A sorte dos Mambas e o azar do país
NO momento difícil de reconhecermos a superioridade dos outros – o último lugar no nosso grupo do CAN 2010 dói – não nos devemos esquecer da alegria e alento que a selecção nacional nos deu ao se qualificar para esta competição. Os momentos da qualificação foram únicos em mostrar quão capazes somos de nos sentirmos como membros orgulhosos duma mesma nação. Foram momentos ímpares que não deviam ser estragados pela decepção que sentimos. Maputo, Sexta-Feira, 22 de Janeiro de 2010:: Notícias
Na verdade, nem há razões para nos sentirmos decepcionados, pois o que o 3-0 contra a Nigéria dolorosamente nos quiz dizer foi aquilo que a Frelimo em tempos dizia quase que como litania, nomeadamente que a vitória se prepara e se constrói. Embora o desporto não seja o meu forte, arrisco o palpite de que a nossa qualificação ao CAN foi fruto de coincidências felizes: um excelente seleccionador nacional, alguns talentos de momento e mau momento de forma dos nossos adversários.
Isto é, a nossa qualificação não foi fruto dum trabalho de raiz sério à largura do país envolvendo as associações desportivas, as escolas, os pais e as empresas. Foi como acontecer muitas das coisas da nossa vida: coincidência feliz. Essa coincidência fez-nos respirar ares que gente que não se prepara não merece. Pouco surpreendentemente, portanto, não nos deixaram ficar em Angola mais tempo. Com isso não quero diminuir a prestação da selecção. Acho até, mas repito, não sou perito em desporto, que a nossa selecção jogou muito bem. Para os seus meios.
Ela mostrou o que os moçambicanos podem ser quando disciplinados e claros nos seus objectivos. A forma como foi derrotada mostrou também o que nos falta para tirarmos proveito de coincidências felizes, pois os erros que as outras equipas penalizaram sem dó, nem piedade são erros que só campeonatos feitos à largura do país em todos os escalões e durante vários anos seguidos podem sanar. As patéticas declarações do Presidente da Federação Moçambicana de Futebol segundo, as quais desaires e derrotas implicariam renovação (do treinador), mostram a extensão do problema. Ele parece ainda apostar em milagres e não em trabalho de base sério.
A sorte que se abateu sobre os Mambas em Angola é, na verdade, o azar do país. Tudo que não resulta dum trabalho sério termina necessariamente mal. É esta a lição que devemos tirar desta experiência. E o momento é propício, pois estamos à entrada de mais um mandato governamental que a esmagadora maioria dos eleitores moçambicanos conferiu à Frelimo e a Armando Guebuza. A analogia com o futebol pode ser instructiva, pois o que acontece no desporto acontece também ao nível da política.
Há uma tendência bastante apurada de se querer chegar a resultados no dorso da lei do menor esforço. Da mesma maneira que para nos qualificarmos para as fases seguintes do CAN tínhamos que ter feito trabalho de raiz, para dizermos que já estamos a combater a pobreza absoluta vamos precisar de ter feito trabalho de raiz. A reflexão que apresento aqui é um convite à esfera pública para que vire a sua atenção para este lado da questão na discussão das coisas da nossa terra.
A tendência natural do observador político nacional é de se envolver com o supérfluo na análise do país. Será que ao manter uma boa parte do elenco anterior o Presidente da República está a querer dizer que confia neles? Ou estará a dizer que devem primeiro fazer bem o trabalho, só depois vão ser dispensados? O governo é regional e etnicamente equilibrado? O Primeiro-Ministro está (A)li por mérito próprio ou por razões ligadas ao equilíbrio regional? Vão continuar a roubar dos fundos dos doadores ou estes vão mesmo cancelar a ajuda? Por que é que a Ministra tal ou o Ministro tal continuam no poleiro? Que favores estão a ser pagos? O Presidente vai continuar a influenciar o voto dos camponeses indo os visitar de helicóptero? E por aí em diante.
Em muitos casos trata-se, naturalmente, de preocupações legítimas, mas que pouco contribuem para que a gente entenda os verdadeiros desafios que o país enfrenta e, sobretudo, para que a gente identifique os critérios de que precisamos para podermos avaliar o desempenho dos nossos políticos. Quaisquer que tenham sido as razões que levaram o Presidente da República a formar o governo que formou, uma coisa é clara: ele está as agir dentro dum contexto político ao qual tem que prestar atenção. Quaisquer que sejam a suas boas intenções em relação ao país, elas são condicionadas pela necessidade de não perder de vista o lado político. Que os nossos pseudo-parceiros não percebam isto, apesar de ser assim nos seus países também, é uma coisa; mas que os nossos analistas políticos sistematicamente ignorem estas coisas é outra, e má para a saúde da reflexão sobre o país. Esta miopia é que tem constantemente torpedeado a oposição, que no momento de afogar só tem a palha da fraude para se segurar.
DA AGENDA NACIONAL
Maputo, Sexta-Feira, 22 de Janeiro de 2010:: Notícias
O grande objectivo do novo governo continua o grande objectivo do anterior: a luta contra a pobreza. No discurso de tomada de posse do novo elenco introduziu-se um elemento que me parece não ter constado da agenda do primeiro mandato: a descentralização, que o próprio Presidente definiu como sendo acelerar o passo rumo ao bem-estar do povo. A referência foi demasiado breve para conter elementos suficientes para análise, mas pairou no ar a ideia de que a luta contra a pobreza vai radicar na descentralização. É bem possível que este acréscimo tenha sido feito com base na experiência dos 7 milhões, uma das melhores medidas jamais tomadas por um governo moçambicano na sua política interna, mas o que isaso significa na prática vai precisar de merecer a atenção dos nossos analistas. Na análise que proponho agora quero concentrar a atenção em dois aspectos: coerência institucional e definição de competências.
Já escrevi em tempos neste mesmo jornal que a definição da luta contra a pobreza como agenda nacional não me parece prudente do ponto de vista estratégico, muito embora faça sentido na nossa relação com os doadores. O problema desta definição é que sugere a ideia de que a pobreza seja o problema mais premente da nossa terra. Não me parece. É, talvez, o efeito mais premente dos problemas que temos, mas, decididamente, não é o nosso principal problema. O nosso principal problema é a ausência dum aparelho estatal discreto que funciona na base de procedimentos claros, transparentes e previsíveis. Um aparelho de Estado que não faz dos problemas do povo seus problemas, mas sim faz da criação de condições para que o povo identifique e resolva os seus problemas seu problema. É diferente.
Temos, portanto, um problema de filosofia política. Tivemo-la nos anos imediatamente a seguir à independência, ainda que extremamente problemática. Há diferença, por exemplo, entre dizer que a pobreza de uns é resultado da sua posição de classe – e por isso temos que acabar com as desigualdades de classe ou, para utilizar a linguagem da altura “exploração do homem pelo homem” – e dizer simplesmente que vamos combater a pobreza sem discutirmos o que torna essa pobreza possível e concentrar, assim, a nossa atenção nessa coisa. Não estou, evidentemente, a defender uma posição marxista. Estou simplesmente a levantar um problema de coerência. Faz-nos falta, portanto, uma filosofia política que possa articular com maior coerência os problemas que queremos atacar e os objectivos que queremos alcançar dentro dum quadro que permita um debate são de ideias.
É bem possível que a declaração da luta contra a pobreza como agenda nacional seja uma espécie de sopa de pedra para os doadores. Julgo ter lido nas entrelinhas dos discursos de investidura e de tomada de posse que o desafio não consiste em eliminar a pobreza – Moçambique marcha a passo acelerado enquanto a pobreza recua – mas sim em criar as condições que vão permitir que cada um de nós combata a sua própria pobreza com os meus ao seu dispor. Seria bom que o meu entendimento fosse correcto, pois se for essa a ideia, então estamos bem. Se não for, bom, o tempo dirá. A pergunta que se pode colocar e que a reflexão no interior do governo e na esfera pública deviam aprofundar é de saber até que ponto a actual estrutura governativa corresponde ao desiderato de criação de condições para que se trave a luta contra a pobreza com hipóteses de êxitos duradoiros.
O PROBLEMA DO TAMANHO E DA COERÊNCIA
Maputo, Sexta-Feira, 22 de Janeiro de 2010:: Notícias
E aqui volto ao meu tema preferido do tamanho e composição do governo. Da mesma forma que o tamanho da equipa técnica dos Mambas e das estruturas de direcção do futebol podem ter influência negativa no alcance dos objectivos propostos, o tamanho do governo também pode entrar em conflito com a prossecução dos objectivos. Instituições produzem as suas próprias dinâmicas que, paulatinamente, as vão afastando da sua principal tarefa e as tornam cada vez mais narcisas, isto é, preocupadas consigo próprias.
Uma parte da energia que devia ter sido investida na preparação dos Mambas foi consumida por tensões internas ligadas à necessidade que alguns protagonistas tinham de defender o seu papel e relevância. Uma parte da energia que deve ser investida no combate à pobreza, vai ser consumida na defesa e alargamento das zonas institucionais de pasto. E sem se dar conta, o governo corre o risco de ficar cada vez mais ocupado consigo próprio do que com os problemas que quer resolver. Isto não é um problema do futebol ou da política. É um problema inevitável da institucionalização que exige, portanto, atenção especial.
Vejo pelo menos cinco ministérios em rota de colisão: Gabinete do Primeiro-Ministro; Finanças; Administração Estatal; Função Pública; Planificação e Desenvolvimento. O posto de Primeiro-Ministro sofre, no nosso país, do defeito de regime presidencialista que cria pouco espaço de actuação para o Primeiro-Ministro. Nos anteriores mandatos foi possível disfarçar este defeito porque o Gabinete conseguiu afirmar-se como eixo central do Programa de Reajustamento Estrutural e de diálogo com as instituições de Bretton Woods. Facilitou esta reinvenção o facto de Luísa Diogo ser economista e dominar, portanto, a linguagem críptica e o pensar bizarro do tipo de gente que trabalha nessas instituições. Aires Ali não é economista – o que até é muito boa coisa e o torna mais simpático ainda. Justamente por causa disso ele está em melhores condições de deixar esse tipo de coisas para o Ministério das Finanças – que, entretanto, se tornou num dos melhores ministérios do país – dar ouvidos ao conselho dos técnicos abalizados e ocupar-se do funcionamento do governo usando dos seus dotes políticos que são consideráveis.
A questão, contudo, é se isso é susceptível de acontecer no actual contexto institucional. Duvido. Para interpretar muito bem o papel que a nova conjuntura exige, o Primeiro-Ministro teria que se interessar directamente pelo que os Ministérios da Planificação e Desenvolvimento, Administração Estatal e Função Pública fazem. Esse interesse teria que ir para além do simples controle de desempenho e ser mesmo de intervenção directa nas áreas de competência desses pelouros se ele não quiser ver-se reduzido a cortar fitas. É claro que os outros vão defender os seus pelouros. E quem corre o risco de perder não vai ser este ou aquele ministro, mas sim a agenda nacional, cujo cumprimento vai ter que esperar a clarificação de competências. Os Conselhos Coordenadores vão, de certeza, servir para afinar estratégias de defesa das zonas de pasto.
A UTILIDADE DE ALGUNS MINISTÉRIOS
Pessoalmente, não vejo por que algumas competências da Função Pública e da Administração Estatal não podem ser integradas no Ministério do Interior e no da Justiça. Parece evidente que o problema da criminalidade no país é essencialmente um problema estatístico no sentido policial original do termo: o conhecimento que o Estado tem dos seus cidadãos. Igualmente, o problema da justiça é um problema de protecção do cidadão da arbitrariedade do Estado, logo, algo que passa por uma melhor regulamentação das actividades da função pública. Não vejo também por que algumas das competências do Ministério da Planificação e Desenvolvimento não podem ser integradas no Ministério das Finanças e no da Agricultura, criando, com estas medidas, um espaço institucional de intervenção do Primeiro-Ministro que preservaria o seu papel de braço alongado do Presidente da República. E pouparíamos dinheiro com a eliminação desses minsitérios.
E a-propósito de dinheiro: também continuo a não ver a utilidade de ministérios como da mulher, do ambiente, de desportos, de antigos combatentes e mesmo de cultura. Os assuntos são importantes. O país precisa, por exemplo, duma política do género, de cultura, do ambiente, do desporto, de segurança social e de várias outras coisas. Devia, contudo, fazer parte da nossa reflexão considerarmos também o que a elevação destes assuntos ao estatuto de ministérios implica para a própria coerência dos instrumentos que escolhemos para implementar a agenda nacional. Algumas decisões institucionais podem ser auto-golos ao grande estilo do nosso infeliz defesa.
O outro aspecto institucional de grande importância – e que devia estimular a reflexão pública – é o papel dos ministérios e como avaliar o seu sucesso. Uma grande contribuição que Armando Guebuza poderia dar ao país – e reassegurar o seu nome no panteão nacional – consistiria em usar a agenda nacional de combate contra a pobreza para colocar a fasquia de desempenho ministerial noutros patamares. Esse patamar não seria medido pela capacidade de gerir os fundos de doadores ou pôr os funcionários a trabalharem – com rusgas, por exemplo – mas sim de criar esquemas de intervenção na sociedade que sobrevivam governos e tendências políticas.
Refiro-me, no caso da saúde, por exemplo, a um sistema de saúde por nós próprios financiado, isto é, que tome em consideração os nossos meios e seja susceptível de crescer ao longo do tempo; refiro-me, no caso do trabalho, por exemplo, a um sistema de emprego por nós próprios financiado, isto é, que tome em consideração a estrutura da nossa economia e sirva de orientação para a construcção de biografias; refiro-me, enfim, ao trabalho em prol da construcção dum aparelho estatal discreto que funciona na base de procedimentos claros, transparentes e previsíveis e que não faz dos problemas do povo seus problemas, mas sim faz da criação de condições para que o povo identifique e resolva os seus problemas seu problema.
O trabalho que isso exige é árduo e leva tempo. Significa um compromisso sério com a descentralização, por exemplo, e que se devia consubstanciar na aposta na redução paulatina das competências centrais a favor dum maior protagonismo local e individual. O trabalho árduo exigido não pode, por conseguinte, se comprometer com objectivos imediatos do estilo “qualificação para o CAN” ou “redução da pobreza em tantos por cento”. O forte mandato que os eleitores deram ao novo governo constitui uma oportunidade para trabalhar nesse sentido. Quem vai ganhar é o país que vai ser poupado à sorte dos Mambas de se qualificarem para um torneio só para terem a oportunidade de ver que o seu nível é muito baixo e que nunca se deviam ter qualificado.
O tempo traz sempre melhor conselho. De qualquer maneira, tudo indica que temos uma equipa forte, apesar de meter também suplentes em campo, a liderar o país. O desafio que essa equipa forte enfrenta agora é de garantir que quando for substituída os reforços sejam mesmo isso e quando essa equipa já não mais poder correr que tenha criado condições para que continuemos a meter boas equipas em campo com defesas que não são obrigados pela força dos adversários a meter golos na própria baliza. É mais fácil dito do que feito, mas esse é que me parece ser o verdadeiro desafio, sobretudo a nível da interpelação na esfera pública.
E. Macamo
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by inheritance tax plans.
1 hour ago
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