Sunday 20 June 2010

Reserva Especial de Maputo - Uma maravilha penalizada pela (falta de) Estrada

Por Emídio Beúla


No longínquo ano de 1932, uma população de elefantes concentrados em Matutuíne pressionou o governo colonial português a delimitar cerca de 700km2 do distrito como área de conservação. Volvidos 78 anos, a área passou de Reserva de Elefantes para Reserva Especial de Maputo (REM), pois os paquidermes perderam a hegemonia com a descoberta de uma rica biodiversidade. No cartão de visita da reserva, os elefantes aparecem lado a lado com outras espécies, no meio de vários ecossistemas, habitats e lindas paisagens naturais.

A REM ainda está a des­pertar para o turismo e os seus animais ainda não estão habituados a posar para a contemplação dos humanos. Um pequeno movimento ou som estranho é suficiente para pô-los a fugir para a mata densa. Mas nada ofusca a beleza do espaço. Aliás, o especial desta reserva está na combinação agradável das variadas paisagens, nomea­damente florestas de solo arenoso, florestas de terras húmidas, florestas dos pân­tanos, comunidades de man­gais e vegetação das dunas. Em algumas zonas do interior, a reserva alterna-se entre as savanas e as florestas densas. Membe, uma das planícies do interior, é um lugar estratégico para obser­var manadas de elefantes. Os hipopótamos e os crocodilos encontram o seu habitat nas diferentes lagoas (contam-se cerca de uma dezena) que fazem a descon­tinuidade da superfície.

Expansão

Actualmente, a REM tem como fronteiras a Baía de Maputo no norte, o Oceano Índico a este, os rios Maputo e Futi e uma linha de 2 km da estrada Salamanga-Ponta d´Ouro a oeste, e o extremo sul dos lagos Xingute e Piti no sul. Está em marcha um projecto de expansão da REM, que consiste na inclusão do Corredor de Futi (240 km2) e da Reserva Marinha Parcial (RMP) da Ponta d´Ouro (cerca de 700 km2). O nome de Corredor de Futi é em referência ao rio Futi e designa a passagem tradicional de elefantes da REM ao Parque de Elefantes de Tembe na África do Sul e vice-versa. O projecto de expansão enquadra-se numa iniciativa de três países, nomeadamente Moçambique, África do Sul e Suazilândia. A mesma tem duas vertentes, designadamente a Iniciativa de Desenvolvimento Espacial dos Libombos (IDEL) e Áreas de Conservação Transfronteiriça dos Libombos (ACTF).

A inclusão das duas áreas não só vai aumentar as di­mensões da REM, como também vai torná-la a área protegida mais abragente em termos de ecossistemas, habitats e biodiversidade no país.

A RMP Ponta d´Ouro é uma variada fauna marinha e costeira, que inclui baleias, golfinhos, inúmeras espécies de peixes e aves e tartarugas marinhas que se nitidificam ao longo dos aproxi­madamente 98 km da sua extensão (de Ponta d´Ouro à foz do Rio Maputo). A isso juntam-se as praias que se estendem ao longo da costa, com destaque para as pontas Malongane, Madejanine, Ma­moli, Techobanine, Dobela, Milibangalala, Membene e Chemucane. Estas praias oferecem um potencial de mergulho e pesca de lazer. Da Ponta Techobanine à Dobela, encontra-se um dos oitos maiores recifes de corais do mundo.

A criação da RMP Parcial da Ponta d‘Ouro, no distrito de Matutuíne, província de Maputo, sul do país, foi aprovada pelo Conselho de Ministros em Julho de 2009 com vista à preser­vação e protecção das espécies marinhas, costei­ras e seus habitats.

O decreto que aprova a criação desta reserva marinha visa pôr fim à onda de desman­dos que há muito se registavam na Ponta d‘Ouro, com destaque para a pesca semi-industrial, construções desordenadas de infra-estruturas e condução de veículos ao longo da praia.

A fauna

A última contagem realizada em 2008 registou 350 elefantes, numa reserva inicialmente criada para proteger estes paquidermes. Perguntámos à administradora Custódia Banze se o número não significava poucos elefantes? A resposta foi nega­tiva e a argumentação circuns­creveu-se nos dois conflitos armados que o país viveu. A luta pela Independência e a guerra dos 16 anos.

Mas foi no último conflito armado (de desestabilização para uns e de democracia para outros) que a população de elefantes “ficou muito redu­zida”. Em Outubro a conta­gem será actualizada e o ecologista da reserva está optimista. “Há muitas crias de elefantes”, observa Rodol­fo Cumbane, o ecologista que teve uma pas­sagem pelo PNL como admi­nistrador. Com um apa­relho GPS (Sistema de Posi­cio­namento Global) na mão, Cumbane percorre as pi­cadas da reserva numa Toyota Land Cruiser (4x4) e faz registos das coordenadas terrestres sempre que obser­va um animal.

“Ainda não estão habitua­dos a seres humanos, fogem com facilidade”, disse quando lançava dados de dois elefan­tes posicionados perto das dunas da Ponta Milibangalala na manhã de sexta-feira última.

A REM tem um projecto de repovoamento das espé­cies. A estratégia é de introduzir 1500 espécies em cada três anos. Os planos nem sempre são cumpridos, pois depen­dem muito da disponi­bilidade das outras áreas em fornecer algumas espécies.

A população dos changos, uma espécie muito procurada pelos furtivos, lidera a lista quantitativa. “Na contagem de 2008 rondavam perto de 800”, assinala Cumbane.

Caça furtiva

Natércio Ngovene come­çou o seu curriculo de fiscal de áreas de conservação no PNL (Parque Nacional do Limpopo) em 2001. Chegou a chefiar a equipa estacionada no posto de Mapai. Em Maio de 2009 ele é transferido para coman­dar a equipa de fiscalização na REM. “Quando cheguei até ouviam-se disparos de furtivos em pleno dia”, lembra. A caça furtiva estava em alta e desafiava a diversidade de pequenas espécies na área. Cabritos vermelhos, cinzentos e changos eram abatidos para abastecer o mercado da cidade de Maputo. Com uma equipa de 12 fiscais, Natércio criou dois grupos móveis e intensificou o diálogo com as comunidades. “Expliquei que caçar no interior da reserva era ilegal. Criamos fóruns comu­nitários de diálogo que servem de elo de ligação entre a reserva e as comuni­dades”. A estratégia está a dar resultados “positivos”: sete armas de fogo apre­endidas, 800 armadilhas, 18 furtivos captu­rados – entre eles três sul-africanos, só para exempleficar. Mas Natércio diz que ainda é cedo para reivin­dicar ganhos. “Aqui ainda temos ca­çadores furtivos. Muitas pes­soas têm armas, ou­tras fabricam nas suas casas e com­pram muini­ções de calibre 12”.

Que ganham as comunidades?

A legislação sobre as áreas de conservação diz que as comunidades que vivem no perímetro de cada reserva ou parque têm direito a receber, anulamente, 20% das recei­tas geradas. A REM ainda está em processo de restau­ração e só em 2007 é que começou a desembolsar o valor para comunidades. No primeiro ano, cada co­muni­dade (quatro no total) rece­beu 47 mil meticais, mas em 2008 e 2009 o valor reduziu para 22 mil e 12 mil meticais respectivamente. “Tivemos poucos turistas nos últimos dois anos e as nossas receitas baixaram”, explica a administradora.

No interior do parque só existem três acampamentos. Mas Custódia Banze asse­gura que o problema da falta de alojamento será ultrapas­sado com as concessões de áreas de exploração a priva­dos. Para as pontas Dobela e Milibangalala já houve pré-selecção dos candidatos. Para a Ponta Chemucane, o Estado concessionou a área para três comunidades (duas estão no interior da reserva e uma fora) que formaram a associação “Ahizamene Chi­mucane”. Este grupo já tem USD 500 000 financiados pelo Banco Mun­dial para explorar a área em parceria com um privado. O concorrente que deverá juntar-se à associação comunitária já foi apurado, mas a adminis­tradora não revelou o nome. “Este privado tem de trazer um valor para entrar em parceria com as comunidades que já tem dinheiro (USD 500 000) e uma licença de terra”, contou Custódia Banze, expli­cando que em áreas de con­servação o Estado não dá o DUAT (Direito de Uso e Apro­veita­mento de Terra), mas sim uma licença.

Elefantes e as comunidades

A fronteira terrestre da reserva está quase toda ve­dada (vedação eléctrica), incluindo o Corredor de Futi (caminho tradicional dos ele­fantes de Maputo para RSA e vice-versa). As po­pulações que vivem na zona tampão da reserva respiram de alívio, pois os elefantes já não transpõem o perímetro de conservação para invadir machambas e destruir cultu­ras. Amosse Tembe, 42 anos, vive na zona tampão da reserva. Em Guen­gue, sua comunidade, a veda­ção ainda não cobriu toda a zona e os elefantes continuam a tirar-lhe o sono. “Em 2009 não cultivamos nada, porque os elefantes comem tudo”, disse em Ci­chan­gana mis­turado com Zulu. Tembe parece estrangeiro numa comunidade em que ele é “líder”. Tem muitas difi­cui­dades em falar na língua local e não entende a língua por­tuguesa. “Viví 25 anos na África do Sul e foi lá onde estudei”. Isso devido ao conflito armado. Voltou à terra natal em 2008 por “força dos espí­ritos” que o pressionavam para ocupar o posto de chefe da comunidade que continuava vago. Há-de ser por isso que ele nem conhece quantas famílias vivem em Guengue, para não falar em pessoas. “Sou muito novo” reconhece. Paradoxalmente, ele afirma que a sua comunidade é de origem e a reserva veio posteriorimente. Guengue não tem nenhuma infra-estrutura e a comunidade foi se recons­truindo depois da assinatura dos Acordos de Paz em Roma (1992). A escola primária mais próxima fica a aproxi­mada­mente 15 km, concretamente no posto administrativo de Zitun­do. O posto de saúde está mais distante ainda, em Sala­manga. A água de consumo é tirada dos charcos.

A queima de carvão vegetal é a principal actividade na zona pouco habitada. “Nós não caçamos animais na reserva. São pessoas que vêem de fora com armas e carros”, disse, negando qualquer envolvi­mento na caça furtiva. Através do seu telemóvel, Tembe avisa os fiscais da reserva sempre que suspeita a presença de caçadores furtivos nas imediações da reserva. “No último sábado (5 de Junho) ele ligou-nos a informar sobre uma movi­men­tação estranha perto da re­serva”, Custódia Banze, confir­mando as palavras de Tembe.

No meio de uma mata densa que serve de quintal, Tembe vive com a esposa e cinco filhos. A habitação resume-se a duas pequenas cabanas.

Alívio para uns e sofrimento para outros

Satisfeito com a vedação está Jeque Chacate, régulo de Madjadjene. No seu regu­lado estão sete comunidades que vivem na zona tampão da reserva. “Agora cultivamos, dormimos descansados, já não há proble­mas com os ele­fantes”, anotou, repetindo que a vedação ajudou a melhorar as suas vidas. Chacate conta sete anos de batalha contra os elefantes e diz mesmo que depois da guerra das armas (em referência ao último conflito armado) seguiu-se a dos paquidermes. Destruição de culturas, principalmente milho, de árvóres de fruta e ataques (às vezes fatais) à pessoas, eram os principais estragos. “Colocamos o pro­blema várias vezes ao Go­verno e, finalmente, já temos a resposta”, congratula-se. Vencida a guerra contra os elefantes, agora é contra os hipopótamos do rio Maputo. “São muitos e ano passado destruíram as nossas cul­turas”, disse, sossegando que este ano a situação está normalizada por houve abates autorizados.

Tal como Tembe, o régulo de Madjadjene diz que a reserva é posterior ao seu regulado. Hoje ele conta com 62 anos de idade, três esposas e 12 filhos. Para não variar, Chacate teve uma passagem pela África do Sul antes de se tornar régulo.

Entretanto, a vedação eléctrica parece que não resolveu definitivamente o conflito/homem fauna bravia, pois os paquidermes viraram agora as suas atenções para o interior da reserva.

Se antes atacavam fora do perímetro, agora fazem incur­sões contra cerca de 670 pessoas que vivem no interior da reserva. A administradora da REM desespera: “Quem sofria muito com ataques de elefantes é a população que vivia na zona tampão da reserva. Agora que vedamos a reserva e o corredor, os elefantes atacam as comuni­dades no interior”. No total são quatro comunidades: duas já pediram à administração da reserva a vedação da sua zona. Mas Custódia Banze é categórica na resposta: “não podemos fazer isso, não podemos criar uma espécie de ilhas no interior da reserva”. A solução ideal é o realo­jamento. Mas vai demorar. “Há uma política de mitigação do conflito homem/fauna bravia aprovada pelo Conselho de Ministros em 2009, mas quanto à REM ainda não há nenhuma decisão nesse sen­tido”, ex­plica a administradora. Ela conhece bem a reserva que dirige desde 2008, pois está lá pela segunda vez. “De 2002 a 2004 trabalhei aqui como oficial das comunidades. Depois fui para Gorongosa trabalhar como coordenadora do centro de formação de fiscais”, explica. Dentro da reserva, Custódia não parece uma burocrata. Está sempre vestida de uniforme, e para quem não a conhece pode a confundir com um fiscal no meio de 60 funcionários.

Estrada penosa

A REM fica a aproximadamente 150 km da capital Maputo. A viagem é penosa e dolorosa. Para quem segue pela via Ka Tembe, o aviso à navegação começa logo depois de abandonar o FerryBoat. A via de Boane é uma alternativa de curto prazo. O asfalto acaba a cerca de 40 km da capital. O remanescente é feito de picada que em tempos foi estrada de terra batida. Quando chove, pequenas lagoas formam-se ao longo do troço, criando descontinuidades embaraçosas. O anúncio da reabilitação da estrada Maputo – Ka Tembe – Ponta d´Ouro feito esta segunda-feira em Maputo, durante a assinatura da escritura pública da constituição do luso-moçambicano BNI (Banco Nacional de Investimentos), foi uma lufada de ar fresco para turistas, gestores, operadores e outras partes com interesses na REM e na sua vertente marinha. Lembre que o recém-criado BNI vai financiar a reabilitação (na verdade aquilo será reconstrução) da estrada que liga Maputo à Ponta d´Ouro, incluindo a construção da ponte Maputo-Ka Tembe.

SAVANA – 18.06.2010

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