Tuesday 18 October 2011

Mia Couto: 'É preciso sair à rua, é preciso revoltarmo-nos'

O escritor moçambicano Mia Couto, homenageado hoje na quarta edição do Escritaria, em Penafiel, acha que perante a situação actual «é preciso sair à rua, é preciso revoltarmo-nos, é precisa esta insubordinação».

Interrogado pela agência Lusa sobre o movimento dos «indignados», que hoje desfilou um pouco por todo mundo, Mia Couto admitiu que preferia a ingenuidade combativa dos manifestantes «à resignação, que acaba por ser uma aceitação antecipada de um veredicto que é o da marginalização e o da redução ao nada». Ele, que foi um militante empenhado da luta pela independência moçambicana, acha «que só há que saudar gente que faça coisas e não cruze os braços, mesmo que não ainda compreenda exactamente qual é a saída». «Pelo menos vem dizer que não aceita o que está a acontecer, e isso é importantíssimo», concluiu.

Para o escritor, «há uma espécie de imposição de lógicas, que têm de ser interrogadas». «Dizem-nos que o mundo está mal e que o mundo precisa do nosso sacrifício, de que entendamos a situação, mas acho que uma vez mais estão a pedir sacrifícios a quem sempre foi pedida a mesma coisa», afirmou. Reportando-se à situação moçambicana, lembrou que quando se juntou à revolução, o lema era que o militante da Frelimo era o primeiro no sacrifício e o último no benefício. «Acho que isso morreu para a Frelimo, morreu no mundo hoje».





Sobre a inversão do fluxo de emigração, a que a crise tem obrigado muitos portugueses, Mia Couto diz esperar «que este novo movimento, que já não é só de sul para norte, mas também de norte para sul, de este para oeste, nos coloque numa situação de maior partilha, numa condição mais igualitária do que no passado». E esclareceu: «Não que eu fique contente com a crise que está acontecer neste centro que é a Europa, mas o que se passa é a emergência de outro centro. O Brasil é esse centro, e por isso joga um papel decisivo dentro desta família de língua portuguesa».

Não deixa no entanto de reconhecer que Portugal continua a desempenhar o papel de «porta-giratória» da Lusofonia, no que à cultura diz respeito. «Para que eu conheça o que está a ser publicado em Angola, em Cabo-Verde, em São Tomé eu tenho de vir a Portugal. Nós não temos contactos directos. A nível de África são muito escassos e o Brasil, embora menos, também depende do que se passa em Portugal», afirmou.

O escritor referiu que teve de «brigar» consigo próprio «para poder conviver» com a ideia de, durante este fim de semana, ver a sua cara reproduzida por uma série de dispositivos gráficos espalhados por Penafiel e as suas palavras repetidas por cartazes e colocadas nas montras das lojas. «Eu tenho aquela coisa um pouco mistificada de que a escrita é uma coisa mais recatada». Mas acabou rendido à ideia «de trazer as palavras para a rua, que se expõem como se fizessem parte da vida pública».

Não encontra pontos de contacto com os anteriores homenageados -

Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago e Agustina Bessa-Luís – porque «são estilos, são tempos, são universos, completamente diferentes».

Mas acha que isso é que é feliz no Escritaria, «essa capacidade de homenagear escritores de diferentes quadrantes».

No programa inicial do Escritaria chegou a estar previsto a apresentação do seu último romance, mas Mia Couto admite que não estava pronto, que se calhar vai ter de o «refazer profundamente».

«Entreguei ao editor já sabendo que não estava pronto, mas vou ter que retrabalhar, isso significa que não se trata apenas de fazer pequenas emendas de superfície mas vou ter de reestruturar a história», afirmou.

O Escritaria continua amanhã com a exibição de arte pública sobre o escritor, actuação de um grupo de teatro, uma mostra de gastronomia e artesanato africano e uma conferência sobre Mia Couto.

Lusa/SOL – 15.10.2011

1 comment:

Anonymous said...

Parabéns , a luta continua