Wednesday 15 December 2010

Caos e martírio no defunto GPZ

Enquanto o povo espera

Por André Catueira em Tete

Funcionários desesperados e desnorteados, indemnizações por receber, contratos de arrendamento cancelados e sem casa vaga para arrendar, viaturas parqueadas (não serão alienadas), “presentinhos para os chefes”, é o cenário que se vive no extinto Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Região do Zambeze (GPZ), com a sede na cidade de Tete e capitaneado até ao seu finamento pelo coronel Sérgio Vieira. Na longa lista de despedimentos estão incluídos pastores de gado e guardas. No Vale, a população, mais uma vez, espera por mais uma etapa que traga o sempre prometido desenvolvimento.

Segundo apurou o nosso jornal, vários contratos de arrendamento dos imóveis que acomodavam funcionários, incluindo ex-directores e destacados, foram cancelados “subitamente” e alguns inquilinos foram obrigados a sair de forma apressada.

Alguns terão de pagar pessoalmente, por alguns dias de atraso da saída de casa. Em muitas casas não foi feito o inventário (quanto aos bens propriedade do ex-GPZ).

“É complicado e triste falar da extinção do GPZ, pois gastou-se muito dinheiro com arrendamentos (de luxo), e a construção de casas pré-fabricadas nas sub-regiões do Vale do Zambeze, quase 10 milhões de dólares anuais para manter o GPZ, para nada”, desabafa um ex-funcionário do extinto GPZ, que pediu anonimato.

Vários funcionários aguardam por indemnização. Dos três grupos desvinculados (com cartas de despedimento para 30 de Outubro, Novembro e Dezembro, respectivamente), apenas o primeiro grupo recebeu a compensação pelo tempo de trabalho, com 10 dias de atraso.

Os trabalhadores têm um tratamento diferenciado nas indemnizações. Alguns estão a ser tratados à luz da Lei de Trabalho e os outros do Estatuto Geral de Funcionários e Agentes de Estado, o que tem criado “um desconforto aos trabalhadores”.

O decreto 40/95 de 22 de Agosto, que cria o GPZ, no seu artigo 14 (Estatuto do Pessoal) indica que o pessoal do GPZ, rege-se pelas normas aplicáveis aos funcionários do Estado e, pelo disposto em Regulamento interno. O regulamento interno foi adiado a sua aprovação (pelo Primeiro-Ministro) por várias vezes, até o inicio do funcionamento do GPZ.

O relatório de Inspecção das Finanças, com a referência: inf. Proposta N/41/DIOFE/10, que mereceu o despacho positivo do ministro das Finanças refere que “A aplicação da Lei do Trabalho para reger o pessoal do GPZ constitui uma violação ao art. 15 do Estatuto Orgânico e recomenda a observância do Estatuto Geral do Funcionário do Estado”.

Mas, no caso vertente, os contratados receberão uma indemnização de 30 dias de salário, por cada ano de trabalho e os destacados (saídos dos ministérios), apenas regressam a proveniência e os salários “caem” para os praticados pelos seus ministérios.

Ainda segundo apurámos em Tete, todas as viaturas foram ordenadas a parquearem, as que circulam, geralmente com a elite, foram-lhes retiradas os timbres da empresa. Parte das viaturas, ainda não foram pagas à Toyota de Moçambique, estando o extinto GPZ por saldar a dívida.

Desmando e injustiça

Num abaixo-assinado, que data de 12 de Novembro, dirigido ao Primeiro-Ministro, Aires Ali, como última tentativa de diálogo, os signatários, incluindo os generais a quem Sérgio Vieira integrou no GPZ, quando se iniciou o processo de despedimento, não foram avisadas previamente as pessoas que dirigiam os sectores, criando-se situações “aberrantes que põem em causa a extinção harmoniosa do GPZ”, com a salvaguarda dos interesses dos quadros e trabalhadores e dos interesses do Estado.

“Despedem as pessoas que guardam arquivos e acervos, sem que indiquem, até hoje, a quem os remeter (...), como dirigentes, que cessaram as funções com a extinção do GPZ, não podemos contudo, estar indiferentes e com braços cruzados, quando empenhamos muito do nosso tempo, talento e saúde para arrancar o vale do Zambeze da letargia, instabilidade social e política em que vivia”, lê-se na carta a que o SAVANA teve acesso.

Ainda segundo o documento, até então nada foi feito para que fossem entregues os diferentes acervos de documentação que se referem tanto aos estudos e investigação, como os mais diversos relatórios, incluindo informação financeira.

“Farão os trabalhadores e quadros do ex-GPZ sombra a alguém e por isso devem tornar-se objecto de marginalização”, questionam os trabalhadores na referida carta.

Os signatários da carta, que não se opõem à extinção do GPZ, mesmo sem saber a motivação e a lógica advertem ainda: “queremos apenas alertar, sobre procedimentos que nos parecem improvisados e prejudiciais ao estado e as pessoas”. Alertam igualmente sobre um “saque infalível de bens propriedade do ex-GPZ”

Pesou a política?

Para alguns ex-funcionários, o governo seria infeliz ao invocar “falta de resultados” para a extinção do GPZ, pois entre os objectivos políticos e económicos “pesou a política”.

“Depois de 10 anos, só agora o governo se está a aperceber de que o GPZ não funcionou? Então o governo não tem gente para analisar suas políticas!”, indagou uma ex-funcionária próxima da ex-direcção.

Segundo a mesma fonte, o GPZ investiu muito na política aquando da sua implantação, sobretudo, nos distritos em que a RENAMO tinha resultados esmagadores, como Angónia e outros, em detrimento de estudos sobre as práticas das comunidades para não haver contradição com os projectos a implementar.

“Os resultados políticos (eleitorais) estavam no primeiro plano do que o desenvolvimento das comunidades na Vale.

Éramos pagos (pelo GPZ) ajudas de custo e tudo mais para fazer política. Empregávamos gente da Renamo (em projectos) e pagávamos dinheiro para pessoas desertarem, para fragilizar o partido”, explica a fonte, que reivindica bons resultados desse trabalho.

O questionamento do distribuir de galinhas ao longo da Vale, segundo a mesma fonte, tinha a ver “com a procura de resultados palpáveis, pois a implantação do GPZ criou muitas expectativas nas pessoas, era preciso fazer algo com impacto imediato nas pessoas”.

Uma outra fonte ligada a ex-GPZ disse que a falta de harmonia entre os governos provinciais e distritais com o GPZ, por causa das contradições salariais (funcionários do GPZ ganhavam fortunas), chegou a implicar que os distritos não cedessem os seus planos. Os governos e o GPZ chegaram a trabalhar cada um com o seu plano.

“A tensão (entre as instituições) subiu quando o GPZ começou a executar alguns projectos”, informou a fonte, “o que viria a tornar insustentável a relação”.

Na sua explanação, a fonte disse que “a criação de empresas inviáveis, como a ZAMCORP, entre outras (GPZ criou cerca de 15 empresas) era para acomodar a elite política e fazer política e desavenças internas podem ter provocado a colisão entre as chefias”.

Segundo ainda apurámos em Tete, os coronéis e os generais desvinculados do ex-GPZ receberam novas viaturas, como presentes da extinção do GPZ. O GPZ acomodou nos seus quadros os generais Bonifácio Gruveta, José Ajape e Joaquim Munhepe.

Tentativas de contactar o presidente da Comissão de Liquidação - conferido os poderes para a liquidação total do GPZ - redundou no fracasso, por este estar com uma agenda lotada. O seu adjunto disse-nos que não tinha poderes para se dirigir a imprensa, tendo nos remetido ao primeiro.

A comissão nomeada pelos ministros de Planificação e Desenvolvimento e das Finanças, tem no prazo de até 26 de Janeiro de 2011, para apresentar o relatório final da liquidação do GPZ, incluindo cobrança de dívidas e pagamento de encargos.

Interferência

O ministro de Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, enviado a Tete, na semana passada, para amenizar a iminência do colapso entre os ex-trabalhadores e o governo, disse que a “interferência do ex-GPZ” na gestão dos governos provinciais e distritais pesou na extinção do primeiro.

“A extinção do GPZ não tem nada a ver com o seu desempenho. Tem a ver com uma estrutura que era muito pesada, que começava a interferir no trabalho concreto das próprias províncias e distritos”, explicou Cuereneia em Tete, momentos depois de visitar a SOVALE, uma das subsidiárias do GPZ.

Cuereneia, que se reuniu em separado com os ex-funcionários do GPZ (ex-directores, técnicos e destacados quadros), referiu que a nova Agência, que substituíra o GPZ, terá uma estrutura pequena e vai prestar serviço aos governos provinciais e distritais e preservar a riqueza do vale.

Quanto ao equipamento de produção, a fonte disse que será distribuído entre os distritos do Vale do Zambeze, sobretudo nas três áreas de concentração no vale (Ulongué, Guro e Namacurra), onde estão sendo montadas fábricas para processamento de milho, trigo, algodão e arroz.

O ministro negou que tenham sido despedidos guardas e pastores de gado, alegadamente “porque a orientação que tivemos neste momento é que todos aqueles que tinham a seu cuidado material e equipamento do GPZ, essas pessoas não poderão ser despedidas antes de fazerem a entrega desse material a uma instituição ou alguém que vai continuar a guardar o material”.

A fonte contestou igualmente que a extinção do GPZ tenha a ver com questões políticas ou contradições pessoais entre Sérgio Vieira, ex-director geral do GPZ e o Presidente da Republica, Armando Guebuza. Não admitiu e nem desmentiu a hipótese de integração de Sérgio Vieira na Agência.

“Nesse momento estamos a trabalhar, e depois vai se ver onde o coronel Sérgio Vieira vai estar, mas ainda não estamos a discutir as pessoas, estamos a discutir as ideias e a estrutura (da Agência)”, referiu Cuereneia.

O Conselho de Ministros, deixou a cargo dos ministros das Finanças e da Planificação e Desenvolvimento, a decisão do que se fazer com o património que era do GPZ.

Embora Cuareneia tente não tocar em Vieira, o SAVANA sabe dos atritos ao longo dos anos entre o governo central e a direcção do GPZ encabeçada pelo controverso coronel. A então Primeira-ministra Luísa Diogo não morria de amores pelas visões de desenvolvimento de Vieira e uma auditoria conduzida por uma das principais firmas internacionais baseadas em Maputo produziu conclusões devastadoras sobre a gestão do coronel. Uma das críticas que era feita entre a comunidade doadora a respeito do GPZ era que o coronel perseguia o velho sonho de prosseguir no Vale as velhas políticas das empresas estatais afundadas com o fim do socialismo em Moçambique. O primeiro director do GPZ Simão Muhai também foi afastado da sua direcção na administração Chissano com grandes acusações de incompetência, gastos sumptuários e ineficiência. Em recente entrevista ao semanário Magazine Independente, Sérgio Vieira respondeu aos seus detractores afirmando que o GPZ não foi criado para gerar receitas. Frisou que as contas do GPZ foram auditadas pela Inspecção das Finanças e entregues ao Tribunal Administrativo. Sublinhou que está orgulhoso do trabalho que realizou durante os 10 anos que esteve na gestão do Gabinete. A uma pergunta sobre se aceitaria um convite para integrar a nova agência, Vieira foi peremptório. “levem os jovens de 35, 40 anos. Eu tenho 60 anos”.

O Vale do Zambeze ocupa uma área de 225 000 Km2 (cerca de 27,7% da superfície do país), com uma população de 3,755 milhões de habitantes (25% da população moçambicana, 56% da população das 4 Províncias do Centro onde se insere o Vale do Zambeze). Na região concentram-se os recursos mais variados de solo, subsolo, climas e bases de produção de energia.

Quinze anos depois, o GPZ encerra ingloriamente as suas portas. O Vale e as suas populações continuam à espera que um dia o desenvolvimento bata à porta do seu destino.

SAVANA – 10.12.2010

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