O ACIDENTE DE MBUZINI (A morte de Samora Machel)
por Luís Brito Dias *1
*2 Sérgio Vieira Ordenou aos Pilotos da LAM que se "Mantivessem Calados"
Li com muita atenção as declarações
do Sr. Sérgio Vieira a respeito do desastre de Mbuzini (jornal O País,
15 de Agosto de 2008), assunto que me interessa sobremaneira, pois
trabalhei em Moçambique como piloto da DETA /LAM durante 17 anos.
Presentemente trabalho no Extremo Oriente como comandante de uma
transportadora aérea, pilotando aviões do tipo Boeing 747-400. É
evidente que o Sr. Sérgio Vieira mente descaradamente pois ele era na
altura do acidente o Ministro da Segurança, portanto com
responsabilidade no que veio a acontecer. Samora teve uma morte inglória
e claro que ele também foi o responsável pelo que aconteceu pois
entregou a sua própria vida nas mãos de pilotos que revelaram desleixo,
negligência e incúria. Todos os pilotos que voavam na LAM na altura
sabem perfeitamente que o acidente de Mbuzini deveu-se a negligência e
incúria por parte da tripulação técnica. Aliás, após o acidente, o Sr.
Sérgio Vieira fez chegar aos pilotos da LAM a mensagem, tipo ameaça bem
clara, para se manterem calados e não abrirem a boca. Foi por essa razão
que nenhum Comandante foi nomeado para fazer parte da comissão de
inquérito. O único que foi nomeado foi um co-piloto da LAM, que tinha
sido da Força Aérea e era membro do Partido Frelimo, e por isso
facilmente controlável. Este co-piloto começou a ver a nojeira que era a
Comissão de Inquérito e arranjou maneira de se baldar rapidamente pois
em consciência não podia participar na deturpação da verdade. Os pilotos
soviéticos além de terem pouca experiência, voavam muito pouco e as
licenças de voo que foram apresentadas no inquérito são falsas. Foram
emitidas posteriormente.
Na altura eu era co-piloto do DC-10
da LAM, e num voo de Lisboa para Maputo, juntamente com o Comandante,
demonstrámos a Mariano Matsinhe e a outro ministro da Frelimo que
seguiam a bordo, o que realmente tinha acontecido. Eles foram nossos
convidados no cockpit. Até fizemos a viragem ou mudança de rumo inicial,
bem como a manipulação errada dos selectores de instrumentos de
navegação para lhes mostrar o que se passara na noite no desastre de
Mbuzini. Para além de não trazerem combustível de reserva o que
aconteceu foi que dos 5 tripulantes no cockpit, 3 estavam entretidos a
dividir e a tomar os restos das bebidas alcoólicas que iriam sobejar até
6 minutos antes do impacto final. Só o co-piloto e o navegador é que
estavam a tomar "conta" do voo. Tudo isto está registado na transcrição
do CVR (Cockpit Voice Recorder).
O Comandante só se apercebeu que
estavam perdidos 3 minutos antes do impacto final. A desorientação era
tal que nem ligaram nenhuma ao aviso sonoro (GPWS) que o avião ia bater
no chão sem estar na configuração de aterragem. Quebraram muitas regras
básicas de "ouro" da aviação, mas a mais importante foi terem chegado à
"Altitude de Segurança", publicada para Maputo, que é de 3 000 pés, e
continuarem a descer sem terem contacto visual com o solo ou, em
alternativa, indicação electrónica correcta dos equipamentos de
navegação de Maputo. Neste caso, o ILS ou o VOR de Maputo.
Tupolev 134 - o avião presidencial destruído no acidente
O que sucedeu foi que eles em vez de
seleccionarem o ILS de Maputo (110.3) enganaram-se e seleccionaram o VOR
de Matsapa (112.3) e desviaram-se de rota para a Radial 045 de Matsapa
em vez de estarem na Radial 045 do VOR de Maputo. O navegador do Tupolev
enganou-se, pois no sistema russo quem selecciona as rádio-ajudas são
os navegadores e não os pilotos. Ele já vinha com o VOR de Maputo
seleccionado (112.7), mas ao mudar de frequência para o ILS de Maputo
(110.3) que é uma rádio-ajuda de aproximação à pista e não de navegação
em rota, cometeu o erro fatal. Os selectores dos dígitos decimais são
independentes dos dígitos das centenas. Ou seja, primeiro teria que
mudar de 112 para 110 e depois de 0.7 para 0.3 com um selector
independente. O que aconteceu foi que ele deixou ficar o 112 e só
alterou de 0.7 para 0.3 o que veio a coincidir com a frequência do VOR
de Matsapa. Foi esta manipulação errada de sistemas que levou a
tripulação a fazer uma viragem de rota. Como estavam "distraídos" no
cockpit não houve ninguém que verificasse as manipulações dos selectores
de frequência. Uma das regras básicas é que sempre que se muda qualquer
coisa no cockpit essa acção tem que ser verificada e aceite pelo outro
piloto.
Nada disso foi feito. Estas foram as
causas imediatas do acidente, mas houve outros factores que também
contribuíram, tais como a fadiga da tripulação, a falta de combustível, a
inactividade prolongada da tripulação, a falta de verificações de
simulador de voo, etc. Um acidente de aviação nunca acontece por si só. É
sempre um acumular de eventos que vão culminar num fim trágico. Não
querendo ser arrogante, mas a minha experiência de 31 anos de aviação
bem como a participação em inquéritos de acidentes aeronáuticos
deixam-me perfeitamente à vontade para falar destas situações.
Depois de tantos anos de poder do ANC
na África do Sul, e apesar de muita investigação por parte das novas
autoridades sul-africanas, quer a nível da Comissão da Verdade e da
Reconciliação, quer a nível da polícia mandatada pelo Presidente Thabo
Mbeki há mais de dois anos, não foi encontrado qualquer vestígio de
tentativa de interferência no voo por parte das autoridades
sul-africanas do anterior regime. As teorias conspiracionistas
voltaram-se então para supostos mentores internos, o que é muito
duvidoso e sem cabimento. Os factos falam por si...
Notícia original em: ZAMBEZE - Maputo, 28 de AGOSTO de 2008 pág. 2
Em declarações posteriores à
publicação do seu artigo, o Comandante Luís Brito Dias referiu que "a
primeira indicação para nos mantermos calados foi dada verbalmente pelo
então director das LAM, que nos avisou claramente de onde vinham as
instruções." Luís Dias acrescenta que "a outra vez foi numa discussão
privada com uma pessoa muito chegada a Sérgio Vieira que até nos disse,
num tom ainda mais ameaçador, que se nós (pilotos da LAM )
continuássemos a falar, acabaríamos presos." O Comandante Dias refere
que "nessa conversa até estavam presentes outros dois pilotos da LAM que
ficaram estupefactos com o tom da ameaça."
Houve ainda uma outra ameaça nesse sentido, vinda de um dos membros da Comissão de Inquérito moçambicana", acrescentou a fonte.
Avisos idênticos foram transmitidos a
todo o pessoal do Aeroporto de Maputo e da Aeronáutica Civil. Os
primeiros indícios da mão pesada da segurança moçambicana, após o
acidente de Mbuzini, reflectiram-se na Torre de Controlo do Aeroporto,
em que o controlador de tráfego aéreo de serviço na noite do acidente
viria a ser detido. Igualmente presos pelo Snasp foram funcionários
ligados à área da meteorologia por terem contactado o Aeroporto
Internacional de Joanesburgo para uma actualização do estado do tempo. O
pedido a Joanesburgo foi feito depois do Comandante Sá Marques, do voo
TM103 da LAM, vindo da Beira, ter informado a Torre de Controlo de
Maputo de que não poderia continuar por mais tempo em espera e que uma
alternativa seria desviar o seu voo para a capita sul-africana uma vez
que não era possível aterrar em Maputo. O voo TM103 acabou por ser
desviado para a Beira no meio de grande pandemónio no interior da Torre
de Controlo do Aeroporto de Maputo em que agentes do Ministério da
Segurança ficaram alarmados por se ter dado a conhecer à África do Sul
que algo de anormal se estava a passar.
*1 Luís Brito Dias é ex-piloto da
DETA/LAM. Presentemente é comandante de aeronaves B-747 400 ao serviço
duma transportadora do Extremo Oriente
*2 Sérgio Vieira é irmão do conhecido José Luis Castelo Branco
Local de nascimento -Tete (centro de Moçambique)
Estado civil - casado Filhos - quatro
Formação académica - licenciado em
Ciências Políticas na Universidade de Argel (Argélia), em 1967; estudou
Direito na Faculdade de Direito de Lisboa entre 1959 e 61; estudou
Direito na Universidade de Paris entre 1961 e 63; fez estudos políticos
no Colege d'Europe (Bélgica) em 1962.
Actividades políticas e profissionais
- antigo combatente na luta de libertação de Moçambique; director do
gabinete do Presidente Samora Machel (1975/77); governador do Banco de
Moçambique (1978/81); ministro da Agricultura (1982/83); governador do
Niassa (1983/84); vice-ministro da Defesa (1983/84); ministro da
Segurança (1984/87); professor na Universidade Eduardo Mondlane (desde
1987); director do Gabinete de Estudos Africanos (1987/92); escritor;
consultor em Ciências Sociais; investigador científico do Centro de
Estudos Africanos da UEM; membro da Organização Nacional de
Professores; Organização da Juventude Moçambicana; Associação de
Escritores Moçambicanos; director do Projecto do Vale de Zambeze (desde
2001); membro do Comité Central da Frelimo; deputado nas legislaturas
94/99 pelo círculo eleitoral do Tete pela bancada da Frelimo; deputado;
membro da comissão permanente da Assembleia da República; coronel na
reserva.
1 comment:
Hi
Interesting - Is there any evidence of these notices still in existence?
" Identical notices were sent to all staff of the Maputo Airport and Civil Aviation"
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