Thursday 28 October 2010

A Opiniao de Saite Junior sobre as Relacoes Mocambique-Malawi

UM BREVE OLHAR AS RELAÇÕES ENTRE MOÇAMBIQUE E MALAWI

Saite Júnior
Analista de PA, Conflito e Segurança
E-mail: saitejunior@gmail.com

A fase inicial das relações
As relações entre Moçambique e Malawi iniciaram na década 60 do século XX, altura em que o Malawi alcançou a sua independência da Grã-Bretalha e aprofundaram na década 70 com a independência de Moçambique. Desde dessa fase as relações foram puramente realistas, devido as ideologias politicas seguidas por cada Estado. A politica externa de Moçambique sub liderança de Samora Machel, era de orientação socialista, dando primazia a relação com países do leste europeu, a China e Cuba, sem contudo excluir a relação com demais Estados, sobretudo Estados jovens e empenhados no combate do colonialismo e na consolidação de independência nacional e na recuperação do uso e controlo dos recursos naturais a favor do seu povo (CRPM , 1975). Todavia em 1990 com adopção da ideologia capitalista e do regime multipartidário, Moçambique passa a estabelecer relações de amizade e cooperação na base do respeito mutuo pela soberania, integridade territorial, igualdade, não interferência nos assuntos internos e reciprocidade de benefícios ou seja Moçambique passa a priorizar a cooperação com todos os Estados, independentemente da sua ideologia política.

Por sua vez o Malawi, sob a liderança do presidente Hastings Kamuzu Banda, tinha uma politica externa orientada para os Estados capitalistas ocidentais. No entanto importa realçar que segundo Chirombo (2010) durante a guerra fria, o Malawi foi considerado aliado do regime do apartheid da África do Sul e regimes colónias com destaque para Portugal, e que “alimentou a guerra civil em Moçambique apoiado a RENAMO juntamente com o regime do apartheid” (O Autarca, 12/07/2009). Esta posição do Malawi obrigou aos Estado da Africa Austral a isolarem esse País e o Presidente Samora Machel chegou mesmo a ameaçar colocar mísseis na fronteira comum. Aqui estava-se claramente perante o realismo, que se verifica quando o interesse e o poder nacionais estão em causa e não mede o uso da força bruta (Rourke e Boyer, 2004; Kegley, 1995; Bennett, 1991; Rosenau, 1969; Morgenthau, 1965).

Em 1986 realizou-se em Luanda, entre os dias 21 e 22 de Agosto uma reunião dos membros da SADCC, que discutiu entre vários assuntos a necessidade de tomar uma posição mais dura em relação ao Malawi. Assim no “dia 11 de Setembro do mesmo ano o presidente moçambicano Samora Machel, presidente da Zâmbia Kenneth Kaunda e presidente o Zimbabwe Robert Mugabe, viajaram para Blantyre no Malawi para explicar ao presidente da Banda que os interesses fundamentais do povo do Malawi não eram diferentes dos de outros Estados SADCC, e que possíveis represálias advindas da posição leviana do Malawi afectaria gravemente a este Estados em todas vertentes, económica, politica e social. Nessa encontro pediram ainda ao Malawi para tomar uma posição diferente em relação a guerra em Moçambique”(Chirombo, 2010).

Como já foi observado, a diplomacia prossegue muitos objectivos e um dos quais é o político e o Estado deve garantir a paz e as boas relações com os países vizinhos. Contudo a visita de Mugabe, Machel e Kaunda mostra que o Malawi está aberto a discussões. Segundo o então vice-ministro do Malawi Dausi Nicholas, a necessidade de sobrevivência no sistema anárquico foi a razão que fez com que o Malawi estabelecesse relações com a África do Sul e Portugal. Com efeito Nicholas acrescentou que essa diplomacia malawina ajudou a desenvolver Moçambique, isto porque, o Malawi convenceu Portugal a levar em diante a construção da linha férrea da Beira apesar dos seus custos elevados. Com o fim da guerra-fria e o colapso da ideologia comunista, a política externa do Malawi entrou numa fase de acomodação.

Período pós guerra-fria
O apoio concedido pelo Malawi ao regime do apartheid e a RENAMO minou as relações entre esse Estado e Moçambique, mesmo depois da guerra-fria. Todavia pode-se argumentar que a politica externa regional de Banda visou superar os desafios da falta de litoral e apoiado a RENAMO, teria o acesso aos portos moçambicanos a custos baixos, estava em jogo a sobrevivência do Estado.

Todavia, terminada a guerra-fria e o apartheid ma África do Sul, o Malawi perdeu o seu aliado estratégico e devido a posição geostratégica e talassocrática favorável que Moçambique possui em relação ao Malawi, este ultimo sentiu-se obrigado limpar a sua imagem, para ter acesso os portos moçambicanos e aos corredores de desenvolvimento de Nacala e Beira. A titulo de exemplo, durante a fase final da guerra civil em Moçambique, o Malawi acolheu refugiados moçambicanos, uma posição meramente hipócrita e realista, isto é, uma posição baseada nos custos e benefícios de camaradagem. Assim a politica externa do Malawi funcionou como um instrumento que visa maximizar os benefícios reais e minimizar as percas, tal como Hans Morgenthau (1965:8) argumenta que na relação entre Estados a moral não tem espaço, uma vez que cada um procura acautelar os prejuízos e dinamizar os ganhos, ou seja, o Estado agem como um actor racional.

Com efeito durante a última década do século XX e principio do século XXI, as relações entre os dois países foram com base nos princípios preconizados pela Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e não na amizade entre os dois povos.

O declínio das relações
As relações entre os dois países, voltaram a declinar em 2009, a quando do ataque e destruição por completo um quartel da Força de Guarda de Fronteira do distrito de Ngaúma, na província de Niassa, no norte de Moçambique. Está situação acabou ensombrando a visita do presidente do Malawi Bingo wa Mutharika, que esteve em Moçambique entre os dias 10 e 12 de Agosto de 2009. A quando a sua visita o Estado moçambicano esperava um pedido de desculpas por parte do Estado maliwiana o que não aconteceu, criando um clima sinuoso entre os dois chefes de Estado. Fase a isso, o presidente Bingo decidiu cancelar a sua visita a cidade da Beira que estava marcada para o dia 12 de Agosto de 2009, alegando queria colher mais informações junto de diversas entidades afins a partir de Lilongwe, a capital política do Malawi . Com efeito no mesmo dia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, Oldemiro Baloi, afirmou que o Governo de Moçambique esperava que houvesse esclarecimento da situação, que as pessoas envolvidas fosse penalizadas e apresentadas as devidas desculpas se se apurarasse que a culpa estivera do lado malawiano.

Depois do incidente a Comissão Conjunta Permanente de Defesa e Segurança dos dois países, reuniu-se na ultima semana de Agosto, em Maputo para de entre outros assuntos discutir o incidente de Ngaúma. O encontro visou ainda o fortalecimento permanente das relações de cooperação entre os dois países, a promoção da paz, estabilidade e bem estar social para os dois povos. No diz respeito ao incidente de Ngaúma Filipe Nyussi, ministro da Defesa de Moçambique disse tratar-se de um exemplo de actos contrários ao princípio de respeito à soberania e integridade territorial dos Estados advogados pelos dois países e demais da região austral de África.

Outro acto que veio a declinar as relações entre os dois Estados foi a posição reticente por parte do Estado moçambicano, em torno da construção de um porto fluvial no rio Chire, um dos tributários do rio Zambeze. “A estratégia dos malawianos é de navegar o Zambeze para o transporte das suas mercadorias de Nsanje ao Chinde, na foz do rio Zambeze, e vice-versa, uma distância de apenas 240 quilómetros. Acreditam que isso poderá baixar significativamente os custos de transacção dos produtos, ou seja menos 25”(Valy, 2009)

Como retaliação a posição tomada por Moçambique em relação a porto fluvial de Nsanje, cerca de 750 moçambicanos residentes em Nsanje no extremo sul do Malawi foram proibidos de votar no dia 28 de Outubro de 2009 pela policia malawiana, alegando-se questões de segurança. Este acto representou uma autentica violação a Convenções de Viena sobre as Relações Diplomáticas e Consulares. Importa realçar que durante o mês de Setembro três membros da policia secreta malawiana interpelaram em Nsanje o Cônsul de Moçambique em Blantyre, Félix Mambule, exigindo-lhe as listas dos moçambicanos recenseados naquele ponto.

A situação voltou a agravar ainda, no mês de Maio deste ano quando seis moçambicanos foram condenados à pena de morte na cadeia de máxima segurança de Zomba, no Malawi, acusados de prática de crimes de assassinato. Contudo, depois de longas negociações as penas foram convertidas em prisão perpetua. No entanto, o número de moçambicanos condenados à pena de morte naquele país vizinho poderá ser superior, uma vez que existem outros encarcerados noutros estabelecimentos prisionais malawianos.

Bibliografia

VALY, Bayano (2009) Nsanje: choque de interesses entre Moçambique e Malawi?
Disponível em http://comunidademocambicana.blogspot.com/2009/08/nsanje-choque-deinteresses-entre.html

TVM, (2009) Mutharika promete explicações sobre incidente de Ngaúma. Disponível em
http://www.tvm.co.mz/index.php?option=com_content&task=view&id=2950&Itemid=77

ZAMBÉZIA Online (2009). 750 eleitores moçambicanos foram proíbidos de votar no

Malawi, Disponível em http://www.zambezia.co.mz/noticias/93/8469-750-eleitoresmocambicanos-
foram-proibidos-de-votar-no-malawi-20102009

O Aurarca (2009) Moçambique e Malawi em termos práticos desenvolvem uma relação hipócrita; Edição nº 1819 de 12 de Agosto de 2009: Quelimane

CHIROMBO, Richard (2010) Malawi-Mozambique relations from the 1960s to early 1990s: how malawi ended up as the key, rather than pariah, state. Disponível em http://zachimalawi.blogspot.com/2010/05/title-malawi-mozambique-relations-argue.html

HEDGES, D, (1989) Notes on Malawi-Mozambique Relations, 1961-1987; Journal of Southern African Studies, Vol.15,No.4. Taylor&Francis Limited: Africa do Sul

ROBINSON, D (2009) Renamo, Malawi and the struggle to succeed Banda: Assessing theories of Malawian interventions in the Mozambican civil war; Eras Edition 11 disponível em http://www.arts.monash.edu.au./publications/eras

A opinião expressa pelo autor no artigo aqui publicado, não veicula necessariamente o posicionamento do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais

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