A protecção do ambiente no Plano Quinquenal do Governo para 2010 – 2014
Quarta, 26 Maio 2010 09:01 Carlos Manuel Serra .Carlos Manuel Serra
O Plano Quinquenal do Governo para 2010 – 2014 pela Assembleia da República foi aprovado através da Resolução n.º 4/2010, de 13 de Abril.
Procurarei descortinar no referido instrumento o papel do Governo na protecção do ambiente nos próximos cinco anos, identificando e analisando os grandes objectivos estratégicos e as acções prioritárias dirigidas a materializar o interesse público constitucionalmente consagrado em relação ao ambiente e qualidade de vida (Cfr. Artigo 117 da Constituição de 2004), e aproveitando a presente oportunidade para os divulgar junto de todo e qualquer interessado.
Em termos muito gerais, senti no Plano uma certa leveza e superficialidade no tratamento das questões ambientais. Elas estão lá, isso não se discute, mas poderiam ter sido melhor definidas e tratadas como objectivos e acções. A causa poderá residir, porventura, numa eventual fragilidade associada a quem deveria alimentar o Plano Quinquenal, não sabemos. Mas o facto é que, nos tempos que correm, tendo presente a problemática ambiental à escala mundial e nacional e o compromisso internacional em relação às grandes questões da actualidade, bem como a forte interacção entre a degradação ambiental e a pobreza, seria de esperar muito mais.
Veja-se que, com objectivo central foi definido o “combate à pobreza para melhorar as condições de vida do povo moçambicano em ambiente de paz, harmonia e tranquilidade”. No que diz respeito aos objectivos gerais, foram definidos quatro (4): (1) consolidação da unidade nacional, paz e democracia; (2) combate à pobreza e promoção da cultura do trabalho; (3) boa governação, descentralização, combate à corrupção e cultura de prestação de contas; (4) reforço da soberania. Sou da opinião que faltou efectivamente definir, pelo menos, o desenvolvimento sustentável como prioridade, nas suas dimensões económica, social e ambiental, para a presente e futuras gerações de moçambicanos.
O ambiente foi mais uma vez perspectivado como questão transversal, juntamente com a desminagem, a redução do impacto da vulnerabilidade às mudanças climáticas, o HIV/SIDA, o género, a segurança alimentar e nutrição e o desenvolvimento rural. Isto não constitui problema, pelo contrário, a questão ambiental deve ser, efectivamente, transversal a todas as linhas de intervenção do Governo e, nesse sentido, encontramos diversas alusões à questão ambiental na análise dos objectivos e acções governamentais por cada sector ou área de actividade. O problema reside, unicamente, na forma como o ambiente, enquanto assunto transversal, foi autonomamente tratado no Plano Quinquenal.
Verifiquei, desde logo, uma certa tendência para reproduzir o que constava nos planos anteriores, indiciando pouca capacidade de inovação, bem como de resposta ao disposto na legislação aprovada nos últimos anos e nas convenções e protocolos internacionais que passaram a vincular o Estado moçambicano. A fragilidade é particularmente notória quando se compara o conteúdo desenhado para o ambiente em relação aos conteúdos desenhados para os demais assuntos. O mesmo diga-se em relação ao espaço dedicado ao tema tão importante na actualidade – pouco mais de meia página no total de 41 páginas que compõem o Boletim da República no qual foi publicado o Plano Quinquenal.
Segundo o Plano Quinquenal, “o sucesso no combate à pobreza pressupõe que, em todas as áreas de actividade, seja tomada em conta a preservação do meio ambiente, através do uso racional dos recursos naturais, com base numa planificação e controlo correctos das actividades humanas”, sendo que “o Governo continuará a promover a integração dos aspectos ambientais nos processos de formulação de políticas, programas, planos e projectos de desenvolvimento, assegurando que os recursos naturais sejam usados de forma racional e harmoniosa”.
Foram, para o efeito, definidos seis (6) objectivos estratégicos para o presente Quinquénio:
i. Promover a qualidade ambiental, bem como políticas e estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas;
ii. Fortalecer o quadro institucional e legal para o uso sustentável de recursos naturais e manutenção da biodiversidade;
iii. Promover a educação ambiental e difundir a pertinência da preservação do ambiente junto das comunidades;
iv. Adoptar e implementar estratégias e medidas de combate à erosão, desmatação, queimadas descontroladas, poluição e disseminar as boas práticas de gestão ambiental;
v. Desenvolver infra-estruturas de gestão de resíduos sólidos urbanos e saneamento do meio;
vi. Promover o planeamento e ordenamento territorial à escala nacional com ênfase nas cidades, vilas e zona costeira e assegurar que as prioridades ambientais sejam devidamente integradas nos programas de desenvolvimento.
No capítulo dos objectivos, não farei comentários adicionais àquilo que referi anteriormente na análise geral do Plano, mais a mais por possuírem carácter aberto e por entender que o cerne da questão reside na definição das acções prioritárias, estas sim, susceptíveis de vincular concretamente o Governo à produção de resultados reais, efectivos, palpáveis, mensuráveis e significativos.
Nesse aspecto, veja-se que foram definidas quinze (15) acções estratégicas que passo a transcrever, como forma de dar a conhecer a todo e qualquer interessado:
i. Assegurar o uso sustentável e racional dos recursos naturais;
ii. Fortalecer os mecanismos de coordenação sobre questões de desenvolvimento sustentável;
iii. Adequar a legislação ambiental, aprovando e divulgando novos instrumentos;
iv. Massificar os programas de educação ambiental, induzindo a sua integração nos curricula de ensino;
v. Promover campanhas de plantio de árvores, sobretudo em áreas degradadas e sensíveis à erosão, e nas escolas;
vi. Realizar programas de capacitação das comunidades na gestão de recursos naturais e promover uma iniciativa “Uma comunidade, uma floresta”;
vii. Promover mecanismos de gestão ambiental integrados às queimadas descontroladas, contenção da erosão dos solos e recuperação das áreas áridas, através de uso das tecnologias de adaptação às mudanças climáticas;
viii. Promover a criação de aterros sanitários para a gestão correcta e adequada dos resíduos sólidos e afluentes;
ix. Adoptar estratégias que contribuam para a criação de espaços verdes, jardins e parques nas cidades e vilas;
x. Definir o plano urbanístico de ordenamento territorial para a criação de novas cidades;
xi. Implementar a estratégia nacional de conservação da biodiversidade;
xii. Promover a investigação, boas práticas ambientais e a utilização de tecnologias limpas na gestão sustentável de recursos naturais;
xiii. Promover o planeamento e ordenamento territorial à escala nacional com ênfase nas cidades, vilas e zona costeira;
xiv. Aprovar a Política para o Desenvolvimento Sustentável da Zona Costeira e promover a implementação do plano de acção para a protecção de ecossistemas sensíveis;
xv. Prosseguir os esforços conducentes à coordenação sistemática e estratégica entre a planificação territorial e a planificação distrital.
Em termos de balanço crítico, julgo que poderia ter sido realizado um trabalho melhor e maior na definição de acções prioritárias. Nalguns casos, estas assemelham-se demasiado com os objectivos estratégicos, tendo presente a respectiva natureza vaga e genérica, não se deixando as necessárias bases para uma concreta e eficaz concretização. A título de exemplo, vejam-se as acções estratégicas 1, 2 e 3, que muito pouco de operativo possuem. A acção estratégica referente à adequação da legislação ambiental, peca desde logo porque se perde uma oportunidade de precisar com exactidão que novos instrumentos legais deverão ser aprovados e divulgados. Olhando, por exemplo, para a Lei do Ambiente (Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro), verificamos que persistem diversas bases que não foram ainda objecto de regulamentação – por exemplo, a definição de padrões de qualidade ambiental para a poluição sonora (artigo 10), o preenchimento das lacunas referentes ao quadro legal sobre a protecção da biodiversidade (artigo 12), a operacionalização dos direitos à participação e à informação (artigos 8 e 19), a definição de meios processuais adequados para o acesso à justiça (artigo 22), a regulação do seguro ambiental (artigo 25), a previsão de crimes ambientais (artigo 27) e a definição de incentivos económicos com vista a encorajar a utilização de tecnologias e processos produtivos ambientalmente sãos (artigo 31).
Sobre a acção estratégica n.º 5, mais do que se prever genericamente a realização de campanhas de plantio de árvores, o país precisa de uma Política e Estratégia de Repovoamento Florestal, sob risco de qualquer acção ser feita de forma residual, dispersa, efémera ou não adequada e com poucos ou nenhuns efeitos práticos.
Relativamente à acção estratégica n.º 8, poder-se-ia ter ido um pouco mais longe, prevendo-se a construção de aterros sanitários para os principais centros urbanos do país, tendo presente o agravamento da situação do saneamento do meio, causando enormes constrangimentos em relação ao destino a dar aos resíduos produzidos em escala cada vez maior, mas também definindo-se um conjunto de medidas dirigidas a fomentar o mercado de reciclagem.
Apesar da referência tímida à conservação da biodiversidade e à investigação, aquando da menção das acções estratégicas 11 e 12, respectivamente, faltou vincar expressamente a importância de se realizar um levantamento minucioso da biodiversidade nacional, actualizando-se eventuais pesquisas anteriores realizadas, quer levando a cabo levantamentos científicos nunca antes realizados, de modo a se alcançar um quadro da biodiversidade nacional o mais completo e preciso possível, avaliando-se ainda o grau de degradação do ambiente, com vista a definir as melhores medidas legislativas e administrativas para sua protecção, conservação, preservação e valorização.
No capítulo do ordenamento territorial (acções estratégicas 10, 13, 14 e 15), não se cuidou devidamente do disposto na legislação quadro, incluindo a Lei do Ordenamento do Território (Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho) e respectivo Regulamento (aprovado pelo Decreto n.º 23/2008, de 1 de Julho).
Optou-se por se fazer centrar os esforços de ordenamento territorial ao nível urbano (cidades e vilas) e ao nível da zona costeira, preterindo-se a importância de preparar e apresentar à Assembleia da República para efeitos de aprovação o Plano Nacional de Desenvolvimento Territorial, instrumento dirigido a definir e a estabelecer as perspectivas e as directrizes gerais que devem orientar o uso de todo o território nacional e as prioridades das intervenções à escala nacional. A feitura deste Plano contribuiria, sobremaneira, para resolver alguns dos mais sérios e delicados problemas que se registam no território, principalmente no que diz respeito ao conflito entre políticas sectoriais.
Finalmente, nada se disse em relação a instrumentos fundamentais como a avaliação ambiental estratégica (AAE) e o mecanismo de financiamento REDD (Reduzir o Desmatamento da Degradação e Desflorestamento), e que muito poderão contribuir para a resolução de alguns dos mais sérios problemas ambientais que afectam o nosso país.
Para colmatar o défice em matéria de protecção do ambiente que caracteriza o Plano Quinquenal do Governo para 2010 – 2014, recomendo a revisão e actualização da Política Nacional do Ambiente, aprovada pela Resolução n.º 5/95, de 3 de Agosto, que teve a sua importância durante os primeiros anos a seguir à sua aprovação, mas que, em algumas matérias, carece de actualização ou aperfeiçoamento, de modo a responder eficazmente às necessidades colocadas pela realidade.
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and their politicians.
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