Friday 22 January 2010

A Opiniao de Ericino de Salema

Munguambe: um autor feito encobridor?

O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo julga, desde 16 de Novembro de 2009, com o juiz Dimas Marrôa à cabeça, o famigerado “caso Aeroportos de Moçambique”, em que são agentes dos vários crimes arrolados em sede da acusação, e depois confirmados em sede da pronúncia, cinco cidadãos, nomeadamente Diodino Cambaza [antigo Presidente do Conselho de Administração (PCA) dos Aeroportos de Moçambique (ADM)], António Munguambe (antigo ministro dos Transportes e Comunicações), Altenor Pereira (na altura de parte dos factos arrolados administrador financeiro dos ADM), Maria Deolinda Matos (administradora delegada da SMS) e António Bulande (antigo chefe do gabinete do ministro dos Transportes e Comunicações).

Pronunciando-se, no fim dos trabalhos do dia em que os intervenientes processuais esgrimiram as suas alegações finais, como é de praxe, o juiz da causa fez saber que a sentença atinente a este caso será proferida a 26 de Fevereiro deste ano, o que, em nome da obviosidade, nos leva a inferir que os cinco réus estão, nestes dias, a viver na mais natural ‘curiosidade’ de saber qual a sorte que lhes espera; se, em nome do Estado, o juiz os condenará ou os ilibará!

Não pretendemos, com esta pequena prosa, ‘reconstruir’ o que de essencial o ‘caso Aeroportos de Moçambique’ comporta; na verdade, o leit motiv desta crónica é a indagação das razões por que o réu António Munguambe é tido como sendo encobridor, nos termos em que estabelece o artigo 23º do Código Penal, e não como autor, nos termos em que preceitua o artigo 20º do mesmo dispositivo legal.

Vamos por partes:

Nos termos do artigo 23º do Código Penal, encobridores são os que alteram ou desfazem os vestígios do crime, com o propósito de impedir ou prejudicar a formação do corpo de delito; ou ainda os que ocultam ou inutilizam as provas, os instrumentos ou os objectos do crime, com o intuito de concorrer para a impunidade.

São ainda considerados encobridores, pelo mesmo artigo (23º) do Código Penal, aqueles que, sendo obrigados em razão da sua profissão, emprego, arte ou ofício, a fazer qualquer exame a respeito dalgum crime, alteram ou ocultam nesse exame a verdade dos factos, com o propósito de favorecer algum criminoso; na mesma situação se encontram os que, por compra, penhor, dádiva ou qualquer outro meio, se aproveitam ou auxiliam o criminoso para que se aproveite dos produtos do crime, tendo conhecimento, no acto da aquisição, da sua criminosa proveniência. Os que dão coito ao criminoso ou lhe facilitam a fuga, com o propósito de o subtraírem à acção da justiça, são também considerados encobridores.

Mesmo não sendo jurista, na nossa condição de cidadão não resignado – daí a nossa preocupação em ler o que consta das leis que cruzam o nosso caminho, tendo bem presente que “no exercício de interpretação das leis, há que fazer, sempre, a devida inferência lógica das regras implícitas”, como ensina o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, não nos parece razoável que o antigo ministro dos Transportes e Comunicações seja tido apenas como encobridor.

O Professor Eduardo Correia, um dos mais renomados estudiosos do Direito Criminal e/ou Penal, auxilia-nos nessa leitura, mormente quando afirma que cúmplices e encobridores são, regra geral, todos os agentes criminais que não tiveram a oportunidade de ser autores. Quando processava ou mandava processar os pedidos de bolsa de estudo para os seus filhos, por exemplo, será que Munguambe não estava a empreender uma acção idónea, sendo ele ministro do pelouro em que opera a empresa ADM?

São, pois, autores, como estabelece o artigo 20º do Código Penal, os que executam o crime ou tomam parte directa na sua execução; na mesma situação se encontram os que, por violência física, ameaça, abuso de autoridade ou de poder constrangem o outro a cometer o crime, seja ou não vencível o constrangimento; ou ainda os que aconselharam ou instigaram outro a cometer o crime, nos casos em que, sem esse conselho ou instigação, o crime não tivesse sido cometido; também são autores os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução, nos casos em que, sem esse concurso, não tivesse sido cometido o crime.

Confessamos não perceber as razões que levaram o tribunal, concretamente o juiz Dimas Marrôa, a chegar à conclusão de que António Munguambe é encobridor, e não autor. As acções por ele empreendidas, enquanto responsável máximo da instituição governamental que tutela os ADM, nos parecem muito idóneas, o que equivale a dizer que elas foram muito determinantes para que toda aquela ‘escandaleira’, com Diodino Cambaza à cabeça, se materializasse.

E se percebemos bem os ‘acervos jurídicos’ que andamos a ler, o encobridor entra em cena depois que o crime tenha sido praticado, diferentemente do cúmplice, que executa actos criminais no decurso do crime. Aliás, o Professor Manuel Lopes Maia Gonçalves é por demais explícito, quando escreve que “o entendimento de que o cúmplice não dá causa ao cometimento do crime significa tão só que o seu comportamento não é essencial para que o crime se pratique”.

Tudo isto para dizer que não cabe, na nossa ‘inocência jurídica’, o que faz com que António Munguambe seja considerado encobridor e não autor. Se não devesse ser acusado de autoria imediata ou material, achamos nós que ficaria muito bem para todos nós, como accionistas do Estado moçambicano, se Munguambe tivesse sido, pelo menos, acusado de ser autor mediato, moral ou intelectual.

PS: A nossa selecção nacional de futebol, os “Mambas”, teve uma prestação muito modesta no CAN que termina dentro de dias em Angola. Não alinho com os que dizem que a nossa prestação foi desastrosa, pois nós os outros não esperávamos muito ao lado de selecções como Nigéria e Egipto. Devo, contudo, deixar aqui registado que o [então?] seleccionador nacional de Moçambique foi o “grande herói” da copa africana deste ano, ao ter se evidenciado com um sistema técnico-táctico atípico, ou seja, 4-6-0 (quatro defesas, seis médios e nenhum avançado). Outro aspecto digno de menção, para que Mart Nooj seja o “grande herói”, tem que ver com o facto de, para ele, substituições serem para “rodar” jogadores, e não para contenção, nos casos positivos para si, ou para o “tudo ou nada”, quando sucede o contrário. A todos os artistas dos “Mambas”, particularmente a Simão Mate – que provou, mesmo aos cépticos, o que o leva a brilhar nos “céus” – vai o meu reconhecimento por tudo.

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