Monday 25 April 2011

Um mundo improvisório?



O que pode parecer verdade, no calor das grandes proclamações, não é sentido como autêntico para grande parte dos destinatários dessas tão eloquentes mensagens. O mundo está feito para ser improvisório. Mas não está feito para ser tratado com a arrogância e a falsidade

Os meus amigos dão-me palavras. E é a melhor prenda que me podem dar. Eles sabem da paixão que tenho, não exactamente pelas palavras em si mesmas, mas pela possibilidade de as reinventar ao gosto de cada um. Um dos modos mais simples de sermos felizes é termos essa relação criativa com a língua, que nos disseram ser apenas gramática e ferramenta utilitária.

Algures em Maputo, amigos meus perguntaram onde podiam encontrar um quarto de banho. Um homem, solícito, mostrou-lhe uma dependência que, visivelmente, tinha sido adaptada para fins que, eufemisticamente, podemos chamar de “sanitários”. O anfitrião, simpático, julgou ter que dar uma explicação: - Desculpem, mas este é um quarto improvisório.

A palavra é um achado. Sobretudo, porque é uma invenção anónima.

Mais ainda porque a palavra traduz a condição de quase tudo no nosso universo quotidiano: improvisado e provisório.

Talvez o mundo inteiro necessite de palavras que o nomeiem na sua condição transitória e indefinida. Porque o mundo não é um livro. Não está escrito.

Está sendo feito, desfeito e refeito em cada momento. Não se constrói por linhas, uma por uma. Faz-se de movimentos, de imprevistos tais que necessitaríamos de imprevisionários para prever o futuro.

Há quem insista que aprendeu a ler o mundo na Universidade ou na carreira dessa nova espécie que dá pelo nome de “analista político”.

E daí resultam previsões, prognósticos de absoluta certeza. Essas antecipações sucederam, por exemplo, aquando das manifestações populares do mundo árabe. Todos os que não tinham sido capazes de prever o sucedido se apressavam, agora, a praticar o mais arrojado futurismo.

Algumas dessas adivinhações sustentavam cenários prováveis para todo o continente africano. E é aqui que eu quero chegar: essa África dos discursos e das percepções é a mesma em toda a África?

Os mercenários que ajudaram a proteger Kadafi criaram uma situação difícil para os africanos negros que trabalhavam na Líbia. Nas agitadas ruas eles eram perseguidos e espancados, confundidos com os tais mercenários a soldo do regime. Os populares líbios chamam estes imigrantes de “africanos”. O que significa que os líbios, de modo geral, não se consideram africanos.

O que é curioso suceder exactamente na pátria daquele que reclama poder falar em nome dos “africanos”.

A África do Norte, essa que uns chamam de África Branca, vê-se a si mesma como africana? Não faço nenhum juízo de valor. Talvez para milhões de pessoas do Norte do nosso continente a sua condição identitária seja outra: eles vêem-se como árabes. Essa é a sua pátria, esse é o seu universo de identificação simbólica. O que não invalida a construção de outras identidades que nos aproximem de um ideal mais continental. O que não invalida, sobretudo, a aceitação de uma África com identidade múltipla. Mas os discursos “africanistas” necessitam, sim, de se interrogarem a si mesmos e de evitaram recursos simplistas. O que pode parecer verdade, no calor das grandes proclamações, não é sentido como autêntico para grande parte dos destinatários dessas tão eloquentes mensagens.

O mundo está feito para ser improvisório. Mas não está feito para ser tratado com a arrogância e a falsidade.
Um mundo improvisório?
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O que pode parecer verdade, no calor das grandes proclamações, não é sentido como autêntico para grande parte dos destinatários dessas tão eloquentes mensagens. O mundo está feito para ser improvisório. Mas não está feito para ser tratado com a arrogância e a falsidade

Os meus amigos dão-me palavras. E é a melhor prenda que me podem dar. Eles sabem da paixão que tenho, não exactamente pelas palavras em si mesmas, mas pela possibilidade de as reinventar ao gosto de cada um. Um dos modos mais simples de sermos felizes é termos essa relação criativa com a língua, que nos disseram ser apenas gramática e ferramenta utilitária.

Algures em Maputo, amigos meus perguntaram onde podiam encontrar um quarto de banho. Um homem, solícito, mostrou-lhe uma dependência que, visivelmente, tinha sido adaptada para fins que, eufemisticamente, podemos chamar de “sanitários”. O anfitrião, simpático, julgou ter que dar uma explicação: - Desculpem, mas este é um quarto improvisório.

A palavra é um achado. Sobretudo, porque é uma invenção anónima.

Mais ainda porque a palavra traduz a condição de quase tudo no nosso universo quotidiano: improvisado e provisório.

Talvez o mundo inteiro necessite de palavras que o nomeiem na sua condição transitória e indefinida. Porque o mundo não é um livro. Não está escrito.

Está sendo feito, desfeito e refeito em cada momento. Não se constrói por linhas, uma por uma. Faz-se de movimentos, de imprevistos tais que necessitaríamos de imprevisionários para prever o futuro.

Há quem insista que aprendeu a ler o mundo na Universidade ou na carreira dessa nova espécie que dá pelo nome de “analista político”.

E daí resultam previsões, prognósticos de absoluta certeza. Essas antecipações sucederam, por exemplo, aquando das manifestações populares do mundo árabe. Todos os que não tinham sido capazes de prever o sucedido se apressavam, agora, a praticar o mais arrojado futurismo.

Algumas dessas adivinhações sustentavam cenários prováveis para todo o continente africano. E é aqui que eu quero chegar: essa África dos discursos e das percepções é a mesma em toda a África?

Os mercenários que ajudaram a proteger Kadafi criaram uma situação difícil para os africanos negros que trabalhavam na Líbia. Nas agitadas ruas eles eram perseguidos e espancados, confundidos com os tais mercenários a soldo do regime. Os populares líbios chamam estes imigrantes de “africanos”. O que significa que os líbios, de modo geral, não se consideram africanos.

O que é curioso suceder exactamente na pátria daquele que reclama poder falar em nome dos “africanos”.

A África do Norte, essa que uns chamam de África Branca, vê-se a si mesma como africana? Não faço nenhum juízo de valor. Talvez para milhões de pessoas do Norte do nosso continente a sua condição identitária seja outra: eles vêem-se como árabes. Essa é a sua pátria, esse é o seu universo de identificação simbólica. O que não invalida a construção de outras identidades que nos aproximem de um ideal mais continental. O que não invalida, sobretudo, a aceitação de uma África com identidade múltipla. Mas os discursos “africanistas” necessitam, sim, de se interrogarem a si mesmos e de evitaram recursos simplistas. O que pode parecer verdade, no calor das grandes proclamações, não é sentido como autêntico para grande parte dos destinatários dessas tão eloquentes mensagens.

O mundo está feito para ser improvisório. Mas não está feito para ser tratado com a arrogância e a falsidade.

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