Thursday 24 June 2010

Cheias no Zambeze

Pais e filhos, habituados a deixar as suas casas cedo para ir cultivar a terra, ficam em casa a olharem-se uns aos outros. Não têm nada para fazer nem para comer. A seca destruiu todas as culturas. Há fome e falta água para consumo, mas no rio há crocodilos. As poucas culturas junto às zonas ribeirinhas e ilhotas do “Zambeze” foram com a fúria das águas deste que é o maior rio do país e a semente lançada à terra no sequeiro “sucumbiu” com as altas temperaturas e a falta das chuvas.
O “Notícias” esteve lá e constatou a situação, que vai de mal a pior. O sofrimento é tal que não aconselha a discursos. Exige, isso sim, acção e medidas proactivas para minorar o drama. Há falta de quase tudo. Sem água, comida e dinheiro as populações de Tambara passam dias a fio de estômago vazio.
Mesmo com o rio Zambeze a “serpentear” o distrito de uma ponta a outra, Tambara tem problemas de água para consumo e nem consegue aproveitá-la para a irrigação dos seus campos agrícolas, deixando-a perder-se no Oceano Índico.
Contrariamente a Tambara, em povoações longínquas do “Grande Zambeze” há esforços e financiamentos para a construção de represas que ajudam na irrigação de hortícolas.
O exemplo disso vem de Buzua. Camponeses locais, apoiados pelo Governo, conseguem reter parte das águas de um riacho e com ela irrigam os seus campos.
Nhacolo, Sabeta, Nhachenge (todas estas localidades de Tambara) e outras povoações ribeirinhas assistem impotentes as águas do Zambeze a rumarem para o mar. Basta uma pequena chuva, o “Zambeze” galga as machambas e quando a Hidroeléctrica de Cahora Bassa abre as comportas inunda e desaloja.
Quando se abre poço ou furo, mesmo à beira do rio, brota água salobre, mas não há indicações de que as autoridades estejam a pensar em aproveitar a água doce do “Zambeze” para o consumo humano. É que ela precisa de ser tratada, mas não há condições, nem para captação muito menos para o tratamento.
Quando se arranja dinheiro é para abertura de poços e furos e não para o aproveitamento do potencial hídrico do Zambeze, para, de uma vez por todas, resolver a problemática de falta do chamado precioso líquido para consumo.

ALIMENTAR-SE DE RAÍZES E DE FRUTOS SILVESTRES


Maputo, Quinta-Feira, 24 de Junho de 2010:: Notícias

A CAMPANHA agrícola 2009/2010 foi um total fracasso. Cerca de 33 mil pessoas, de um total de 41.775 que habitam o distrito de Tambara, que vive basicamente da agricultura, não colheram nada na presente safra. Atravessam neste momento uma grave crise alimentar e necessitam de apoio alimentar urgente.
Das 35.557 toneladas de culturas diversas que os camponeses esperavam colher, numa área de 24.014 hectares, o distrito não conseguiu recuperar a totalidade dos esforços daqueles que viram as suas culturas destruídas pela seca.
Na sequência deste problema, os índices de subnutrição já são notórios em crianças e adultos que neste momento se alimentam de raízes e de frutos silvestres. O administrador distrital, Gilberto Canhenze, classifica a situação de “dramática”, mas foi peremptório: a nível do distrito pouco ou nada se pode fazer para mitigar a situação.
O recurso aos parceiros de cooperação é a única janela encontrada pelo Governo de Tambara para minimizar o défice alimentar no distrito. Foi neste contexto que Canhenze falou de um programa de apoio directo em géneros alimentícios que, entretanto, não poderia abranger a todos os afectados, priorizando os vulneráveis, entre idosos, doentes, crianças órfãs e deficientes.
Os apoios que têm vindo a ser canalizados, através das organizações doadoras, de acordo com a fonte, não satisfazem as necessidades de todos os afectados, que na sua luta pela sobrevivência têm vindo a apresentar a preocupação aos governantes que escalam o distrito.
Foi assim que recentemente em Sabeta uma anciã do bairro Nhauchenge, que acolhe deslocados das cheias, apresentou, num comício orientado pela governadora de Manica, Ana Comoana, frutos silvestres e capim com que se alimenta a população local por falta de comida.
Algumas das raízes, em Tambara, são venenosas. Para a eliminação da nocividade do tubérculo as autoridades locais recomendaram um processo de decantação, através da cozedura.
Aliás, conforme testemunhou a nossa Reportagem em Nhauchenge e um pouco por todo o distrito de Tambara, vive-se presentemente, momentos difíceis. Há casos de famílias inteiras que passam dias sem comer, o que provoca a debilidade física dos seus membros.


Cria-se muito cabrito no distrito, mas ninguém come sua carne (Arquivo)
PROIBIDO PLANTAR ÁRVORES DE FRUTA


Maputo, Quinta-Feira, 24 de Junho de 2010:: Notícias

CASOS de subnutrição estão a aumentar no distrito de Tambara. Não há dados oficiais, mas há sinais visíveis no terreno de que o fenómeno tomou conta da região. A fruta poderia minimizar a situação, mas a população pura e simplesmente não planta árvores de fruta. Reza a tradição local que “plantando uma árvore de fruta, basta ela começar a dar frutos o indivíduo morre”.
Em Tambara plantar uma árvore de fruta significa candidatar-se à morte. Quando isto acontece normalmente anciãos locais encontram formas de arrancar a planta, à revelia e à noite, porque deixá-la crescer equivale a aceitar a morte do indivíduo em causa.
Um exemplo concreto é a orientação presidencial de “um aluno, uma planta por ano” que, em Tambara, está a encontrar resistência. O administrador reconhece estar a enfrentar dificuldades de promover a iniciativa, uma vez que as crianças não são permitidas, pelos respectivos pais, plantar árvores de fruta.
Quando não há milho, mapira, mexoeira, batata-doce e hortícolas não há alternativa para minimizar os efeitos nefastos da fome. O pior é que em Tambara é proibido comer carne de cabrito, num distrito considerado como um dos maiores produtores de gado caprino, criando também gado bovino e suíno. De acordo com o administrador, os efectivos de caprinos são estimados em 58 mil, de bovino 3194, suínos (mais de sete mil) e ovinos (mais de dois mil).
Segundo Canheze, em Tambara não se abate nenhum daqueles animais para consumo. Diz-se, por exemplo, que comer carne de cabrito provoca azar e pode causar a morte, sobretudo entre crianças.
Satisfaz aos criadores de Tambara, segundo Canhenze, contemplar o número de cabritos, vacas ou porcos, enquanto morrem a fome e vivem em situação de pobreza extrema. Regra geral os habitantes da região alimentam-se de verduras acompanhadas de farinha de milho ou outro cereal.
O leite fresco, seja ele de cabra ou de vaca, não fazem prática dos hábitos alimentares da região, sobretudo entre as crianças. A única carne não proibida é a de galinha, o mesmo não acontecendo com os ovos desta, alegadamente porque influenciam negativamente na maturidade sexual dos adolescentes e jovens.

CASA DE ALVENARIA “GUIA” PARA A MORTE


Maputo, Quinta-Feira, 24 de Junho de 2010:: Notícias

CONSTRUIR uma casa de alvenaria e morar nela é bastante perigoso, pois diz-se que esse acto pode levar à morte. Segundo o administrador Gilberto Canhenze, esta informação faz parte do conjunto de tabus da região e transmitida de geração em geração.
Por força desse tipo de conhecimento, alguns deslocados devido às cheias recusaram-se inicialmente a receber as casas atribuídas no âmbito do programa de reassentamento, situação que viria a ser invertida após um trabalho de sensibilização feito pelas autoridades locais.
Aliás, o próprio Presidente da República, Armando Guebuza, e sua esposa, Maria da Luz, confrontaram- se com esta realidade aquando da sua passagem, em 2009, por Tambara. Na altura Guebuza pediu aos beneficiários para que acelerem o processo de participação no projecto de construção das casas, deixando para trás tabus e preconceitos que atrasam a vida dos seus habitantes.
Para além de Tambara, a fome afecta outros cinco distritos da província. Dados recentemente fornecidos pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) apontam Gondola, Machaze, Macossa, Báruè e Guro como tendo bolsas de fome. A fraca colheita verificada na campanha agrícola transacta, bem como a estiagem, aridez dos solos e a comercializaçã o desenfreada da produção da campanha passada pelos próprios camponeses são apontadas como sendo as causas.
O distrito mais afectado pela fome é Gondola, com 33.209 pessoas, seguido de Machaze com 17.141 e Macossa com 2335. Guro e Báruè somam 1355 e 1300, respectivamente.
Para acudir minimizar o drama, o Governo Provincial de Manica tem vindo a desdobrar-se em acções de mobilização de ajuda humanitária, através das organizações doadoras nacionais e estrangeiras que operam na província.
O delegado do INGC naquele ponto do país, David Elias António, disse na ocasião que para atender a população carenciada a província necessitava de pelo menos 1870 toneladas de produtos alimentares diversos, sendo 1.661.7 de cereais e 199.408 de legumes, para além de 33.223 litros de óleo vegetal.
Fora a ajuda alimentar, o Governo de Manica providenciou sementes para distribuir as 11.717 famílias camponesas, o correspondente a aproximadamente 60 mil pessoas. No global, de acordo com a fonte, foram disponibilizadas 370 toneladas de semente de milho, 320 toneladas de mapira, 144 toneladas de feijões, 707,18 quilos de sementes de hortícolas e dois milhões e 200 mil pés de marisqueiras.

Victor Machirica

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