 2003 (e de novo em 2008, já como independente) ter trazido uma nova dinâmica a esta cidade, depois de longos anos de estagnação sob a liderança da Frelimo. O eleitorado quelimanense pode pensar que a única maneira de tirar Quelimane do marasmo é entregá-la a um “filho da terra” jovem, dinâmico e da oposição. É preciso salientar que Beira e Quelimane apresentam algumas semelhanças no seu relacionamento com a Frelimo, onde este partido é visto como não simpatizando muito com as populações locais, factor usado localmente para justificar o estado de abandono a que as duas cidades (e províncias) estiveram (estão) sob o governo da Frelimo. Aliás e de forma perspicaz, Manuel de Araújo já começou a usar este argumento18.
2. O facto de Manuel de Araújo ser visto como um “filho da terra” interessado no progresso da Zambézia, em particular, em Quelimane. Com efeito, embora Manuel de Araújo passe a maior parte do seu tempo fora da
sua terra, os quelimanenses vêm-no como alguém que sempre esteve ligado à sua terra, mantendo aqui certa influência e admiração. Os seus recentes investimentos na área turística (avaliados em cerca de $3 milhões, um dos maiores na Zambézia, no Moçambique independente) são usados como exemplos inequívocos do amor de Manuel de Araújo à sua terra. Para além destes investimentos, salientar que Manuel de Araújo esteve à frente da criação do “Diário da Zambézia”, o primeiro jornal independente desta província desde a independência de Moçambique.
3. O facto de Manuel de Araújo ser visto como um dos poucos vistosos e activos intelectuais zambezianos.
Para além de possuir um diploma superior, Manuel de Araújo é presidente do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO)19, uma instituição de pesquisa e debate sobre questões políticas económicas e sociais nacionais e internacionais com sede em Maputo. Isto faz de Araújo um indivíduo respeitado e admirado, uma espécie de “modelo”, sobretudo nas camadas quelimanensas mais jovens e escolarizadas.
Entretanto, a experiência e a capacidade financeira organizativa da Frelimo serão um dos obstáculos a ultrapassar. Com efeito, para além de possuir uma capacidade financeira invejável, graças à sua longa permanência no poder, a Frelimo dispõe de uma vasta e eficiente rede de mobilização muito forte, simbolizada sobretudo pela Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e em menor grau pela Organização da Juventude Moçambicana (OJM).
Para além destes aspectos, é preciso não esquecer a já referenciada especificidade quelimanense, resultante dos prazos e das grandes companhias coloniais, que parece ter dividido esta sociedade numa espécie de “castas”. Como dizia Samora Machel (1983) em reacção ao que ele considerava “elitismo” zambeziano, a sociedade quelimanense encontrava-se bastante estratificada, os Chuabos se discriminando entre si: havia Chuabo20 de 1ª, de 2ª e de 3ª categoria. Bonifácio Gruveta, — primeiro governador da Zambézia do Moçambique independente —, apesar de ser Chuabo teve muitas dificuldades para se impor no seio da velha e mestiça elite zambeziana, descendente de prazeiros e, mais tarde, assimilados. Com efeito, Gruveta era visto como um antigo “indígena”21, um antigo “moleque”, sem formação nem prestígio social suficiente para dirigir esta elite (Chichava, 2007).
De que categoria social será Manuel de Araújo? Se for Chuabo de 2ª ou 3ª categoria, o facto de ser empresário, de possuir um diploma superior e de ser um “chigondo”22 que venceu na terra dos Machanganes23 jogará a seu favor? Aqui, a sorte de Manuel de Araújo pode depender também das origens sociais do candidato da Frelimo, Lourenço Abubacar.
Entretanto, é preciso salientar, igualmente, em jeito de hipótese, que hoje há uma geração de eleitores formada por jovens formados, preocupada com os seus problemas quotidianos e que não mais se identifica com esta forma de ser e de estar zambeziana, que pode votar a favor de um ou outro candidato, independentemente das suas origens sociais, mas olhando simplesmente para aquilo que cada um pode trazer à cidade de Quelimane.
Mas isto por si só não basta. Manuel de Araújo e o MDM só poderão ganhar só e só se conseguirem mobilizar a seu favor não só o eleitorado renamista e o eleitorado abstencionista, mas também, os eleitores frelimistas desiludidos com a governação deste partido neste município. Isto exige não só discursos de lamentação, como tem sido o caso até agora, mas propostas políticas concretas para tirar Quelimane do marasmo, e capazes de distinguir claramente o MDM e Manuel de Araújo de Lourenço Abubacar e da Frelimo, mas também de serem transversais a todos.
Referências:
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ambula.html (consultado a 10 de Novembro de 2011).
Brito, L. 2008. “Uma Nota Sobre Voto, Abstenção e Fraude em Moçambique”, Discussion Paper nº 04/2008, Maputo, IESE.
Cahen, Michel, “Resistência Nacional Moçambicana, de la victoire à la déroute”, Politique Africaine, 117, Paris, Karthala, pp.23-43.,
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Zambeze. 2011. “Troca de acusações na Zambézia. Executivo de Itai Meque acusa Manuel de Araújo de mentiroso”, 29 de Setembro.
1 Alguma imprensa afirma que estes edis eram acusados de má gestão e de não respeitarem as ordens do partido.
Ver por exemplo, O País, (2011)
2 Valoi (2011); Veloso (2011); Zambeze (2011); Marcos (2011a, 2011b, 2011c); Álvaro (2011a).
3 Ver por exemplo, “ContraPeso 3.0”, blogue animado por Egídio Vaz
(http://ideiasdemocambique.blogspot.com/2011/09/manuel-de-araujo-o-novo-penteado-na.html; “Observatório”, blogue animado por Leovigildo Juliasse (http://leoiuris.blogspot.com/2011/09/manuel-de-araujo-candidato-presidencia.html);
“Meu Mundo” (My World), blogue de Nelson Livigston ( http://meumundonelsonleve.blogspot.com/ 2011/09/as-lagrimasde-crocodilo-de-manuel-de.html).
4Por diversas razões, a Frelimo nunca conseguiu se impor politicamente na Zambézia, quer durante a luta anticolonial, quer no período pós-colonial. Ver Chichava (2008). Cahen (2009).
5Marcos (2011c).
6Álvaro (2011b).
7As de 1998 não serão analisadas em virtude de a oposição as ter boicotado.
8O MDM foi criado em Março de 2008 na cidade da Beira por alguns dissidentes da Renamo liderados por Daviz Simango, a seguir à expulsão deste daquele partido.
9Ver Chichava (2010)
10Os dados eleitorais foram consultados em Conselho Constitucional (2004), STAE (2004) e Hanlon (2008, 2009).
11Em 2003, embora a taxa média de participação média tenha sido de 24% no conjunto das 33 autarquias, alguns municípios como Moatize e Mocímboa da Praia com 39% e 44% tiveram participações acima da média, respectivamente. Nampula e Cuamba com 14% e 15% foram os municípios que registaram menor participação, (Brito 2008). Globalmente com elevada participação em relação a 2003, a taxa média de participação nas 33 autarquias em 2008 foi de 46%, com alguns municípios a baterem altos níveis recordes de abstenção nomeadamente Mocuba com 69%, Cuamba com 67% respectivamente.
12 O IPADE tinha sido criado por Raul Domingos, outrora figura importante da Renamo, a seguir à sua expulsão deste partido em 2000. Em 2004, Domingos criou o Partido para a Democracia e Desenvolvimento (PDD).
13Na altura, a Renamo concorria coligada com mais outros dez partidos.
14Excepto nas eleições de 2009, cuja taxa de participação de 44% foi das mais fracas de sempre. Entretanto, é preciso sublinhar que a Zambézia com apenas 34% de participação foi a província que maior taxa de abstenção a nível nacional.
15Concessão de terras da Coroa portuguesa aos Portugueses no Vale do Zambeze, por três gerações, com a obrigação de herança pela linha feminina. Este sistema vigorou entre o século XVIII e finais do século XIX, quando os prazos foram substituídos pelo capitalismo das companhias. Em consequência do contacto entre povos africanos, europeus e da Índia Portuguesa, o sistema de prazos na Zambézia produziu uma sociedade profundamente mestiça e única em Moçambique. Sobre os prazos na Zambézia, ver, por exemplo, Capela (1995), Papagno (1980); Vail & White (1980).
16Sobre o assunto ver Chichava (2008). Sobre a influência da família de Pio Matos ver Cahen (2009).
17Lourenço Abubacar é natural de Pebane, terra dos Macua-Lomué. Aquando do processo da escolha do candidato da Frelimo a estas eleições, rumores circulavam dizendo que alguns membros deste partido em Quelimane preferiam um Chuabo em detrimento de Lourenço Abubacar, no caso, José Carlos da Cunha. Ver A verdade (2001).
18Ver Marcos (2011a); Araújo (2011).
19Cargo do qual acabou de renunciar com vista a participar destas eleições.
20Principal grupo étnico de Quelimane.
21Indivíduo que ainda não tinha
22Designação populações do Norte do Save pela dos Sul.
23Todos os naturais do sul do Save são assim designados pelos do norte do mesmo rio. Os Machanganes seriam os que mais privilégios têm tido por parte da Frelimo.
SAVANA – 25.11.2011

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