Tuesday 7 September 2010

A Opinião de Machado da Graça

Maputo a Arder

A talhe de foice



O que tinha que acontecer, aconteceu mesmo.

No momento em que escrevo as cidades de Maputo e Matola estão em pé de guerra. Veículos e pneus ardem, lojas e armazéns são saqueados, lojas, bancos e escolas estão fechados, os transportes públicos não circulam, as estradas de entrada e saída nas cidades estão bloqueadas, há postos de abas­tecimento de gasolina a arder e, pior que tudo, muitíssimo pior do que tudo, já há vários mortos e feridos a lamentar.

E, principalmente, a angústia é não saber como isto tudo vai parar.

Porque, para além da actuação da polícia, nada mais se vê que permita uma esperança de solução.

Da parte do Governo, deste governo que tanto gosta de falar das suas proezas macroeconómicas, vem um silêncio profundo, só quebrado pelo Ministro do Interior que foi à Rádio Moçambique dizer meia dúzia de vulgaridades, lidas de um papel que alguém lhe escreveu para esse efeito.

E, falando da RM, é chocante ter que dizer que a Rádio e a Televisão estatais mantiveram toda a manhã a sua programação normal, como se estives­sem numa bolha de ar, completamente separada do mundo em redor.

Órgãos de informação que fazem emissões especiais sempre que o Chefe de Estado vai cortar alguma fita num qualquer empre­endimento de menor importância, não acharam necessário alterar a sua programação num dia em que a capital do país está virada de pernas para o ar e o sangue dos cidadãos corre já nas ruas.

E existem lá jornalistas competentes, que sabem qual é a sua função. Porquê então este silêncio? Calaram-vos a boca? Quem?

Mas, volto a dizer, o principal problema é saber como isto tudo vai parar.

Na África do Sul as coisas parecem graves mas sabemos que o governo e os sindicatos estão a negociar uma saída para acabar com a greve.

Aqui não temos esse tipo de solução. A Frelimo achou que devia transformar os sindicatos em braços obedientes do Poder. E, portanto, os sindicatos não representam nada nem ninguém. Não são partes credíveis para um diálogo.

A vontade de tudo controlar fez com que não haja válvulas de segurança. De um lado estão aqueles que tudo organizam e, do outro, estão os revoltados não organizados. E, entre uns e outros, não existe uma linha de comunicação.

Entre os dirigentes, arrogantes no seu castelo de marfim, e os mani­festantes, de pneu a arder na mão, não existem pontes. Uns estão de um lado e outros do outro, sem nenhum contacto.

Disse o economista João Mosca que o que se nota é, da parte dos go­vernantes, uma total falta de pre­disposição para o diálogo. Eles é que sabem e os outros que se submetam.

Com a agravante de uns viverem em grandes mansões e se deslocarem em carrões de luxo (já para não falar dos famosos helicópteros) enquanto outros sobrevivem das migalhas que vão conseguindo (ou não...) no dia-a-dia.

Com o seu sarcasmo, o Mia Couto disse que quem estava a fazer greve eram as autoridades, que não aparecem a dar a cara. E tem toda a razão. É a greve dos arrogantes que acham que não têm que prestar contas a ninguém pois podem, querem e mandam. Para isso ganharam, com significativa dose de fraude, as eleições...

Podem-me vir falar do diálogo estabelecido nas presidências abertas de Armando Guebuza. Mas eu pergunto que diálogo pode existir entre po­pulações que pouco mais conhecem do que a sua enxada de cabo curto e aqueles seres, quase divinos, que descem do céu a bordo de seis máquinas voadoras que atroam os ares?

Quando o leitor tiver este jornal nas mãos já se conhecerão algumas respostas a estas inquietações. No momento em que escrevo essas respostas ainda não são conhecidas.

Agora uma coisa tenho como certa: Isto pode ser apenas um começo de algo muito maior e mais grave. A bronca rebentou mesmo antes da subida do preço do gasóleo, que levará, for­çosamente, à subida dos transportes e de quase tudo o mais.

O que quer dizer que atingimos um ponto em que já não há mais almofadas protectoras.

E, a partir de aqui, as coisas podem-se agravar muito.

Esperemos que eu esteja enganado...

SAVANA – 03.09.2010

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