Monday 9 November 2009

Poder e erros alheios explicam reforço da maioria Frelimo

PUBLICO
09.11.2009
JOÃO MANUEL ROCHA

Resultados das eleições confirmam tendência hegemónica do partido no poder, quebra da Renamo e entrada no Parlamento do novo MDM

A Frelimo e Armando Guebuza ampliaram as suas maiorias porque estão no poder e se esforçaram, mas também devido aos erros da Renamo, que abriram caminho ao aparecimento do Movimento Democrático de Moçambique. A prazo, o novo partido poderá disputar a liderança da oposição, defendem alguns dos observadores ouvidos pelo PÚBLICO sobre os resultados das eleições de 28 de Outubro em Moçambique.

O partido que governa o país desde a independência, e tem vindo a aumentar as suas votações de eleição para eleição, beneficia de "estar no poder, do ritmo de crescimento elevado nos últimos anos e da ausência de atentados graves aos direitos humanos", considera Fernando Jorge Cardoso, director do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, de Lisboa. O reforço da votação na Frelimo e no Presidente da República aconteceu também por "culpa própria" da Renamo, afirma.

"Mesmo que as coisas não melhorem como as pessoas gostavam, está-se em paz e consegue-se ir vivendo, e isso é valorizado", diz Paulo Granjo, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Em seu entender, a Frelimo beneficia da "indiferenciaçã o entre o Estado e o partido que o ocupa" e da "ausência de alternativas vistas pelas pessoas como válidas".

A forte votação no partido governamental e no Presidente em funções não apanharam desprevenido Hélder Jauana, sociólogo, professor do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique. "Esta tendência hegemónica não constitui surpresa: na legislatura anterior, o Presidente reformulou o partido a nível distrital e foram alocados recursos para que os distritos se desenvolvessem."

Armando Guebuza fez "presidências abertas","visitou todas as províncias e quase todos os distritos, esforçou-se por estar próximo das populações, e nessa altura não víamos a oposição - limitava-se à actuação na Assembleia da República. Venceu pela obra feita e pela reorganização da equipa partidária", afirma o também investigador do Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, de Lisboa, para quem a vitória da Frelimo resulta ainda da "desorganização" da Renamo, de Afonso Dhlakama.

Classe intelectual

A Renamo, que em 1999, com dez pontos de diferença face à Frelimo, parecia assumir-se como uma real alternativa, caiu agora para quase metade da sua votação de 2004 e a quebra de votos na candidatura presidencial do líder também foi notória. É uma penalização vista pelo antropólogo Paulo Granjo como o resultado de um "discurso sistematicamente agressivo e muito ameaçador", que choca com o desejo popular de "um relacionamento pacífico". Além disso, refere, a Renamo sofre da "imagem que se foi criando de que não é alternativa".

O investigador, que desenvolve muita da sua actividade em Moçambique, assinala que a soma dos votos da Renamo e do MDM é bastante inferior à da Renamo nas eleições anteriores. Considerando que "parte" dos votos da nova força "não veio da Renamo", isso demonstra, em seu entender, um "descrédito enorme por parte da que era a oposição clássica".

Fernando Jorge Cardoso destaca o facto de a antiga guerrilha nunca se ter afirmado como partido de poder e de ter afastado a "emergente classe média e os intelectuais, que estão com a Frelimo ou vão aderir ao MDM". A esses dados acrescenta o "factor Beira" - o não apoio à recandidatura, e posterior expulsão do partido, do popular presidente do segundo município do país, Daviz Simango, no ano passado. "A Renamo, por culpa própria, foi criar uma cisão numa zona onde era mais forte, Sofala e Manica, onde neste momento o MDM está em condições de se afirmar como uma importante força."

Hélder Jauana lembra que a Renamo "vem de crises cíclicas" e refere o afastamento de Raul Domingos, antigo "número dois" do partido, expulso em 2000, e de Simango, candidato presidencial nestas eleições e líder do MDM. "A Renamo não realiza congressos, o líder não é posto à prova. Havia uma classe intelectual que se tinha filiado na Renamo e que foi afastada. [Além disso,] parece-me que esta liderança não drena fundos para a máquina partidária."

Destronar a Renamo

O sociólogo assinala que "onde as pessoas votavam tendencialmente na Renamo, a Renamo perde votos" e põe a hipótese de a maior força da oposição ter perdido eleitorado para a Frelimo, para o MDM e de grande parte se ter abstido. "A sua base de apoio parece desencantada com a Renamo e com a sua liderança", sublinha. Ao contrário, ainda que o apuramento de resultados ainda não esteja concluído, a sua percepção é de que a Frelimo mantém os votantes tradicionais, mobiliza abstencionistas e capta algum eleitorado do partido de Dhlakama.

O MDM é, para Paulo Granjo, um "fenómeno atípico, que vem mudar toda a lógica partidária". Os cerca de quatro por cento que obteve nas legislativas e os nove por cento do líder nas presidenciais são um resultado excepcional, "para uma coisa que não existia há seis meses". O aparecimento da nova força política subverte, do seu ponto de vista, a lógica anterior, que assentava na ideia de que "a Frelimo tem os seus espaços e territórios e ninguém toca, a Renamo tem os seus espaços e ninguém toca".

A nova força tem, na opinião do investigador do ICS, um "discurso muito pouco agressivo para o contexto de Moçambique", o que vai ao encontro do "sentimento popular": "toda a gente quer um relacionamento pacífico para o futuro", afirma. "O discurso desta nova alternativa não tem nada de particularmente ideológico, tem a ver com questões básicas sentidas pelas pessoas."

Para o director do Instituto de Estudos Estratégicos - para quem o país "está a viver um processo de consolidação institucional, de normalização da vida política" -, o resultado do MDM em Maputo mostra que o movimento está em "condições de se afirmar em termos nacionais" e que, "se não houver percalços de natureza política, vai ocupar o segundo lugar". A tendência será destronar nas próximas eleições a Renamo, a menos que cometa "erros políticos graves", como, por exemplo, focar a sua acção em Sofala e Manica, justifica Fernando Cardoso, que considera provável uma candidatura presidencial de Daviz Simango em 2014.

"Mr. Gue-business"
Milionário nos negócios e na política
JORGE HEITOR

Encontramo-nos num ano considerado bom para a vida profissional das pessoas do signo Aquário. Armando Emílio Guebuza - que acredita tanto nos astros que colocou este facto em destaque no seu blogue - aproveitou-o ao máximo, para coroar uma longa carreira de 46 anos de militância na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

Os aquarianos têm uma personalidade forte e atraente. Este, cujo ano de zodíaco é o cavalo, segundo a astrologia chinesa, soube ser suficientemente esforçado para arrancar três quartos dos votos nas presidenciais de 28 de Outubro.

Porventura "mais bem preparado" do que o seu antecessor, Joaquim Chissano, segundo a opinião do director do boletim português Áfricamonitor Intelligence, Xavier de Figueiredo, o terceiro Presidente de Moçambique é também um importante homem de negócios a quem há anos a imprensa sul-africana começou a apelidar de "Mr. Gue-business".

Natural da localidade de Murrupula, na província de Nampula, no Norte do país, Armando Emílio entrou aos 20 anos para as fileiras da Frelimo, criada no ano anterior pelo antropólogo e sociólogo Eduardo Mondlane, que tinha como vice-presidente o reverendo Uria Simango, pai de um dos adversários de Guebuza nestas presidenciais, Daviz Simango.

No Governo de Transição para a independência formado depois do 25 de Abril, sob a chefia de Chissano, o futuro milionário ocupou a pasta da Administração Interna, que depois manteve quando Samora Machel se tornou o primeiro Presidente da República, em 1975. E foi nessa altura que ganhou fama de radical, ao assinar um decreto que dava a todos os portugueses 24 horas para deixarem Moçambique, com 20 quilos de bagagem.

Mais tarde, na década de 1980, determinou que todos os desempregados das zonas urbanas de Maputo e Beira deveriam seguir para as áreas rurais do Norte do país, a fim de aí cultivarem a terra.

Quando Machel morreu, em 1986, Chissano e Guebuza, que entretanto também fora vice-ministro da Defesa, estabeleceram um "acordo de cavalheiros", pelo qual o primeiro ficaria de imediato à frente da Frelimo e do Estado, mas só a prazo, na presunção de que todo o poder viria a caber ao segundo.

Na sequência desse poder partilhado, Armando Guebuza foi o responsável governamental nas negociações que culminaram em Outubro de 1992 num Acordo Geral de Paz com a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), de Afonso Dhlakama, desde então o chefe da oposição oficial e já por quatro vezes candidato derrotado à chefia do Estado.

Sinais dos tempos

Foi enquanto aguardava a altura de Chissano lhe passar o testemunho que Guebuza aproveitou o melhor que conseguiu a liberalização da economia, designadamente a privatização de empresas estatais, e se tornou um peso pesado na banca, na comunicação social, na construção civil, pescas e negócios de importação e exportação.

Em sintonia com os novos tempos, foi um dos primeiros dirigentes moçambicanos a reconhecer que era necessário criar um sistema multipartidário e estabelecer relações com instituições financeiras internacionais com base nos Estados Unidos, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Em 2004, Joaquim Chissano ainda teria hesitado em se retirar e cumprir a palavra dada, segundo nos conta Xavier de Figueiredo, mas nessa altura o grande império empresarial do antigo radical nascido no Norte reforçou o seu peso no tabuleiro político de Maputo. Guebuza conseguiu então alcançar uma confortável votação de 63,7 por cento nas presidenciais, face a uns meros 31,7 por cento de Dhlakama.

Casado com Maria da Luz Guebuza, o Presidente reeleito de Moçambique tem quatro filhos e é considerado um exímio orador, tendo feito um pormenorizado discurso no fecho da campanha eleitoral, na cidade de Nampula, a terceira de Moçambique, a seguir a Maputo e à Beira.

Segundo a AFP, "este homem de cabelos grisalhos e rosto redondo marcou pontos junto da população rural, satisfeita por lhe ter podido contar directamente os seus problemas", durante a passagem que nos últimos meses fez por dezenas de distritos, em todas as províncias do país. No entender dos adversários, porém, ele já andava em campanha há cinco anos, desde a primeira eleição. E só conseguiu triunfar folgadamente devido ao descrédito que rodeia o líder da Renamo.

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