Monday 2 August 2010

Revisão da legislação eleitoral:

31/07/2010
Urge buscar consensos para aplicação das normas - Fernando Bastos, jurista português, defende que a democracia não é um processo acabado

MAIS do que consensos na elaboração das leis eleitorais, os Estados democráticos precisam de construir consensos no âmbito da aplicação correcta e transparente das respectivas normas. Esta posição foi defendida semana passada, em Maputo, por Fernando Loureiro Bastos, jurista português especializado em Direito Constitucional e Eleitoral, durante a palestra que proferiu subordinada ao tema “Arquitectura Legal para Eleições – Desafios para a Revisão da Legislação Eleitoral em Moçambique”.
Maputo, Sábado, 31 de Julho de 2010:: Notícias
A palestra, que foi promovida pelo Observatório Eleitoral, teve como objectivo debater ideias em torno do processo de revisão da legislação que norma os processos eleitorais no nosso país, processo que foi recentemente desencadeado pela Assembleia da República com vista a adequar tais normas à nova realidade política e social do nosso país.

Lourenço Bastos começou por fazer um enquadramento geral da democracia no mundo e as suas especificidades em África. Disse que embora tenha a sua base de conceitos de origem ocidental, não se deve esquecer o tempo e o espaço em que a democracia está a ser implementada. “O que desta forma se pretende evitar é a adopção de uma perspectiva estritamente abstracta, condicionada pela aplicação do modelo às sociedades ocidentais, não obstante os fenómenos contemporâneos da globalização e da integração regional”, disse.

Para o jurista, o problema é particularmente significativo no Continente Africano, onde a intenção de instaurar e difundir a democracia e o Estado de Direito não pode ignorar as características específicas de cada comunidade e território. A Constituição e as leis devem estar adaptadas à realidade desde logo, porque visam criar as condições para a subsistência da comunidade humana, que pretende estruturar, segundo explicou.

Num outro desenvolvimento, o palestrante explicou que chamar atenção para a especificidade do tempo e do espaço onde esteja a ter lugar a feitura e modificação de uma Constituição ou pacote legislativo corresponde, assim, a reconhecer que as comunidades humanas não estão todas num mesmo patamar de desenvolvimento humano e económico. Segundo o orador, este reconhecimento não colide com a projectada difusão da democracia em termos globais, mas também não ignora os problemas suscitados pela universalidade e a universalização dos direitos fundamentais.

“Importa, além disso, não esquecer que, na grande maioria dos casos, as comunidades humanas subjacentes ao Estado não são homogéneas. No Continente Africano existe, além disso, um problema específico particularmente relevante: a existência de um Estado de matriz ocidental com estrutura de poder e de organização social tradicionais. O Estado de matriz ocidental teve a sua origem na organização administrativa colonial e foi reforçado por ocasião de independências, independentemente da sua efectiva aplicação a todo o território”.


O público marcou presença para ouvir o especialista português (J. Capela)DEMOCRACIA COMO PROCESSO NÃO ACABADO

Maputo, Sábado, 31 de Julho de 2010:: Notícias
Durante a sua explanação, Fernando Loureiro Bastos fez questão de enfatizar que a democracia não constitui nenhum processo acabado em qualquer parte do mundo e que esta, tal como o próprio homem, está sujeita a erros.

Segundo referiu, a democracia não é dado adquirido em nenhuma parte do mundo, incluindo nos países em que ninguém tem dúvidas que este processo é um processo consolidado, como é o caso dos Estados Unidos.

“Nos Estados Unidos da América existe hoje uma discussão de que houve ou não manipulação na eleição do George W. Bush para Presidente do país. Efectivamente, os resultados populares indicavam uma vantagem para o candidato Democrata, AL Gore, que antes fora vice-presidente na administração Clinton. Porém, porque se trata de uma eleição indirecta, o Conselho Eleitoral, depois de várias recontagens de votos, sobretudo no Estado da Califórnia, acabou por dar uma vitória tangencial a George W. Bush. O importante de tudo aqui foi, por outro lado, a disponibilidade de Al Gore de perder as eleições e desistir de lutar por elas”, enfatizou.

Para Bastos, a manipulação das eleições pode acontecer em qualquer parte do mundo. “Há muitos estudos sobre processos eleitorais que mostram que isto pode acontecer em qualquer parte do mundo e nas mais variadas eleições, sejam elas presidenciais, legislativas, autárquicas….podem-se encontrar exemplos em todos os sítios do mundo, onde, uma coisa é a legislação, outra coisa é a sua aplicação, a forma como ela é aplicada. Pode-se, assim, distorcer os resultados se as eleições não forem feitas com o objectivo de consagrar que estas sejam transparentes, que não se quer forçar os resultados mas sim respeitar a vontade popular”, disse o palestrante.

De acordo com Fernando Bastos, a legislação “é sempre importante para que as eleições sejam transparentes, isentas e credíveis, mas não são a solução para os problemas que possam existir”.

Para se tornar o processo eleitoral justo, Bastos considera que os países, em geral, e as autoridades políticas, em particular, devem fazer opções. De entre elas reconhecer que a origem da produção política é humana e actualmente quem deve participar nas decisões políticas é a totalidade da humanidade e não uma parte.

“Portanto, só existe democracia se os resultados eleitorais são reais e não manipulados; se os dirigentes são substituídos ou mantidos no poder por vontade popular; quando a participação dos cidadãos na vida política e social do país é feita de forma livre; se o exercício dos cargos políticos é feito dentro dos prazos previamente definidos; quando existe respeito pela oposição política; quando os tribunais têm autonomia real em relação ao poder político e quando se respeitam as tradições de cada comunidade”, sublinhou o jurista português.
(Arquivo)O CASO MOÇAMBICANO

Maputo, Sábado, 31 de Julho de 2010:: Notícias
Debruçando-se especificamente sobre aquilo que chamou de “balizas constitucionais para a elaboração ou revisão da legislação eleitoral” no nosso país, a fonte começou por dizer que a legislação em vigor a abre espaço para que o sistema eleitoral seja verdadeiramente democrático. Disse, por exemplo, que a lei mãe moçambicana traz normas claras sobre como deve ser estruturada a legislação eleitoral.

“Este conjunto de normas tem duas regras particularmente importantes que são, nomeadamente, o facto de dizer que as eleições devem ser por sufrágio directo, secreto, universal, portanto, todas aquelas características que se diz hoje serem características das eleições democráticas e, também, de chamar a atenção para a necessidade de se manter o pluralismo político, ou seja, que haja uma situação de multipartidarismo, aqui é evidente que é fundamental que haja oposição”, disse.

Explicou, a propósito, que as eleições são verdadeiramente úteis quando existe opção de escolha por parte do eleitor, quando este pode escolher entre quem está no poder e na oposição.

“Em alguns países, que têm democracias que ninguém discute e que são consolidadas, por exemplo, Reino Unido, Estados Unidos, só há dois partidos, respectivamente, os Democratas e Republicanos, e, os Conservadores e os Democratas. Aliás, gora, no Reino Unido apareceu um novo partido, os Liberais Democratas. Isto significa que as democracias não precisam de muitos partidos. Devem sim, existir partidos que a opinião pública entende que são importantes para a gestão do país. O que é fundamental nestas coisas é o seguinte: o sistema eleitoral, para estar de acordo com as normas constitucionais moçambicanas, deve ter todas as condições para que as eleições sejam livres, participativas e que permita que haja várias opções em termos de partidos políticos”, enfatizou a palestrante.

Para Bastos, é também importante ter em consideração que em Moçambique, a conversão dos votos em mandatos é feita através de um sistema de representação proporcional.

“A Constituição não apresenta nenhum impedimento para que as pessoas possam votar”. Durante a sua explanação, Fernando Bastos fez questão de chamar a atenção para o facto de uma coisa serem as leis e outra ser a sua aplicação. “Para que a aplicação das leis seja também credível, é necessário que os órgãos que fazem a administração do processo eleitoral actuem no sentido de aplicar a lei de forma mais imparcial possível e no sentido de atingir os objectivos preconizados de se fazerem eleições democráticas , que se aceita que concorrem vários partidos como alternativa à governação”, referiu.
“Agora, se a população votar em massa num partido, isso não altera a democracia.

O que altera a democracia é se forem criadas as condições para afastar a possibilidade de outros partidos concorrerem para além de um que é aquele que está no poder. Agora se um partido está no poder, se perpetua no poder e isso é o resultado da vontade popular nesse sentido, não é anti-democrático. O que é anti-democrático, também, é fazer alguma coisa para manipular os resultados das eleições; criar condições para a chamada fraude eleitoral. A fraude pode ser feita de muitas maneiras: na altura da campanha eleitoral, no recenseamento eleitoral, quando se está a fazer a apreciação das candidaturas, na votação, na contagem dos votos, na apreciação das reclamações – seja do ponto de vista administrativo ou jurisdicional, se é possível ou não existirem observadores nacionais e/ou internacionais. Tudo isto tem sempre duas faces: uma coisa é o que está na lei e a outra são as condições criadas para que as coisas funcionem ou não bem”,

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