Tuesday 28 December 2010

A Opiniao de Jorge Oliveira

Alexandre Chaúque
INHAMBANE SEM O BADALO

Por Jorge de Oliveira

1. Pequeno livro de crónicas que marcou a estreia do AC em livro, como o próprio título o refere, esta é uma coletânea de textos sobre a cidade de Inhambane, um lugar que, não fosse o facto de se encontrar longe da Estrada Nacional, poderia ser hoje uma das mais desenvolvidas e bonitas cidades deste país.
2. Inhambane foi perdendo pessoas, hábitos, lugares, e, no fundo, beleza e mística; Isso preocupa o autor, um manhambana que se preza. Hoje, os ventos da modernidade limparam os resquícios dessa forma peculiar, fechada, de ser da cidade; onde todos se conhecem, todos são familiares uns dos outros, de dia impera o silêncio e à noite a multidão. Seria interessante trazer uma nova edição destes textos (com nova roupagem), o que sempre ajudaria a acender um debate que se impõe sobre este Município.
3. “Os cineastas deviam captar imagens do Mangoba nas suas câmaras. Transferi-las para as gerações que ainda virão. Sacralizá-las. Encaixá-las num enredo inteligente. Porque este é um animal que passará. E depois dele não haverá outro que carregará nos seus ombros um historial desta baía mítica”.
4. É uma obra histórica. Relembra noites de glória de músicos e bandas, uma das pedras de toque desta cidade da boa gente. Não explica, porém, se agora, 500 anos depois de lhe ter sido atribuído esse epíteto, ainda se mantém a gentileza e a hospitalidade das suas gentes.
5. Tembém não explora as praias. Na falta de tanta coisa, poderia ter falado sobre essa grande arma que parece não desaparecer facilmente: a beleza e o íman que as praias do Tofo e da Barra (dentre outras também bonitas, mas não tão conhecidas) exportam por esse mundo fora.
6. “A juventude desta cidade jamais conhecerá a harmonia porque ela nunca existiu nesta terra. As mulheres sáfaras daqui enlouqueceram. Comportam-se como feras enjauladas. Já não têm espírito. Até o futebol degenerou para fossas abissais. E já não resta nada. Senão a luta aqui e acolá, pela sobrevivência cultural. Que se tornou uma masturbação de loucos inveterados”.
7. AC escreve bem; poetisa as palavras, embeleza o texto – dá-nos o gosto da leitura e da literatura; cultivou-se como um excelente cronista. É só ver que este livrinho saiu em 2001, mas ainda hoje, quase 10 anos depois, as suas crónicas ainda são das mais lidas no país: o bitonga blues, no A verdade e agora o que escreve no Calowera. Do mesmo modo, trabalhos com dignidade para sair em livro. A ver vamos.
8. Não existe um escritor que não ame as palavras: Esta é uma prova. Mas, mais do que amar as palavras, a escrita, a literatura, este escritor ama a sua cidade e, por isso, fala na primeira pessoa, chora publicamente os sons que já não ouve, as danças que já não vê, as pessoas com as quais já não se cruza, ou as infraestruturas a ruir todos os dias. Um livro de saudade.
9. “Alguém considera este produto como sendo rival do vinho. E é mesmo, com a vantagem de ser um pouco mais forte. A sura bate, tanto doce como fermentada. Aliás, se você a bebe doce, ela se tornará traiçoeira. Fermentará mais tarde no seu estômago. E ao ser devolvida para a boca, ela recusará sair por onde entrou e invadirá o seu cérebro que ficará fortemente deprimido e sem vontade para a actividade, sobretudo sexual”.
10. Todas as palavras que AC escreve são válidas. E um dos seus grandes méritos é pegar num tema ou num episódio aparentemente simples e inofensivo e contar uma história. Aliás, nisso os manhambanas são exímios – quase que são uns dramaturgos por natureza.
11. A Literatura é uma arte para todos, mas, temos que aceitar, só alguns a tocam com mestria. Este nosso cronista é um deles. Influência do Blues que se canta em bitonga?

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