Independência ou frustração dos moçambicanos:
O rescaldo das manifestações de 1 de Setembro
Por: Hortêncio Lopes
No dia 25 de Junho de 2010, Moçambique celebrou os seus 35 anos de independência do jugo colonial português, um aniversário que foi celebrado com muita pompa e circunstância, tendo em conta que foi a 25 de Junho de 1975 que culminaram as ilusões de liberdade do povo moçambicano submetido a dominação estrangeira desde os 90 anos, após a conferência de Berlim em 1885, ano em que Portugal assumiu internacionalmente o domínio de Moçambique.
Jovens e adultos da altura receberam com muita curiosidade e simpatia, cepticismo e gloria aquele acontecimento que sem precedentes constituía um marco histórico e inicio de uma era em que o povo moçambicano, secularmente depreciado se levantava orgulhosamente para proclamar o seu direito a liberdade e renascimento da sua dignidade humana.
Embora que Aristóteles acreditava que nenhum regime podia satisfazer totalmente o homem e que a insatisfação impelia os homens a substituir um regime por outro num ciclo interminável, tanto os cépticos como os mais optimista acreditavam que a independência moçambicana seria o motor das mudanças para uma ordem nova e que a libertação do jugo colonial traria consigo o desenvolvimento económico e social do país.
Passados trinta e cinco anos, a esperança da liberdade, dignidade e desenvolvimento sonhados por Mondlane e Samora, os principais ícones da ideologia do Moçambique moderno e próspero, mostram-se cada vez mais puras ilusões que leva a que muitos moçambicanos se sintam cada vez mais frustrados.
¬¬É justamente olhando para este facto e pelos acontecimentos do dia 1 de Setembro nas cidades de Maputo e Matola, que julgo ser necessário que se faça uma reflexão e análise das causas pelas quais Moçambique segue sendo um país prostrado, economicamente dependente do exterior, com os mais baixos índices de desenvolvimento económico e social, cuja maioria da sua população foi reduzida a indigência internacional e a uma pobreza extrema, passando de um país produtor a consumidor eterno de produtos tradicionais, como hortícolas, leguminosas e cerais.
Tal como dizia Kant, que a guerra servia objectivos da Providencia, ou S. Tom-as de Aquino que argumentava com toda convicção que os tiranos servem fins providenciais, visto que sem tiranos não haveria oportunidade para o martírio, seguramente que pode-se dizer que as manifestações de 5 de Fevereiro de 2008 e 1 de Setembro do corrente ano, são um mal necessário, embora não concordando com os métodos usados.
Alguns analistas que temos vindo a acompanhar nos órgãos de informação, procurando encontrar resposta aos fenómenos sociais que frequentemente ocorrem na sociedade moçambicana, particularmente ligados a contestações colectivas das políticas sociais pouco consistentes, dão respostas reducionistas do tipo mão invisível como sendo a causa das referidas manifestações contestatárias. É assim que a teoria da conspiração foi reiteradamente utilizada na análise das manifestações dos ditos majermanes, as manifestações de 5 de Fevereiro de 2008, o fenómeno cólera em Nampula e Zambézia e presentemente os tumultos de 1 de Setembro, apenas para citar alguns exemplos.
¬É importante notar que vivemos num tempo de perguntas fortes e de respostas débeis as quais não conseguem reduzir a complexidade das perguntas. Talvez seja esta a causa que leva que muitos problemas que são colocados às ciências sociais não tenham a resposta que a sociedade deseja encontrar.
Para além da herança colonial e dos grandes males externos e internos, Moçambique nos últimos anos tem sido alvo de excessiva ambição e egoísmo exacerbado de uma elite política local que não se preocupa pelo bem-estar dos seus compatriotas, mas sim, a sua própria satisfação e instintos primários, seja por apetência de riqueza, por gozos de poder ou por uma degeneração de costumes tradicionais, o que faz com que tenham desaparecido os valores sociais próprios dos africanos e particularmente dos moçambicanos, tais como a solidariedade, a compaixão, fraternidade e amor ao próximo.
Banalizaram-se as regras de etiqueta mais elementares de convivência humana, a morte foi desumanizada, o roubo e a mentir são vulgarizados, a injustiça comanda a justiça, o paternalismo substituiu o profissionalismo, a corrupção estimula-se, ou seja, as posições dos valores sociais dos nossos ancestrais foram trocados em nome da modernidade e democracia.
Ao analisar o levantamento popular do dia 1 de Setembro chega-se a uma conclusão bastante diferente a dos apologistas da teoria conspiratória. Estes acontecimentos nos conduzem a uma constatação de que a nossa elite política assume como fundamento que a autoridade ¬é um mero autoritarismo e o poder se converteu em dominação e o meio para obter benéficos exclusivos pessoais.
A alegria triunfal dos moçambicanos tem vindo a ser frustrada a cada dia que passa pelos governantes que copiam unicamente os defeitos dos colonizadores, em lugar de combinar os aspectos positivos dos seus ancestrais e dos idealistas do pan-africanismo, que lutavam por uma África livre de opressão e pelo progresso e bem-estar dos seus povos.
Ao se considerar as manifestações do dia 1 de Setembro como sendo produto de uma mão invisível ou uma acção de vândalos, bandidos e marginais julgo ser no mínimo uma análise reducionista da verdadeira dimensão do problema e uma aberração e insulto ao povo moçambicano, que merece muito respeito, um povo trabalhador e batalhador, cuja a auto estima é inquestionável.
O pronunciamento dos governantes que em Conselho de Ministros apelaram ao povo moçambicano para mais trabalho e produtividade, denota uma clarividência que a distância que separa entre os governantes e os governados é muito maior, dai que os governantes consideram os governados de preguiçosos ou por outra estam a governar um povo que não gosta de trabalhar. Esta percepção tem sido decorrente em muitos discursos se olhar-se pelos apelos constantes que são feitos em comícios no sentido de uma mudança de atitude, cultura de trabalho e auto estima.
Sem pretende pôr em causa os que assim afirmam, porém, gostaríamos de colocar a questão num outro ângulo de análise teórico tendo em conta as evidências empíricas da atitude empreendedora e de auto estima dos moçambicanos na sua entrega ao trabalho. Ora! sendo os moçambicanos preguiçosos e sem atitude de trabalho, como se explica que as minas sul-africanas estejam a empregar um maior número de trabalhadores moçambicanos? Como se explica que os investidores estrangeiros considerem a mão-de-obra moçambicana como sendo um dos incentivos para a sua apetência pelo Moçambique? Será que os edifícios, estradas, plantações e outros empreendimentos que foram ou estam sendo erguidos por este país fora resultam de mão-de-obra estrangeira? Que factores estruturais, político-sociais estão ao dispor dos moçambicanos para o aumento da produção e produtividade?
O trabalho é a essência do homem, ou seja, os seres humanos por natureza trabalham e cientificamente não se pode aferir que uma dada sociedade não tem a cultura de trabalhar e ninguém aceita que se lhe diga que a sua cultura ou sociedade promove a preguiça, porque esse tipo de juízo é considerado abusivo, embora que podem ser vistas diferenças de sociedade para sociedade quanto ao empenho ao trabalho.
Maquiavel dizia que é a um principie necessário ter o povo por amigo, de outra forma, não terá remédio na adversidade. Com efeito, as manifestações de 1 de Setembro embora com toda espécie de brutalidade e selvajaria, uma pratica e condenável, é no mínimo um sinal de que Moçambique precisa de um novo contrato social, onde se possam estabelecer novas regras de convívio entre os governantes e os governados, procurando sempre que possível encurtar a distancia entre ambos e com uma interacção constante. Não estamo-nos a referir de interacções do tipo presidências abertas ou governação aberta, mas sim, uma governação em que o governante não tenha atitude de arrogância diante do governado quando este exige o que lhe é de direito, que o governado tenha acesso as grandes decisões do país, que as politicas publicas sejam mais abrangentes e transparentes, que a cidadania não se circunscreva apenas na urna, Moçambique precisa, portanto que o príncipe conserve o povo o seu amigo e não lhe oprima
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