Sábado 10 Abril 2010 • P2@publico.pt
Ana Dias Cordeiro e Luís Villalobos
P2 • Sábado 10 Abril 2010 • 9
Produzir riqueza não é só fazer dinheiro
No activismo social e na política, Graça Machel sempre tentou aplicar os ideais da luta de libertação. Como empresária quer continuar a fazer o mesmo. E juntar o melhor de dois mundos: o dos homens de negócios e o das mulheres das zonas rurais de Moçambique a Graça Machel fala dos seus negócios com o mesmo entusiasmo com que defende as suas causas sociais e políticas. Aos 64 anos, a ex-primeira-dama de Moçambique e mulher do ex-Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, desdobrase
em acções para melhorar os direitos humanos, das mulheres e das crianças e, ao mesmo tempo, em projectos empresariais, desde que é presidente do grupo Whatana Investments, uma holding de participações empresariais que fundou com o seu fi lho, Malenga Machel, e o gestor Nuno Quelhas.
Nessa qualidade, esteve em Lisboa, onde assinou um acordo com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) para a criação de novos
projectos com capital português. A sua empresa pretende ser uma porta de entrada para a África Austral.
Em Moçambique, Graça Machel continua a ser uma das reservas morais da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), mas diz que não tenciona lançar-se para
uma posição de liderança ou de governação.
Em que momento da sua vida decidiu ser empresária? Não há um momento, há um
processo. Toda a minha vida de luta foi no activismo político e social. Mas depois compreendi que as regras de jogo nos levam a identificar áreas em que podíamos fazer
uma diferença. [Aqui em Portugal falando aos empresários] eu estava a fazer um activismo económico, a mobilizar pessoas, é o que sei fazer.
Estou preparada para me rodear de pessoas que entendam muito mais de gestão empresarial do que eu.
Eu tenho experiência de gestão de situações sociais. Estou preparada também para produzir riqueza.
Para mim, produzir riqueza não é necessariamente fazer dinheiro. É multiplicar efeitos.
Efeitos que geram crescimento? O crescimento económico para mim significa colocar riqueza nas mãos de pessoas, em particular de jovens, nas mãos de mulheres das
associações rurais. Como activista social, criei em Moçambique uma rede de associações de mulheres rurais. E é nelas que penso. Quando falo a homens de negócios em agroindústria, estou a dizer-lhes que onde eles estiverem sedeados, as
associações de mulheres rurais dessa zona podem beneficiar do acesso à tecnologia, do acesso ao mercado e à melhoria das capacidades de produção. É a multiplicação desse saber e a transferência desse saber que uma empresa de vanguarda vai transmitir àquele conjunto de associações de mulheres rurais.
Do que eu estou a falar não é necessariamente de colocar a riqueza nas minhas mãos, é de colocar a riqueza na multiplicidade de iniciativas de grupos organizados
que existem.
Foi a sociedade que mudou ou foi a Graça Machel? Faz mais a diferença hoje pela economia do que fez no passado pela política?
Foi um processo. Eu não abandonei o activismo social. Vou continuar a fazer o activismo social, mas vou complementar com iniciativas que gerem riqueza e tornem os direitos das mulheres, os direitos das crianças, materialmente realizáveis.
Se estivesse a começar agora, escolheria a via económica?
Não, eu não havia de alterar o meu percurso, a minha trajectória de vida. Eu estou simplesmente a dizer que cresci, aprendi lições que a vida me ensinou e descubro que apesar de tudo ainda tenho capacidades de me desdobrar em conhecimentos novos e uma forma diferente de estar. Não há ruptura das causas que abracei, há progressão. Nós
temos em Moçambique centenas de milhares de jovens que saem das escolas, que saem das universidades, que têm conhecimentos de carácter geral, [mas] que depois não são
empregues por ninguém, têm de se auto-empregar. É por isso que falamos de um fundo de capital de risco, exactamente para os jovens terem essa oportunidade de começar negócios. E fazerem negócios para eles próprios, em grupo ou individualmente,
multiplicando-se assim o número de pequenos empresários que um dia, oxalá, se transformem em grandes empresários.
A minha empresa vai ganhar dinheiro, é verdade, mas, mais do que isso, nós queremos usar o potencial que temos para multiplicar oportunidades para muitas outras pessoas terem acesso a recursos e ao conhecimento, e poderem gerar riqueza para si próprias.
Disse, na sua intervenção, que Portugal tem sido tímido em relação à África. O país é pouco agressivo do ponto de vista económico?
Realizou-se há dois anos aqui em Lisboa a primeira cimeira entre a Europa e a África. Mais de dois terços dos países africanos estiveram presentes. [A cimeira]
foi uma marca de abertura que Portugal estabeleceu. E foi um Portugal europeu que se constituiu como ponte de comunicação com África. Se tivesse havido uma maior
agressividade no estabelecimento de relações comerciais com aqueles países, qualquer um deles poderia ter começado a fazer negócios com Portugal. Até agora, as acções
de vulto estão em Angola e em Moçambique. E em Moçambique só há pouco tempo começaram
a crescer, timidamente. Por isso, percebemos que era preciso este frente-a-frente com empresários portugueses, e dizer que há oportunidades que não se devem
perder. Existe um interesse da parte dos países da África Austral em diversificar os parceiros económicos e comerciais, e para Portugal esta é a oportunidade de se apresentar como um país, não do passado, mas um país do presente e do futuro. Com as
tecnologias avançadas que o país já desenvolveu, é uma oportunidade que não se deve perder.
Falou de um momento histórico. Porque há condições apropriadas e maduras de ambas as partes. A história é um conjunto de circunstâncias que favorecem a realização de certas acções de vulto, e este pode ser um momento que, estrategicamente, vai catapultar os empresários portugueses para uma zona geográfi ca em relação à qual
eles agiam com timidez e com um certo grau de desconhecimento. Mas isto pode colocar, defi nitivamente, Portugal numa posição muito privilegiada daqui para a frente, em países com os quais não tem nenhuma relação de colonização.
Começa-se agora um momento histórico, é isso que eu quero dizer. Os seus objectivos de desenvolvimento e de melhoria dos direitos humanos não seriam mais facilmente concretizáveis se exercesse um cargo de liderança política?
Eu estive na política e ocupei posições, [como a de ministra da Educação no Governo formado por Samora Machel a seguir à independência] no tempo que foi e no tempo que quis. Abandonei a política deliberadamente, não fui forçada.
Desiludiu-se com a política?
Não, não me desiludi. Cresci. Continuo no comité central da Frelimo, o órgão dos grandes debates em que se tomam as grandes linhas estratégicas. Mas não sou membro do secretariado, não sou membro da comissão política e não tenho a intenção de ocupar
nenhum cargo na governação. Nem na governação, nem no Parlamento.
Sou um animal político no sentido de que eu quero estar dentro dos órgãos que permitem refl ectir e fazer as grandes opções estratégicas.
Quem implementa na governação directa são outras pessoas, não eu.
Como uma das reservas morais da Frelimo, não aceitaria avançar para a liderança, se o processo de sucessão de Armando Guebuza, líder do partido e Presidente da
República, não for simples?
Nós, na Frelimo, já tomámos uma decisão: a geração do movimento de libertação teve o privilégio não só de exercer mas também de contribuir para a formação da nova geração
de líderes moçambicanos. São esses líderes que vão suceder a Armando Guebuza. São 30 anos depois da proclamação da independência, e seria muito estranho que não tivéssemos conseguido produzir uma nova liderança muito bem enraizada nos princípios, nos valores da Frelimo, e que seja capaz de fazer a continuidade. E é esse o projecto que Moçambique tem.
Samora Machel é de uma geração, [ Joaquim] Chissano é de outra geração, [Armando] Guebuza é de outra ainda. Nós temos tido um processo muito gradual de passagem
de uma geração para a outra. E os novos líderes que vão surgir vão ser
de uma nova geração.
Com o tempo que passou, tem um olhar mais crítico relativamente àquilo que foi a política de Samora Machel no pós-independência?
Acho que sim, tenho. Acho que todos nós temos. Deixe-me dizer desta maneira: em qualquer período histórico Moçambique teve os líderes certos. Ninguém teria feito a unifi cação do momento libertador como Eduardo Mondlane, e ninguém como Samora Machel teria feito melhor esse período de transição depois do assassinato de Eduardo
Mondlane para unir de novo as forças e continuar a luta armada de libertação nacional, e terminar o processo de libertação, da maneira como terminou e no tempo em que terminou. Só Samora é que podia fazer isso. E Samora era a pessoa
indicada para criar as fundações do Estado. Qualquer sentido de rigor, de disciplina, de ordem... Nós precisávamos de um líder daquela natureza para lançar as fundações do Estado.
Disse que tinha um olhar mais crítico sobre esse período.
No essencial, os princípios e os valores que marcaram as fundações do Estado moçambicano estão absolutamente correctos. Faríamos a mesma coisa. Agora, no detalhe
da execução poderíamos ter feito melhor. Mas não fizemos também porque não podíamos: não tínhamos nenhuma referência de dirigir o Estado. Fomos a primeira geração a construir o Estado moçambicano.
Tínhamos aquele grande dinamismo, aquela generosidade de libertação nacional, e nalguns casos cometemos excessos, mas no essencial foi aquilo que permitiu que o Estado moçambicano fosse hoje um Estado sólido. Apesar dos abalos, do confl ito que tivemos com a Renamo, o Estado nunca se desfez, fi cou inteiro. O país pode
sempre ser governado do Rovuma ao Maputo, do Índico ao Zumbo [na fronteira com a Zâmbia e o Zimbabwe], apesar da profunda desestabilização que se realizou. Se
nós não tivéssemos as fundações do Estado que começaram com Samora Machel nós podíamos ter colapsado.
Concorda que a História difi cilmente produzirá líderes como Nelson Mandela, que é, para muitos, uma fi gura de tal modo excepcional que é incomparável? O que faz de Nelson Mandela [com quem está casada desde 1998] essa figura excepcional?
Quem diz isso fá-lo num acto de generosidade e de reconhecimento de uma contribuição fundamental que Mandela deu, mas as pessoas são diferentes. Nós não vamos esperar encontrar nenhuma delas nas condições exactas daquilo que ele foi num momento histórico completamente diferente. Não é possível. Ele é produto de um momento histórico, ele teve que responder aos desafi os enormes do que era o sistema do apartheid.
Os outros líderes que vão aparecer vão ser grandes líderes mas num contexto histórico diferente, com desafi os diferentes e com maneiras diferentes de fazer política e de agir. Não serão melhores nem piores. Serão diferentes.
Há uma percepção um pouco romântica de Nelson Mandela. Todo o mundo diz que ele foi o melhor.
Ele foi o que devia ser naquelas circunstâncias específi cas da África do Sul. É verdade que ele deu o melhor de si próprio. Mas haverá outros, num momento histórico
diferente, a enfrentar desafi os diferentes e com um estilo de liderança diferente.
Todo o mundo diz que Nelson Mandela foi o melhor. Ele deu o melhor de si próprio,
mas foi o que devia ser naquelas circunstâncias específicas da África do Sul
Graça Machel, de 64 anos, não alteraria o seu percurso de vida. DANIEL ROCHA
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