Sunday 6 June 2010

A Opiniao de João Mosca

35 Anos de Independência

ECONOMICANDO
Por João Mosca
Celebra-se a 25 de Junho o 35º aniversário da independência de Moçambique. Uma data que será sempre recordada.
Alguns nomes ficarão merecidamente na história como heróis da luta de libertação nacional. Não existem dúvidas e sem qualquer margem para questionamentos que foi a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) que catalizou o sentimento, o desejo e a revolta dos moçambicanos a partir de 1962. Ela foi a força principal da luta que conduziu Moçambique à independência.

Mas já é discutível quando se pretende monopolizar os dividendos políticos (e não só) dessa conquista. Secundariza-se grande parte dos contributos de fora da FRELIMO. De pessoas e organizações que na clandestinidade ou que dentro do próprio regime colonial prestaram importantes contributos. Quase que se ignora o papel das forças progressistas em Portugal no derrube do regime que a todos oprimia (não é consistente separar os dois processos). O papel de pessoas, organizações e países que contribuíram para o isolamento político de Portugal.

Este texto refere-se aos 35 anos depois da independência. Apresenta-se factos e alguns indicadores (a sequência não obedece a qualquer critério):
• Em 35 anos, saiu-se do colonialismo pouco desenvolvido e iniciou-se um projecto socialista inspirado em realidades diversas, aplicado de forma radical e com graves erros. A partir de meados dos anos oitenta, iniciou-se a transição para uma economia capitalista ineficiente, selvagem e politizada. São as chamadas mudanças pendulares de grande amplitude nas políticas e nos modelos económicos, que se traduzem necessariamente por rupturas, ineficiências e mudanças de alianças sociais e de grupo de interesse. Ou talvez, a demonstração da incapacidade de definir e fazer politica económica interna (nacional).
• Em meados dos anos 80 do século passado, o rendimento per capita era de 80 dólares, o mais baixo do mundo. Hoje é de cerca de 350 US$, menos de um dólar por dia e habitante, o que representa um avanço significativo.
Numa outra perspectiva, o mesmo indicador em 1973, segundo Magid Osman e Saúte (2009) no livro Desafios para Moçambique 2010 (página 326), era de “USD 418, o que em termos de dólares de 2009, equivale a USD 2000”, seis vezes mais o actual. No Índice de Desenvolvimento Humano (Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, PNUD), Moçambique ocupava em 2006 o lugar 172 numa lista de 182 países.
• A dependência económica medida pelos principais indicadores macroeconómicos aprofundou-se. Os gastos públicos são financiados em mais de 50% com recursos externos. Nos últimos anos, entre 75 e 80% do total do investimento é externo. Em 2006 cerca de 83% das exportações realizaram-se em seis produtos - alumínio, energia, gás, tabaco, camarão e açúcar -, e 56% do total destinava-se a dois países - África do Sul e Holanda (Standard Bank). Seria complicar a análise debater se, com a independência, os centros de decisão económica passaram a localizar-se em Maputo.
• Moçambique tem crescido na última década a uma média de 7 a 8%, o que é positivo. Mas seria muito melhor que esse crescimento não aumentasse as desigualdades sociais nem aprofundasse as assimetrias regionais. Segundo o Relatório Nacional (de Moçambique) de Desenvolvimento Humano de 2005, a média real do PIB per capita entre 2002 e 2004 era na cidade e província de Maputo entre 4 e 5 vezes superior ao de todas as restantes províncias, excepto Sofala.
• Tornar o país auto-suficiente em alimentos em três anos era um dos grandes objectivos imediatamente após a independência. Hoje o discurso é de acabar com a fome em três anos. Segundo o documento Estratégia de Desenvolvimento Rural do MPD (2007: 11), “a produção agrícola per capita do País encontra-se presentemente nos níveis de há 50 anos atrás”. Trinta e cinco anos depois, estima-se que pelo menos 50% dos moçambicanos vivam por debaixo da linha de pobreza (menos de 1 USD/por dia/habitante). Há textos que fundamentadamente revelam que nos últimos 4 a 5 anos a pobreza não reduziu, pelo contrário. Apesar destes factos e números, hoje a maioria dos moçambicanos têm as suas vidas globalmente alteradas para melhor (liberdade política como Nação, liberdades individuais, oportunidades de vida, afirmação cultural e das identidades), comparativamente com o período antes da independência. Em termos económicos, para alguns, persistem dúvidas sobre essas melhorias. Para outros não há dúvidas: piorou.
• A saúde foi sem dúvida uma prioridade reflectida nas primeiras grandes decisões políticas. A nacionalização dos serviços de saúde foi uma das primeiras grandes medidas após a independência no contexto da política desse período e que ainda hoje é dos sectores com maior orçamento público. Sem dúvida que os centros de saúde se multiplicaram, assim como o acesso dos cidadãos e a quantidade de técnicos. Mas Moçambique é hoje um dos dez países do mundo com maior prevalência de HIV-SIDA. O relatório de Desenvolvimento Humano de 2008 do PNUD, indica que a população 20% mais pobre estava na penúltima posição na taxa de mortalidade infantil dos 177 países analisados – considerando também os 20% dos mais pobres desses países (ocupava o lugar 176 em 177 países, apenas superado pela Serra Leoa). O atendimento nos serviços de saúde está repleto de queixas. Recentemente os doentes internados num hospital de Nampula tiveram que dele sair por falta de alimentação.
• Havia muito poucos técnicos moçambicanos. As escolas multiplicaram-se. Formaram-se milhares de licenciados e bastantes com formação pós graduada. Mas não há dúvida sobre a deterioração do ensino que termina por colocar em dúvida a política da massificação do ensino sem qualidade.
• Milhares de moçambicanos morreram, ficaram mutilados, órfãos e com capacidades diminuídas numa guerra que apesar de possuir uma origem e incentivos externos teve causas internas. E destas, alguns evitam referir. Assim como não se fala da pena de morte e da chicotada, dos campos de reeducação e da operação produção, dos massacres, dos desaparecidos e assassinatos. Em algum momento o pacto de silêncio não será mais efectivo. Ter medo da história real ou pelo menos de parte dela, é mau sinal!
• Após quase duas décadas de democracia, verificaram-se avanços nas liberdades, nos direitos individuais dos cidadãos, na concepção e alguma prática de um sistema político mais aberto. Mas permanece um regime quase monopartidário, a sociedade civil não se afirma com poder reivindicativo, mantêm-se zonas de pouca delimitação entre o que é o partido no poder, o Estado e as empresas públicas, entre política e negócios, é duvidosa a independência dos poderes democráticos (político, executivo e judicial) e há demasiadas agressões aos direitos humanos. O jornal Savana de 2 de Outubro de 2009, reportando-se a um relatório do MISA (Media Inatitute of Southern Africa), afirma que as instituições públicas de Moçambique são as mais secretas da África Austral.
• Ao fim de 35 anos construiu-se o aparelho de Estado moçambicano maioritariamente constituído por técnicos moçambicanos, ao contrário do período imediatamente após a independência. Mas é débil (ou foi propositadamente debilitado), os documentos de estratégias sectoriais são pobres e não são claros os caminhos futuros. O discurso da não partidarização do aparelho de Estado é simplesmente ridículo.
• Algumas grandes e importantes obras de infra-estruturas foram construídas. Mas o património imobiliário nacionalizado e posteriormente privatizado beneficiando principalmente os “nacionalizadores” deteriora-se, a rede secundária e terciária de estradas não é mantida. Finalmente, ao fim de 35 anos, começa-se a falar de um programa para a habitação.
• A cultura moçambicana emergiu com força, vitalidade, criatividade e como afirmação de identidades nacionais que compõem um rico mosaico social, mesmo que sejam limitados os recursos e apoios para estes sectores.
• Sobretudo nos últimos 25 anos, Moçambique tornou-se dos países onde a percepção de corrupção é das maiores do mundo e os órgãos de informação referem frequentemente casos a todos os níveis. Moçambique, segundo o
Informe Global de 2009 da Transparency Internacional, ocupava o lugar 141 em 181 países nesse indicador.
• Há escritos que referem ser Moçambique um importante país no tráfego de droga. Também de crianças, mulheres e órgãos humanos. O crime violento faz duvidar sobre o grau de infiltração na polícia ou sobre o nível de gangsterização do próprio Estado.
• O colonialismo e depois o projecto socialista, não permitiram a emergência de capitalistas moçambicanos. Depois da liberalização económica, há mais de 20 anos, poucos são os empresários que acumularam capital em sectores produtivos, que são hoje eficientes e competitivos. Uma grande parte dos empresários emergiu com apoios de transparência duvidosa, em promiscuidades entre a política e os negócios, fortemente protegidos pela FRELIMO, pelo Estado e por “figuras” da sociedade e quase sempre atrelados a investidores externos. Também por isso Moçambique é hoje dos países menos competitivos do mundo: em 2008-2009, ocupava o lugar 130 num ranking de 134 países (The Global Competitiveness Report 2008–2009, World Economic Fórum). No mesmo ano, ocupava o lugar 135 num ranking de 183 países no indicador ambiente de negócios (Doing Business 2009, The World Bank).
• Moçambique sempre praticou uma diplomacia hábil de não conflitualidade, onde o objectivo principal é a maximização da captação de recursos externos. Moçambique goza hoje de uma apreciação positiva. Seria interessante saber quem e porquê assim nos classifica, comparando com quem e em que contextos. Neste caso, talvez fosse preferível sermos menos “bons alunos”.
• Moçambique contribui de forma importante na libertação da África Austral dos regimes minoritários e do apartheid. Foram decisões políticas históricas com elevados custos económicos e sociais.
• Apesar da guerra e das tentativas de balcanização do país, Moçambique manteve-se como Estado e não pertence aos estados falhados deste mundo. Mas existe a tese fundamentada que Moçambique é um Estado falido.
• Ao fim de 35 anos pode-se questionar sobre o modelo de sociedade em construção onde os valores da ética, do mérito e da solidariedade escasseiam, abundando o cabritismo, o xico-espertismo, a corrupção, a riqueza fácil e o escovismo.
As justificações do colonialismo, da guerra, dos factores externos e das calamidades, embora importantes, não são suficientes e são geralmente manipulados na propaganda política. Pensar nos 35 anos da independência é muito mais que politizar a realidade, ideologizar os discursos, reivindicar paternalidades de feitos. Os debates à la banja em ciclos fechados e desvirtuosos estão desgastados e desacreditados. É intelectualmente mais sério, é um exercício de cidadania e é mais útil analisar os 35 anos com abertura intelectual, sentido crítico e plural e pensar no futuro do país e dos cidadãos com liberdade e, sobretudo, pensar em políticas que permitam um desenvolvimento endógeno, o projecto matriz da independência. Pensar no país é mais importante que a agenda de cada um em ambiente de selvajaria económica e ética. Seria interessante ouvir qual o ideal de pais que a elite do poder possui. Dizê-lo, seria uma boa forma de comemorar os 35 anos. Duvido que isso aconteça porque existe um vazio de ideais e de sonhos para Moçambique.
SAVANA – 04.06.2010

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