Sábado, 23 Abril 2011
Causou estranheza que um ministro que é economista, que é professor universitário, que ensina aos seus estudantes que todos os planos devem ser quantificados para se avaliar a sua viabilidade, tenha ido apresentar ao parlamento um pacote de medidas sem um único número a sustentá-las.
Alguns dirão que é obsessiva a minha crítica às novas medidas do Governo para atenuar a crise. Mas as medidas estão a mudar a uma velocidade tal, a cada semana, que custa ficar calado! Da semana antepassada à passada, passaram de trabalhadores com rendimentos até dois mil meticais a trabalhadores com rendimentos até dois mil quinhentos meticais. Do meu último artigo, na semana passada, a este, passaram de apenas trabalhadores formais para também os trabalhadores do sector informal, incluindo empregados domésticos. É muita coisa em tão pouco tempo.
A velocidade com que se transfiguram estas medidas parece confirmar os meus receios iniciais de que, de facto, não foram motivo de debate profundo dentro do próprio Governo, antes de serem lançadas a público. Mas escandalizou-me mais ainda que tivessem passado debaixo de aplausos na Assembleia da República, sem que os deputados tivessem colocado questões pertinentes que urgem para esclarecer muitos pontos nebulosos. Não se trata de pertencer a esta ou àquela bancada, como infelizmente se pintam as opiniões neste país (definitivamente, eu sou da bancada dos que fazem a análise crítica antes de aplaudir ou vaiar uma medida!). Trata-se de levantar questões que se impõem para ajudar o próprio Governo a atingir os objectivos que pretende com as medidas.
No lugar disso, no entanto, vimos pouco questionamento, de facto, e um coro de aplausos e elogios, de um lado, e vaias, do outro, a um plano que levanta mais dúvidas que certezas. Definitivamente, o fervor, a paixão e o fanatismo do desporto não se compadecem com a governação. Não está em jogo apenas um resultado positivo, como num jogo, mas vidas, bem-estar de pessoas.
Primeiro, gostaria de ter ouvido os deputados perguntarem e o ministro da Indústria e Comércio responder qual é, agora, o universo de pessoas que o Governo tem expectativa de atingir com as medidas, assim que foram incluídos trabalhadores informais. O universo de um milhão e oitocentas mil pessoas era válido apenas com os trabalhadores formais.
Em segundo lugar, gostaria de saber como pensa o Governo recensear os trabalhadores-alvo da cesta básica, especialmente os do sector informar – se colocará recenseadores a andarem pelos principais “dumba-nengues” das 11 capitais provinciais, à procura de vendedores informais que tenham rendimentos até dois mil e quinhentos meticais (como irá determinar a renda de vendedores informais sem, necessariamente, formalizar a sua actividade?). E no caso das empregadas domésticas, uma actividade precária no nosso país, como será feita a identificação dos trabalhadores? Os recenseadores andarão de casa em casa a identificá-los ou terão que ser os patrões a irem inscrevê-los, comprovando que são seus empregados?
De acordo com os dados do Censo Populacional de 2007, do Instituto Nacional de Estatística, residem nas 11 capitais provinciais 3 690 123 (três milhões, seiscentos e noventa mil e cento e vinte e três) habitantes. Por isso, e agora em terceiro lugar, gostaria de ter ouvido o ministro da Indústria e Comércio explicar que máquina colocará no terreno para recensear todas estas pessoas, de modo a saber os seus rendimentos.
Mas mais importante ainda, e entramos para o quarto ponto, causou estranheza que um ministro que é economista, que é professor universitário, que ensina aos seus estudantes que todos os planos devem ser quantificados para se avaliar a sua viabilidade, tenha ido apresentar ao parlamento um pacote de medidas sem um único número a sustentá-las e sem mencionar de onde virá o dinheiro que as custeará, numa altura em que o Orçamento do Estado está há muito aprovado. Por isso, gostaria muito de ter ouvido o meu caro do bom Armando Inroga dizer, afinal, quanto custará, de facto, a aplicação destas medidas, desde o recenseamento do público-alvo, selecção das lojas até à comparticipação do próprio Governo no pagamento da cesta básica. Só com esta resposta é possível concluirmos se estamos em presença de boas e sustentáveis medidas.
Depois de nos apresentar esses números, meu caro ministro da Indústria e Comércio, gostaria de lhe perguntar se vale a pena o Governo investir em recensear pessoas, em seleccionar lojas e em colocar um aparelho com quadros de vários ministérios a dedicar-se à operacionalização de um pacote de medidas que durarão apenas seis meses – de Junho a Dezembro, como V. Excia disse no parlamento? O custo justifica, de facto, o benefício, Excia?
Como disse no início deste texto, o Governo reajustou o valor limite dos potenciais beneficiários da cesta básica, passando de dois mil para dois mil e quinhentos meticais. Com esta medida, se as medidas tivessem efeito já, passaria a englobar trabalhadores auferindo salário mínimo em seis sectores de actividade, nomeadamente, Função Pública, Defesa e Segurança (2 270 Mt); Pescas (2 200); Indústria Extractiva (2 400); Indústria Transformadora (2 497); Construção (2 435); Agricultura, processamento agrícola, caju, floresta e fauna (1 682), deixando de fora os de Actividades não financeiras (2 550), Actividade financeira (3 483) e Electricidade, gás e água (2 662). Seria um passo encorajador. Pelo menos, mais trabalhadores com salário mínimo passariam a ser elegíveis.
No entanto, o ajustamento de salário mínimo deste ano ainda não foi feito. Quando os parceiros da concertação social chegarem a acordo sobre as percentagens de aumento para este ano (o novo salário tem efeito retroactivo a partir de 1 de Abril), parte significativa de trabalhadores elegíveis, nesta altura, para a cesta básica, deixará de o ser em Junho, quando as medidas entrarem em vigor.
Como a inflação média acumulada em 2010 foi de 12,43%, consideremos, por extrapolação, que as percentagens de aumento de salário mínimo de 2011 serão iguais às de 2010 para compensar a perda do poder de compra dos trabalhadores. Ficam automaticamente de fora dos elegíveis os trabalhadores da Indústria Extractiva (o aumento salarial em 2010 foi de 14% e passariam a ganhar ordenado mínimo de 2 736); Indústria Transformadora (aumento de 17% e salário mínimo passaria para 2 922); Construção (aumento foi de 16% e passariam a auferir 2 825). Sobrariam, para contar a história, perdão, para receber a cesta básica, apenas trabalhadores de três sectores: Função Pública, Defesa e Segurança (salário mínimo chegaria a 2 376); Pescas (2 376) e Agricultura, processamento agrícola, caju, floresta e fauna (1 934). Não é, como se vê, propriamente uma medida inclusiva.
PS:
A crise que passa o MDM e sobretudo a ligeireza com que a sua liderança a encara – Daviz Simango nem sequer se dignou a dar a cara, até agora, apesar de estar em causa a demissão do seu secretário-geral – mostra que um filho sempre sai ao progenitor em algum aspecto: os métodos de gestão do MDM são em tudo iguais aos da Renamo. A luz que Daviz projectou no horizonte, há dois anos, quando emergiu na cena política doméstica, está a tratar ele próprio de apagá-la. O MDM mostra que só é diferente da Renamo apenas no nome. Como Dhlakama, Daviz virou um autocrata, que decide sozinho a vida do partido, não dialoga com os seus. Para lá das guerras intestinais, Daviz não está a ser capaz de tirar o MDM do seu bairrismo localizado e transformá-lo num partido nacional. Forma e projecta partido à escala nacional, mas contenta-se em ser Presidente de município!
Ainda sobre a cesta básica
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[Jeremias Langa] Causou estranheza que um ministro que é economista, que é professor universitário, que ensina aos seus estudantes que todos os planos devem ser quantificados para se avaliar a sua viabilidade, tenha ido apresentar ao parlamento um pacote de medidas sem um único número a sustentá-las.
Alguns dirão que é obsessiva a minha crítica às novas medidas do Governo para atenuar a crise. Mas as medidas estão a mudar a uma velocidade tal, a cada semana, que custa ficar calado! Da semana antepassada à passada, passaram de trabalhadores com rendimentos até dois mil meticais a trabalhadores com rendimentos até dois mil quinhentos meticais. Do meu último artigo, na semana passada, a este, passaram de apenas trabalhadores formais para também os trabalhadores do sector informal, incluindo empregados domésticos. É muita coisa em tão pouco tempo.
A velocidade com que se transfiguram estas medidas parece confirmar os meus receios iniciais de que, de facto, não foram motivo de debate profundo dentro do próprio Governo, antes de serem lançadas a público. Mas escandalizou-me mais ainda que tivessem passado debaixo de aplausos na Assembleia da República, sem que os deputados tivessem colocado questões pertinentes que urgem para esclarecer muitos pontos nebulosos. Não se trata de pertencer a esta ou àquela bancada, como infelizmente se pintam as opiniões neste país (definitivamente, eu sou da bancada dos que fazem a análise crítica antes de aplaudir ou vaiar uma medida!). Trata-se de levantar questões que se impõem para ajudar o próprio Governo a atingir os objectivos que pretende com as medidas.
No lugar disso, no entanto, vimos pouco questionamento, de facto, e um coro de aplausos e elogios, de um lado, e vaias, do outro, a um plano que levanta mais dúvidas que certezas. Definitivamente, o fervor, a paixão e o fanatismo do desporto não se compadecem com a governação. Não está em jogo apenas um resultado positivo, como num jogo, mas vidas, bem-estar de pessoas.
Primeiro, gostaria de ter ouvido os deputados perguntarem e o ministro da Indústria e Comércio responder qual é, agora, o universo de pessoas que o Governo tem expectativa de atingir com as medidas, assim que foram incluídos trabalhadores informais. O universo de um milhão e oitocentas mil pessoas era válido apenas com os trabalhadores formais.
Em segundo lugar, gostaria de saber como pensa o Governo recensear os trabalhadores-alvo da cesta básica, especialmente os do sector informar – se colocará recenseadores a andarem pelos principais “dumba-nengues” das 11 capitais provinciais, à procura de vendedores informais que tenham rendimentos até dois mil e quinhentos meticais (como irá determinar a renda de vendedores informais sem, necessariamente, formalizar a sua actividade?). E no caso das empregadas domésticas, uma actividade precária no nosso país, como será feita a identificação dos trabalhadores? Os recenseadores andarão de casa em casa a identificá-los ou terão que ser os patrões a irem inscrevê-los, comprovando que são seus empregados?
De acordo com os dados do Censo Populacional de 2007, do Instituto Nacional de Estatística, residem nas 11 capitais provinciais 3 690 123 (três milhões, seiscentos e noventa mil e cento e vinte e três) habitantes. Por isso, e agora em terceiro lugar, gostaria de ter ouvido o ministro da Indústria e Comércio explicar que máquina colocará no terreno para recensear todas estas pessoas, de modo a saber os seus rendimentos.
Mas mais importante ainda, e entramos para o quarto ponto, causou estranheza que um ministro que é economista, que é professor universitário, que ensina aos seus estudantes que todos os planos devem ser quantificados para se avaliar a sua viabilidade, tenha ido apresentar ao parlamento um pacote de medidas sem um único número a sustentá-las e sem mencionar de onde virá o dinheiro que as custeará, numa altura em que o Orçamento do Estado está há muito aprovado. Por isso, gostaria muito de ter ouvido o meu caro do bom Armando Inroga dizer, afinal, quanto custará, de facto, a aplicação destas medidas, desde o recenseamento do público-alvo, selecção das lojas até à comparticipação do próprio Governo no pagamento da cesta básica. Só com esta resposta é possível concluirmos se estamos em presença de boas e sustentáveis medidas.
Depois de nos apresentar esses números, meu caro ministro da Indústria e Comércio, gostaria de lhe perguntar se vale a pena o Governo investir em recensear pessoas, em seleccionar lojas e em colocar um aparelho com quadros de vários ministérios a dedicar-se à operacionalização de um pacote de medidas que durarão apenas seis meses – de Junho a Dezembro, como V. Excia disse no parlamento? O custo justifica, de facto, o benefício, Excia?
Como disse no início deste texto, o Governo reajustou o valor limite dos potenciais beneficiários da cesta básica, passando de dois mil para dois mil e quinhentos meticais. Com esta medida, se as medidas tivessem efeito já, passaria a englobar trabalhadores auferindo salário mínimo em seis sectores de actividade, nomeadamente, Função Pública, Defesa e Segurança (2 270 Mt); Pescas (2 200); Indústria Extractiva (2 400); Indústria Transformadora (2 497); Construção (2 435); Agricultura, processamento agrícola, caju, floresta e fauna (1 682), deixando de fora os de Actividades não financeiras (2 550), Actividade financeira (3 483) e Electricidade, gás e água (2 662). Seria um passo encorajador. Pelo menos, mais trabalhadores com salário mínimo passariam a ser elegíveis.
No entanto, o ajustamento de salário mínimo deste ano ainda não foi feito. Quando os parceiros da concertação social chegarem a acordo sobre as percentagens de aumento para este ano (o novo salário tem efeito retroactivo a partir de 1 de Abril), parte significativa de trabalhadores elegíveis, nesta altura, para a cesta básica, deixará de o ser em Junho, quando as medidas entrarem em vigor.
Como a inflação média acumulada em 2010 foi de 12,43%, consideremos, por extrapolação, que as percentagens de aumento de salário mínimo de 2011 serão iguais às de 2010 para compensar a perda do poder de compra dos trabalhadores. Ficam automaticamente de fora dos elegíveis os trabalhadores da Indústria Extractiva (o aumento salarial em 2010 foi de 14% e passariam a ganhar ordenado mínimo de 2 736); Indústria Transformadora (aumento de 17% e salário mínimo passaria para 2 922); Construção (aumento foi de 16% e passariam a auferir 2 825). Sobrariam, para contar a história, perdão, para receber a cesta básica, apenas trabalhadores de três sectores: Função Pública, Defesa e Segurança (salário mínimo chegaria a 2 376); Pescas (2 376) e Agricultura, processamento agrícola, caju, floresta e fauna (1 934). Não é, como se vê, propriamente uma medida inclusiva.
PS:
A crise que passa o MDM e sobretudo a ligeireza com que a sua liderança a encara – Daviz Simango nem sequer se dignou a dar a cara, até agora, apesar de estar em causa a demissão do seu secretário-geral – mostra que um filho sempre sai ao progenitor em algum aspecto: os métodos de gestão do MDM são em tudo iguais aos da Renamo. A luz que Daviz projectou no horizonte, há dois anos, quando emergiu na cena política doméstica, está a tratar ele próprio de apagá-la. O MDM mostra que só é diferente da Renamo apenas no nome. Como Dhlakama, Daviz virou um autocrata, que decide sozinho a vida do partido, não dialoga com os seus. Para lá das guerras intestinais, Daviz não está a ser capaz de tirar o MDM do seu bairrismo localizado e transformá-lo num partido nacional. Forma e projecta partido à escala nacional, mas contenta-se em ser Presidente de município!
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