Quinta, 02 Setembro 2010 07:12 Jeremias Langa
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Jeremias Langa
O 5 de Fevereiro e o 1 de Setembro devem obrigar-nos a reflectir por que dizemos, todos os dias, que estamos a fragilizar a pobreza absoluta, quando fenómenos como o de ontem nos mostram que, afinal, há um desencanto enorme entre os cidadãos.
A pretexto do alto custo de vida, Maputo voltou, ontem, a ser sacudido por violentas manifestações, que se saldaram em perda de várias vidas humanas, muitos feridos, saques de estabelecimentos e enorme destruição de bens de cidadãos inocentes.
Por mais argumentos que se possam levantar, não há nada que justifique uma reacção com a violência que se assistiu, no dia de ontem, para manifestar o que quer que seja, sobretudo porque a manifestação é um direito constitucionalmente reconhecido a todos os cidadãos deste país. Basta requerê-lo para dele usufruir.
Uma manifestação com violência atinge pessoas inocentes, como sucedeu ontem, e essas pessoas são tão assoladas pelo aumento do custo de vida quanto os seus agressores. E isso tudo era perfeitamente evitável. Por esse facto, do ponto de vista da forma, estas manifestações são absolutamente condenáveis e intoleráveis!
Mas por dentro da forma, há sempre o conteúdo. Por isso, neste exercício analítico, é importante que não ignoremos o “porquê” destas manifestações; que nos interroguemos, permanentemente, sobre as reais motivações das mesmas; que nos questionemos por que grupos de pessoas, aparentemente isoladas, por meio de simples sms´s, conseguem organizar levantamentos em vários bairros suburbanos da cidade de Maputo e, com uma eficácia inesperada, sitiar a capital em poucas horas.
Durante muitos anos, não vivemos estes fenómenos, pelo menos nesta dimensão, e apenas a 5 de Fevereiro de 2008 começaram e ontem se consolidaram. Por alguma razão está a ser assim. E essa razão justifica-se na ruptura social entre os dois mundos de que se constitui a cidade capital e que há muito estão num conflito que se tornou indisfarçável, nos últimos tempos, e a 5 de Fevereiro de 2008 começou apenas a lançar as primeiras larvas.
Por detrás dos bandidos e arruaceiros que o ministro do Interior referiu como autores do vandalismo de ontem, há uma classe social que se identifica, perturbadoramente, com a causa em si e quiçá com a forma de manifestação dessa causa. Só isso explica que tenhamos visto jovens e adolescentes a assaltarem estabelecimentos, e senhoras e homens a ajudarem a saquear bens nesses mesmos estabelecimentos.
Estamos, pois, perante uma classe que se sente, manifestamente, excluída dos processos de partilha e redistribuição da renda, que sente que o Estado rompeu o contrato social consigo; que não vê mais no Estado uma fonte de soluções, mas sim de problemas – porque promove a acumulação de uns em detrimento da maioria.
Como sabiamente disse o Prof. Dr. Lourenço do Rosário, e José Pacheco não quis entender, não podemos dizer que todos os que estão na rua, nestas manifestações, são agitadores, arruaceiros. Assumir isso revela uma enorme desatenção sobre os fenómenos sociais em curso neste país. Revela insensibilidade de um governo, que, inexplicavelmente, deixou aumentar preços de água, luz, pão e comida - produtos essenciais na vida dos cidadãos - na mesma altura.
Uma crise nunca é algo agradável, ainda mais quando envolve violência e actos de vandalismo. Mas como referiu o Dr. Brazão Mazula, as crises desta natureza devem fazer-nos reflectir sobre os discursos que fazemos.
No caso da governação em Moçambique, o 5 de Fevereiro e o 1 de Setembro devem obrigar-nos a reflectir por que dizemos, todos os dias, que estamos a fragilizar a pobreza absoluta, quando fenómenos como o de ontem nos mostram que, afinal, há um desencanto enorme pelo agravar do fosso entre os que têm e os que não têm; por que dizemos que o nosso país é um exemplo de crescimento económico no mundo, quando isso não se reflecte na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos; por que dizemos que a agricultura é a base de desenvolvimento do país, temos o maior potencial de terra arrável da SADC e a nossa aposta principal é a Revolução Verde, quando não há grandes mudanças (não é esse o conceito de Revolução? Ruptura, mudanças), tudo o que consumos, importamos da África do Sul e a nossa agricultura nunca deixou de ser o que sempre foi - de subsistência e com pouca produtividade.
No lugar de oferecermos soluções aos cidadãos, fazemos truques de ilusionismo em muitas coisas para distrair os cidadãos. Falta farinha de trigo? Não há problema, temos um grande potencial de produção da mandioca, ela resolve como matéria-prima substituta para produzir o pão. Passada a crise do trigo, ninguém se lembra mais da mandioca. O combustível está caro? Não há problemas, produzimos a jatropha, e através dela, os biocombustíveis. São mais baratos, não poluem o ambiente. Passada a crise, ninguém se lembra mais da jatropha. Nova crise de combustíveis? Não há problemas, temos enormes reservas de gás no país, o seu uso é mais barato que o gasóleo. Passada a crise, o gás está esquecido, mas em outra crise, lembrar-nos-emos de que os custos de conversão não são comportáveis para o cidadão, por isso é preciso fazer estudos. Mas há problemas para resolver hoje? Damos subsídio. Se é sustentável ou não? Não importa, amanhã se vê.
E de truque em truque de ilusionismo, lá se constrói o futuro melhor deste país. É, precisamente, esta lógica de gestão que temos que abandonar.
O que aconteceu, primeiro a 5 de Fevereiro e agora ontem, é um sinal estridente de que temos que gerir o país dentro de uma ordem diferente da que o vimos gerindo; é sinal de que urgem mudanças porque o país idealizado nas mentes dos dirigentes não é o mesmo em que vivem os governados. É um perturbador sinal de que temos que aceitar discutir os nossos próprios preconceitos. Como por exemplo, a inaceitável sobreposição que se continua a fazer do partido Frelimo em relação ao Estado e ao governo.
Ontem, no auge da crise, quando todos ansiavam por uma palavra de conforto do mais alto magistrado da nação, foi o porta-voz do partido Frelimo que veio falar primeiro, em pose de estadista. Seguiu-se o ministro do Interior e, finalmente, numa lógica tão inaceitável quanto intrigante, o Chefe de Estado, bem já ao princípio da noite, quando o caldo há muito estava entornado! É inacreditável!
O Chefe de Estado é o farol orientador de um país, nos bons e nos maus momentos. É ele a voz apaziguadora e tranquilizadora das tensões sociais. Ontem, não o foi. Não soube sê-lo. Porque veio tarde demais a sua mensagem. Tudo porque, ontem, o nosso Presidente, no auge da crise, reuniu o partido no lugar do seu governo. Ou seja, mostrou que confia mais no partido que no próprio governo que lidera, quando se trata de encontrar soluções para o país. Dá para acreditar?
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