Os guineenses já deviam ter aprendido com os outros, se é que têm vontade de o fazer, como mudar as coisas para melhor
Em verdade, tudo ainda está por fazer na Guiné-Bissau, desde as vias de comunicação, a instalação do sistema de esgotos, o fornecimento regular de energia eléctrica e água, passando pela recuperação dos diques nos terrenos de cultivo de arroz, em vez de estar a importá-lo, mas de pior qualidade nos países asiáticos para o abastecimento do mercado interno. O país poderá hipotecar irremediavelmente o seu futuro em termos do desenvolvimento sustentável se não apostar seriamente na agricultura e na indústria de transformação. Nos últimos anos, o país tem enveredado por uma nefasta política agrícola que consiste na plantação de cajueiros em todo o território nacional, ocupando praticamente 60% do terreno arável.
A Guiné é mais pequena que o Alentejo, pelo que não se pode dar ao luxo de infestar a quase totalidade do seu território de árvores que não deixam crescer as ervas à sua volta nem outras espécies de árvores e diferentes culturas, além de empobrecer o solo.
Se é verdade que a economia da Guiné depende exclusivamente de exportação de castanhas de caju, também é óbvio que só com a redução substancial dos cajueiros é que permitirá a diversificação necessária na agricultura e a criação de postos de trabalho, evitando deste modo a fuga de gente do campo para cidade, mas sem nenhuma perspectiva de melhores condições de vida. A desenfreada plantação de cajueiros sem o mínimo de controlo tem efeito perverso na produtividade do país. O cajueiro é uma árvore que não precisa de tratamento, produz uma vez por ano e num período de três meses faz-se toda a colheita de castanhas, depois disso, o trabalho é só para o próximo ano. O excesso de plantação de cajueiros e o abate indiscriminado de outras árvores para a extracção de madeira bem como para obtenção de carvão de cozinha não só afectam negativamente o ecossistema, como também expõem o país à desertificação. A Guiné enferma de muitos males, mas fazendo da agricultura a força motriz do seu desenvolvimento e a reforma do sector de defesa como condição sine qua non para a estabilidade, poderá sem dúvida caminhar para a realização dos sonhos de uma Guiné melhor ainda por concretizar.
As forças armadas não podem ser transformadas em tabanca tribal e muito menos a Guiné-Bissau. Aliás, o sector da defesa requer uma profunda reestruturação, conferindo-lhe o equilíbrio étnico na sua futura composição, reduzindo o número dos seus efectivos às reais necessidades do país. No período de paz, os militares devem receber a preparação para o desempenho de actividades de carácter social, tais como a abertura de novas estradas, a manutenção das antigas, o salvamento aos náufragos, entre outras de interesse público, em vez de inutilmente desperdiçarem tempo nos quartéis.
A reforma das forças armadas, submetidas ao poder político em termos constitucionais, já devia ter sido feita há muito mais tempo, evitando assim a sua instrumentalização político-tribal por parte de alguns partidos e políticos sem escrúpulos. Mas o único culpado pelo seu adiamento sine die é o PAIGC, que, depois de terminada a guerra da independência, fez dos antigos guerrilheiros a guarda pretoriana do regime de terror instalado, cujos efeitos ainda se fazem sentir até hoje.
O envio da força de estabilização à Guiné, saudado pela esmagadora maioria dos guineenses, porque não se trata de uma força de ocupação, virá ajudar o país a sair da periclitante situação em que se encontra, ao contrário do que apregoam os profetas da desgraça, especialistas de agitação nas casernas, com o intuito de manter o statu quo em seu próprio benefício.
A Guiné-Bissau não pode continuar a sobreviver a expensas da comunidade internacional e, por outro lado, recusar o seu apoio para a criação de condições com vista ao desenvolvimento que irá libertá-la de total dependência de terceiros, como tem sido até agora. É bom que os espíritos inquietos, em desespero de causa, compreendam que ninguém estará interessado numa caixa de Pandora em sua casa. A meu ver, a ida de militares estrangeiros à Guiné só peca por tardia, porque é uma grande oportunidade de que o país dispõe para se libertar das amarras que o têm condicionado de há muito a esta parte, impedindo os necessários investimentos de capital estrangeiro e a consequente criação de empregos.
Não sei se os guineenses têm noção exacta sobre o país que são. Trinta e seis anos de independência são muito tempo nos dias que decorrem. Ora, as transformações que ocorrem na história da humanidade, já não são de cem em cem anos, mas sim, de cinco em cinco, às vezes até menos. Os guineenses já deviam ter aprendido com os outros, se é que têm vontade de o fazer, como mudar as coisas para melhor. Não podem ficar ansiosamente à espera pelos acontecimentos milagrosos. Pois, devem ser eles próprios agentes de mudança.
Depois de tantos anos a praticar uma política desastrosa, os eternos governantes ainda não chegaram à conclusão de que é preciso mudar de política que nunca serviu os interesses do país. É demasiado evidente que o PAIGC não tem projecto de desenvolvimento para a Guiné, mas continua agarrado ao poder como meio de sobrevivência dos seus dirigentes, eliminando uns aos outros para ocupar lugares que lhes proporcionem uma vida melhor, ignorando o sofrimento do povo. Continuam orgulhosamente mergulhados no seu pretenso know-how. Aliás, o presidente Malam Bacai Sanha justificou a nomeação de António Injai para chefe de Estado-Maior das Forças Armadas como acto de soberania, desprezando o princípio que rege o verdadeiro Estado soberano perante os seus indispensáveis parceiros internacionais na via do desenvolvimento.
Pois bem, a independência e a soberania são dois conceitos associados, todavia ambos de significado diferente. A Guiné é um país independente, isto é, não está subordinada à antiga potência colonial; contudo não se pode considerar soberana na verdadeira acepção do termo. Se não vejamos: um país soberano é aquele que tem autoridade suprema que se impõe em momentos oportunos, caso necessário e fazendo-se respeitar. A Guiné não está em condições de exercer a soberania sobre a sua zona económica exclusiva; o país não consegue ter o controlo sobre o seu espaço aéreo, que está permanentemente a ser violado, o mesmo acontece com as suas fronteiras terrestres. Onde é que está a soberania de um país que depende quase exclusivamente do exterior para a sustentação dos seus militares, que estão na base de permanente instabilidade, desrespeitando autoridade dos seus superiores hierárquicos, ou seja, a soberania da nação a que devem obediência?
Associação Guineense de Solidariedade Social
PÚBLICO – 16.08.2010
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