Tuesday 28 December 2010

A Opiniao de Jorge Oliveira

Eduardo White
ATÉ AMANHÃ, CORAÇÃO

1. Este livro apela-nos à descoberta de duas questões. Uma, a personagem principal é um poeta (narrador na primeira pessoa, participante), o que permite ver, sem dúvidas, que, afinal, o poeta, pese embora a sua muita maluquice, também (como nós) é feito de carne e tem uma mulher para aturar e um carro para meter combustível. Depois, a palavra coração é colocada de modo a servir como esse músculo-órgão-carne, no sentido denotativo, e, ao mesmo tempo, na sua função estilística onde quer dizer paixão, no sentido conotativo. É um encaixe perfeito feito ao nível de um poeta com lugar na CPLP e que se tem mantido na dianteira da actividade poética nacional.
2. O silêncio e o frio presentes de forma acentuada denunciam a solidão do ato de escrever em contraposição ao gélido que assola o poeta quando se expõe ao exterior. Por isso EW, na obra, sente muito frio e reclama esse facto sem se eximir de exteriorizar o barulho tão alto que ouve quando o silêncio impera. Uma espécie de barulho do silêncio.
3. “Num país onde se rouba quase tudo, já nem tempo há para se roubar a poetas. E logo poetas, meu caro, e logo poetas roubados num país onde eles são mais pobres do que por natureza. Tomara os poetas aqui o fossem. Mas são, num certo sentido, ou porque são maus ou estão demasiadamente ocupados a ... (imagine-se) roubar”.
4. EW não cria uma terminologia própria nem um discurso inédito, mas é muito forte nos trocadilhos, no jogo entre as palavras ou expressões. Não (re)inventa termos, só que com base na grafia, umas vezes, e na sonoridade, noutras, vai dando novos significados à fala e aos sentidos. Traz outras ligações que as palavras criam, umas com as outras, ou que outros enquadramentos uma expressão/frase pode ter para além daquilo que é habitual.
5. É um grande desabafo da sua condição de poeta e é uma leitura e uma crítica à sociedade. Tem outras personagens de raspão, mas centra-se nesse grito que o poeta faz, para dentro de si, sem deixar de atingir todos que o rodeiam. O amor a que já nos habituou EW está neste título (parece duma carta, ou mensagem, mas não se concretiza nisso), só que misturado com alguma crítica social: criminalidade, política, dificuldades sociais e a aversão aos livros e à cultura. Faz uma grande digressão como adepto ferrenho do amor, passando, porém, sempre que possível pelo ambiente envolvente exterior à sua relação com quem ama (em particular). Ama sem nunca esquecer que é um ser social. No que tange à crítica social não poderia ter palavras mais ferozes.
6. “Tenho um país que respeito. Um país quente. Um país cujas gentes eu amo em sua humildade. Um país onde não se pode ler, onde a pobreza é notável, sofrível, cavernosa e doente. Como posso pedir-lhes que leiam, como posso pedir-lhes que ao invés dos pratos ponham livros à sua frente?”.
7. Não concordo que a maluquice vive com o poeta como norma; ou que todo poeta é maluco. Nada mais falso. Isso é uma falácia. Rezou a história que alguns poetas (de tempos remotos) fossem paulados, o que não significa que, hoje, passados séculos, a sina permaneça do que deve resultar que todo poeta seja louco. Nada disso. Nem bêbado, nem louco, nem boémio.
8. Pensa-se muito que a poesia é fácil – é um panfleto ou (pior) que é redigir difícil através de termos rebuscados. Não é. Poetizar é escrever fácil com a mensagem escondida. A beleza do texto poético encontra-se na descoberta dos significados escondidos por detrás das palavras. A descoberta dos recados e sobretudo das emoções/sentimentos é uma das virtudes nesta prosa poética whiteana. Este título sugere uma despedida quando o autor nem sequer chega a fechar a porta.
9. “Banais somos nós, todos, a olhar da indiferença esta miséria que se não nos apaga, esta que queríamos tivesse um interruptor para desligarmos. Ou, melhor, um remoto controlo para mudarmos a realidade sempre que nos aprouvesse fazê-lo”.
10. Assume-se como um sobrevivente às amarras sociais, mostra que não vive, mas sobrevive, pois o poeta é, nesta sociedade, sempre pobre. Se for para viver somente da poesia concordo; temos um país onde impera a falta de cultura de leitura poética, com poucos poetas a escreverem para as massas e no qual o livro é uma carta fora do baralho. Resultado: Miúdos do Secundário a dizerem, na tv, que o 7 de Setembro foi a assinatura do Acordo G de Paz, entre Governo e Renamo, em 93.
11. Na sua peça O libreto da Miséria os ataques ao poder atingem o êxtase; batem num ponto que nos leva a pensar que depois disso nada mais será possível criticar. Neste livro não foi tão violento, mantendo, no entanto, o xipoco do anti-poder. Livro de sonhos onde se vê o lado da ficção da palavra, do culto da beleza da frase. Esse lado visionário opõe-se ao que mais precisamos hoje: o do pragmatismo, soluções, de fazer as coisas andarem. É isso, as coisas têm que acontecer.

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