A Propósito de HCB ser a Melhor Marca de Moçambique
Há dias foi largamente publicitado que a Hidroeléctrica de Cahora Bassa é a
melhor marca em Moçambique e, que esta classificação foi feita por gestores
seniores de marketing de algumas empresas Moçambicanas. Para mim , sem
descurar da importância e magnitude da HCB, é simplesmente uma aberração.
Isto acontece porque a expressão “Marketing” em Moçambique foi sequestrada.
Promotores de vendas são chamados de agentes de marketing, assim como
eventos promocionais também são considerados Marketing.
Como um discípulo do Professor Kevin Lane Keller e, com uma certa carga de
pesquisa na área de gestão de marcas, penso que tenho uma ou duas palavras
para este estudo.
O conceito da marca, segundo Kotler (1991, p.442) é “um nome, termo, sinal,
símbolo, desenho ou, uma combinação deles que intenciona a identificação de
bens (ou serviços) de um provedor ou um grupo de provedores que os diferencia
de outros competidores. A imagem da marca é a percepção sobre a marca como
reflectida através da associação da mesma na memória do consumidor (Keller,
1993), também referida como a imagem corporativa, definida como uma atitude
acumulada (experimentada ou não) sobre a marca (Keller, 1993).
A marca manifesta o seu impacto em 3 níveis—mercado do consumidor,
mercado do produto ou serviço e mercado financeiro(Keller & Lehman, 2006),
ela sinaliza ao consumidor a origem do produto, e representa uma protecção
tanto para o fabricante quanto para o consumidor. Aqui se instituiu a confusão
no nosso país, quando “Orgulhosamente Moçambicano” foi confundido com
“Made in Mozambique”, mas como um avião da Boeing fabricado no Seattle nos
EUA pode ostentar um selo “ Made in Mozambique”? Então, marca é um nome ou
símbolo diferenciado que se destina a identificar o bem e/ou serviço (Aaker,
1996).
Sem querer que isto seja necessariamente uma dissertação sobre marca, os
pontos acima descritos devem dar uma clara ideia do que queremos quando
falamos de uma marca e, em termos de marca sem precisarmos de muito estudo
e pesquisa, Mcel, MC Roger, Vodacom e possivelmente Lizha James conseguem
ser melhores marcas em Moçambique do que a HCB. Que fique muito bem claro,
estamos a falar de marca, apenas. A questão que se coloca é se a equipe que fez
este estudo não confundiu melhor marca com maior empresa Moçambicana,
conceitos completamente diferentes.
Enquanto que a equidade de uma marca pode ser encontrada em vários
estudos(Aaker 1996, , Agarwal & Rao, 1996, Keller, 2003), o conceito ainda é
muito novo em Moçambique, tanto mais que não há um único estudo
(académico) publicado sobre marcas no nosso país, daí o nosso medo sobre que
critérios usados para a avaliação das nossas marcas, muito particularmente , no
caso vertente desta última classificação. Alguns gurus do marketing dizem o
seguinte :
“Dito de uma forma ampla, a equidade da marca se refere ao activo residual que
resulta dos efeitos das actividades de marketing que são realizadas e associadas
à marca.”(Rangaswamy, Burke, & Oliva, 1993). Equidade da marca é definida em
termos dos efeitos de marketing que são atribuíveis exclusivamente às marcas ‐
por exemplo, quando obtemos certos resultados no marketing de um produto ou
serviço por causa da respectiva marca e que não obteríamos se o mesmo produto
ou serviço não tivesse essa mesma marca (Keller, 1993).
Levemos por exemplo a mesma camisete de algodão com e sem a marca NIKE, ou
então o ZNEN Chinês que mesmo que se diga que o motor é do Prado da
Japonesa Toyota, a reacção do possível comprador é completamente diferente.
“Um consumidor percebe a equidade de uma marca como o valor agregado aos
aspectos funcionais do produto ou serviço, ao associa‐lo à referida marca”
(Aaker, 1991). Quem não se lembra do fiasco da Pili‐Cola em Moçambique,
tentando desafiar e imitar a marca das marcas, Coca‐Cola.
As definições acima, só vem reforçar a nossa necessidade de perguntar: o que
motiva os tais gestores de marca a atribuir a HCB como a melhor marca
Moçambicana?! No nosso ver, o conceito de melhor marca foi extrapolado do
facto da “NOSSA HCB” ser verdadeiramente a maior “NOSSA EMPRESA” (tirando
a gigante Australiana “nossa”), pelo menos olhando para a lista das melhores
empresas publicada anualmente pela KPMG, o que é um grande contraste com o
conceito de marca, para o efeito aconselha‐se a uma vista de olhos a metodologia
da Interbrand (interbrand, 2009), que até ajudaria para um começo, atendendo
que aquela firma classifica marcas globais, normalmente.
A marca deve ter um poder intuitivo na memoria do cliente e tem de criar uma
familiaridade com o mesmo, o que para mim seria um tanto quanto ridículo dizer
que a HCB cria este efeito, mas a Coca‐Cola, Vodacom, Mcel, MC Roger,
claramente criam. Quem quiser fazer um pequeno teste que crie 5 cartas e
escreva os 4 nomes atrás mais HCB, esteja numa esquina, interpele 100 pessoas e
pergunte qual o primeiro nome que lhe vem a cabeça, garantimos que se HCB for
mencionada em 5 vezes já vai com muita sorte.
A nossa convicção em relação ao parágrafo acima provem do facto de estarmos a
fazer um estudo diagonal sobre as marcas (empresas + pessoas) e
estranhamente, em nenhum momento uma HCB, foi referenciada e, estamos a
falar de um universo de 2739 respondentes, incluindo a província de Tete (onde
está a barragem) e Maputo (onde tem escritórios e um certo peso), então
desculpem‐nos a insistência, discordamos e pensamos que temos o direito de
discordar destes resultados . Obviamente talvez a culpa tenha sido nossa (por
não saber onde e quando se realizou a apresentação do estudo) não pudemos
estar no local e colocar as nossas reticências directamente, mas seria de extrema
importância ter acesso aos critérios de avaliação usados.
Vasculhando um pouco mais, descobrimos que o mesmo assunto fora tratado
numa revista (Shitoye & Nunes, 2009), onde se referencia que o estudo foi feito
pela Intercampus, uma empresa da reputada firma GfK que por conseguinte é a
mesma que inventou o Brand Potential Índex (BPI), instrumento usado para fazer
a colecta de dados. O BPI é sempre medido no contexto de grupo de competição
da marca, que pode variar por categoria de produto, segmentação do cliente, e
mercado geográfico (Hupp & Powaga, 2005) p.226.
O BPI é composto por 10 factores, divididos em 3 grandes grupos, racional,
comportamental e emocional, embora testado na Alemanha (Hupp, 2000), fica
difícil saber se o mesmo instrumento foi testado e validado no ambiente
Moçambicano. Segundo os investigadores, foram distribuídos 14 mil
questionários (Shitoye & Nunes, 2009), estranhamente não sabemos quantos
desses questionários são válidos e, seria interessante saber o Cronbach Alpha
(Cronbach & Meehl, 1955, Nunnally ,1978) do instrumento, sobremaneira as
validades: constructo (Peter, 1981), Discriminante (Tull & Hawkins, 1993).
Porque, estamos aqui preocupados com o resultado deste estudo? É que 14,000
questionários é muito bom para inferir‐se conclusões mesmo na China onde
existem 1.3 Biliões de pessoas e, neste caso concreto, para o nosso país até é
excelente, mas as conclusões do estudo nos fazem pensar que, ou esta amostra
não é representativa ou então estamos a incorrer ao erro do “não respondente”,
que segundo Dillmann (2000),os respondentes são completamente diferentes
dos outros que não responderam? Ainda na mesma senda e olhando para o
número dos questionários também fica‐se com a questão de, se este é o número
de respostas ou foi o total de questionários enviados?. O interesse neste campo é
que, segundo Fowler (2001), incorre‐se a um erro de validade externa se não
tivermos pelo menos 50% do total dos questionários enviados. Seria
interessante saber qual foi a percentagem dos questionários válidos neste
estudo.
Ora vejamos, segundo o entrevistado (Shitoye & Nunes, 2009) “...o atributo que
mais contribui para atractividade da marca HCB é a qualidade...”p.26, mas se
segundo Parasuraman, Zeitahml e Berry, (1985) “a qualidade só pode ser
avaliada pelo cliente”, o entrevistado vem contrariar estas convicções porque
diz “... esta marca (HCB), parênteses são nossos, não possui produtos ou serviços
específicos para o consumidor final...”. É exactamente aqui onde achamos que está
o erro total deste estudo: como poderia alguém avaliar a qualidade de Caviar
Beluga se nunca comeu? Como poderíamos avaliar a qualidade das praias do
Marte se lá nunca estivemos? Como o meu povo lá de Inhassunge pode avaliar
um hotel de 5 estrelas se lá não tem?!!
A verdade é que se a intenção era de se incluir HCB neste estudo, dever‐se‐iam
ser inquiridas a Electricidade de Moçambique, Zimbabwe Electricity Supply
Authority, ESKOM e outras companhias de electricidade que consomem
directamente os serviços da HCB, os 14 mil inquiridos consomem serviços da
EDM daí não estarem aptos, no nosso ver, a avaliar a HCB no cômputo das 10
variáveis do Brand Potential Índex! Peguemos por exemplo os itens “intenção de
compra, relação preço‐qualidade”, seria absurdo alguém responder a estes itens
porque pura e simplesmente não os tem em relação a HCB. Isto nos conduz mais
uma vez ao problema focado por Dillman (2000), sobre os respondentes, como
frisado acima.
Pelas normas de pesquisa, este instrumento devia primeiro ser adaptado a
realidade Moçambicana, usando grupos de foco e alguns especialistas para
validá‐lo. Verificar a tradução do mesmo documento e certificar que o conteúdo
dos questionários nas duas línguas correspondem. Que não se confundam
instrumentos usados em Portugal com os possíveis a ser usados em
Moçambique, somos de culturas diferentes, embora falemos a mesma língua.
Chega de fazer copy & paste para depois validarmos os resultados, em estudos
que não só podem não ter sido seguidos os princípios básicos de pesquisa, como
as questões culturais não foram postas à prova, o que, até pensamos, pode não
ter sido o caso deste estudo.
Dos estudos comerciais existentes como a Brand Asset Valuator da Young &
Rubicam, Brand Z da WPP e Equity Engine da Research International, tem tido
um enfoque para a percepção da marca, associação da marca e atitude da marca
e, olhando estes factores e tentando alicerça‐los a este estudo também seria
difícil encontrar uma HCB como a tal da vencedora.
Concluindo, talvez a pressa de publicar este estudo possa ter contribuído para
um resultado não muito satisfatório, até prova em contrário negamos que dentro
de todas marcas Moçambicanas a HCB tenha um BPI de 82.9 e, como tenho dito,
não precisa ter um Doutoramento em Gestão de Marcas para perceber que, quem
quiser falar de marcas neste país vai ter de passar pela Mcel e Vodacom, depois
vem a larga maioria.
Referências
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