Thursday 5 November 2009

A opinião de: Luís Brito*

O processo eleitoral de 2009 merece atenção por várias razões.
Em primeiro lugar, porque decorreu num ambiente particularmente polémico devido a decisões controversas tomadas pela CNE; em segundo lugar, porque, como tinha
acontecido nas eleições de 2004, mais de metade dos eleitores não votou; em terceiro lugar porque, a administração eleitoral continua a demonstrar uma actuação parcial;
e, finalmente, porque estabeleceu a hegemonia total da Frelimo na cena política moçambicana, confirmando ao mesmo tempo a decadência eleitoral da Renamo e o surgimento de uma terceira força, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Um eleitorado ausente
Tal como em 2004, nestas eleições, apesar dos grandes esforços de mobilização do eleitorado e de uma campanha eleitoral que, pelo menos da parte da Frelimo, mobilizou recursos enormes, a abstenção oficial será à volta de 56%2. Embora a vitória da Frelimo tenha sido particularmente expressiva, o alto nível de abstenção
registado diminui a legitimidade popular do governo. Independentemente das razões particulares de cada eleitor abstencionista, um nível tão alto de desafectação
em relação ao voto como o que se regista desde 2004 deve ser entendido como resultante, numa parte considerável, de um sistema politico e, especialmente, de
um sistema eleitoral que não favorece a livre expressão das preferências dos cidadãos e a sua participação na definição da orientação política do país.
Considerando a distribuição da abstenção pelos círculos eleitorais, pode-se observar no gráficoA que o padrão já anteriormente identificado se repete, com abstenção
acima da média nacional (56,3%) em províncias que historicamente eram mais favoráveis à oposição e abstenção abaixo da média nacional nas zonas de grande
apoio histórico ao partido no poder.
Um outro aspecto interessante que pode ser considerado como uma indicação da insatisfação dos eleitores é o crescimento dos votos brancos e nulos em relação às
eleições de 2004. Como se pode ver na tabela 1, houve quase uma duplicação dos votos brancos e nulos a nível nacional.
Uma administração eleitoral parcial
Para além da avaliação que se possa fazer sobre o desempenho da CNE, particularmente em relação ao cumprimento da legislação eleitoral, constata-se que, apesar de um bom desempenho do STAE no que diz respeito à organização logística da votação e à rapidez e transparência das operações de contagem, continua a registar-se
um problema de parcialidade na actuação de muitos agentes eleitorais.
Independentemente das razões de fundo da abstenção, há que registar a existência de indicações de uma parte da alta participação constatada nalgumas regiões, particularmente de Tete e Gaza, ter resultado de pequenas fraudes locais. Apesar da
probabilidade de haver assembleias de voto com um nível de participação superior a 95% ser quase nula, registam-se nessas zonas numerosos casos em que a participação ronda, ou atinge, os 100%, e a votação para a Frelimo e o seu candidato presidencial se situa também à volta dos 100%.
* No que diz respeito aos resultados da votação de 2009, a presente análise baseia-se em dados recolhidos pelo Observatório Eleitoral. Os dados são provenientes
de uma amostra representativa nacional de 952 assembleias de voto e podem ter
uma pequena margem de erro em relação aos resultados nacionais.
Em relação aos números provinciais, a margem de erro é superior e são aqui usados apenas como indicativos de algumas tendências.

Dada a complexidade das questões relativas à actuação da CNE e à legislação eleitoral elas serão abordadas mais tarde num outro texto.
2. A abstenção real ter-se-á mantido quase idêntica à verificada em 2004, ou seja um pouco superior a 50%, pois o recenseamento eleitoral também desta vez está inflacionado, embora em menor escala, pois data de 2007 e sofreu apenas duas actualizações.
As duas principais razões para esta situação são:
os eleitores registados mas entretanto falecidos não são retirados dos cadernos eleitorais e, por outro lado, cada vez que há uma actualização, verificam-se
duplas inscrições que não são sistematicamente eliminadas pelo STAE.
3. Deve-se notar, no entanto, que existem indicações suficientes para se atribuir uma parte dessa diferença a fraude eleitoral.
A título de exemplo, note-se que 25% das mesas de voto da amostra do Observatório Eleitoral em Tete registaram uma participação superior a 95% e, no distrito de Changara, das 5 mesas de voto observadas, nas 3 que registaram 100% de participação, o candidato da Frelimo teve 100% dos votos e nenhum dos outros candidatos teve
nenhum voto, enquanto nas duas restantes, que registaram participações de 77% e 63%, o candidatos da Frelimo teve 95% e 96%, respectivamente.
Ao mesmo tempo, um outro factor deve ser tomado em consideração a propósito da mais alta abstenção em províncias como a Zambézia ou Nampula. Neste caso, existem indicações de uma maior dificuldade para os eleitores exercerem o seu direito de voto: a província da Zambézia, para 18% dos eleitores registados, tem apenas
16,4% das assembleias de voto, a província de Nampula, para 18,4% dos eleitores registados, tem 17,1% das assembleias de voto, ao mesmo tempo que o número médio
de eleitores por assembleia nessas províncias, respectivamente 858 e 835, é bastante superior ao existente em Gaza e, sobretudo, em Tete, respectivamente 725 e 664.
A conjugação dos vários indicadores disponíveis aponta assim para uma maior distância média a percorrer por parte dos eleitores da Zambézia ou de Nampula, quando
comparada com círculos eleitorais como Gaza e Tete.
É de notar que os partidos da oposição - e sobretudo a Renamo -se queixaram da qualidade das operações de recenseamento eleitoral nalgumas províncias com destaque
para Nampula e Zambézia.
Efectivamente, como se pode ver na tabela 2, há um certo desequilíbrio entre a população total dessas províncias, a população eleitoral recenseada e o número de mesas e locais de votação.
Uma vitória esmagadora da Frelimo
Do ponto de vista propriamente político, embora com a participação de menos de metade dos cidadãos eleitores, estas eleições colocaram a Frelimo numa posição
de total supremacia na cena política moçambicana. Em grande parte esta situação, que pode ter efeitos negativos sobre a construção democrática do país, resulta
tanto do esforço da Frelimo como da incapacidade demonstrada pela Renamo ao longo dos últimos quinze anos de se constituir e agir como um verdadeiro partido
politico e de assumir de forma responsável o seu papel de oposição.
Depois de ter perdido todas as suas – poucas – posições de poder nos municípios nas eleições de 2008, a Renamo corre agora o risco, com uma votação inferior a
20%, de se tornar uma força política marginal, sem nenhum papel na vida politica nacional.
A grande novidade destas eleições foi o surgimento de uma nova força politica, o MDM, que é em grande medida uma dissidência da Renamo. Porém, em parte devido à
exclusão das suas candidaturas na maioria dos círculos eleitorais, a sua representação parlamentar será apenas simbólica, não podendo formar uma bancada (o que pelos resultados obtidos pelo seu líder na eleição presidencial - teria
acontecido se não tivesse sido excluído da corrida eleitoral em 9 dos 13 círculos eleitorais). Na verdade, o seu desempenho foi limitado ao ponto de tornar difícil a
possibilidade de se tornar a curto prazo uma força de oposição forte.
Isto é em grande medida o resultado da forma como a Frelimo, como partido que historicamente se confunde com o Estado, ocupa e controla o espaço político, estabelecendo uma verdadeira barreira que os seus adversários terão muita dificuldade de transpor.
4. Em Gaza, embora existam alguns casos idênticos, que parecem ser menos frequentes
(10% das mesas observadas). Com efeito, o nível de participação
aí observado é superior à média, mas distribui-se de forma equilibrada. Estas zonas já tinham conhecido os mesmos problemas em 2004.
5. Não se pode excluir a possibilidade da diferença entre a percentagem da população total e a percentagem de eleitores recenseados ser resultante, não da actuação da administração eleitoral, mas da decisão dos cidadãos de não se inscreverem nas listas eleitorais. O mesmo já é menos evidente no que se refere às diferenças observadas em termos de quantidade de mesas e locais de votação.
6. Para maior clareza do argumento, não foi aqui contabilizada a população de Maputo e das cidades capitais de província.
7. Em princípio a Frelimo disporá de uma maioria de assentos parlamentares Suficiente não só para fazer aprovar qualquer lei, mas igualmente para modificar
a Constituição, sem necessidade de concertação com qualquer outra força política. Paralelamente a Frelimo disporá muito provavelmente da maioria absoluta em
todas as Assembleias Provinciais.
Note-se que a Frelimo já controla todos os municípios, com excepção da cidade da Beira.
* Texto extraído do Boletim Ideias do EISE - edição de 3 de Novembro de 2009

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