Thursday, 1 October 2009

Na província da Zambézia

População e madeireiros devastam florestas

Zambézia (Canalmoz) - A província da Zambézia tem sido uma das que mais recursos dispõe, desde o subsolo à própria superfície da terra, contando com a diversidade de espécies florestais e muito mais. De há uns tempos para cá as organizações da sociedade civil que trabalham naquele ponto do país, sobretudo as ligadas ao meio ambiente tem se desdobrado no sentido de reduzir os actos nefastos, decorrentes da exploração desenfreada e desumana dos seus recursos. As campanhas levadas a cabo, não têm sido do agrado de muitas figuras da nomenclatura e quiçá da própria população também, tendo em conta as famosas campanhas contra as queimadas descontroladas.
Conta-se que desde a publicação de um relatório em 2006, intitulado “Administração da Floresta na Zambézia, Moçambique: um take-away chinês!”, da autoria da consultora Catherine Mackenzie, num relatório final produzido para o Fórum das Organizações Não Governamentais da Zambézia, FONGZA, e que se tornou popular em 2007, muitas esferas começaram a colidir-se com o destapar do véu.
O relatório revela nomes sonantes de fortes figuras na arena política nacional e no processo de libertação do país do colonialismo português, envolvidos na exploração desenfreada da floresta zambeziana e, contribuindo assim para a devastação das mesmas. Um dos nomes que mais se destacou é o do primeiro governador da Zambézia, pós-independente, Bonifácio Gruveta, a família Chissano e muitos outros membros do partido Frelimo, ora no poder e, actualmente lutando para a sua própria sucessão na campanha eleitoral em curso no país.
Entretanto, a reportagem do Canalmoz trabalhou em alguns distritos da província da Zambézia, que detêm ainda florestas em exploração, com destaque para Alto Molocué, Mocuba, Pebane, Maganja da Costa, Gilé e Nicoadala e ainda, o distrito de Namacurra, que actualmente não dispõe de florestas para exploração, ou seja, a sua riqueza florestal já esgotou.
Do trabalho efectuado no terreno, ficámos a saber que a exploração é desregrada e contínua e ninguém se preocupa em repor o que está extraindo. O povo está praticamente com a boca fechada, porque dos esforços efectuados pela sociedade civil com vista a beneficiação da população residente nas zonas de exploração numa fasquia dos 20% do valor da exploração o colocou entre a “espada e a parede”. O povo já não pode reagir, porque os operadores os ameaçam de não lhes darem os 20%.
Com isso, os operadores vão fazendo e desfazendo. Cortam árvores fora do diâmetro permitido por lei. Tiram madeira da província sem a devida fiscalização e até chegam a exportar em toro espécies proibidas por lei.

Onde está a fiscalização

No decurso das nossas actividades na Zambézia, verificámos que os postos de fiscalização montados pelo governo não funcionam, primeiro pelo facto de os técnicos e/ou fiscais afectos aos mesmos fazerem das suas, ou seja, apenas “vão fechar boladas”, tal como chegámos a verificar no posto de controle de Nicoadala. Segundo porque os operadores já abriram novas rotas de circulação que lhes conduzem aos portos de preferência, com destaque para o de Nacala, na província nortenha de Nampula, sem precisarem de passar por algum posto de controle.
Aos olhos do cidadão comum parece que tudo está “numa boa”, quando passa por algumas estradas vendo restos do que ainda aparenta ser floresta. Na verdade no seu interior já não há nada. A verdade está escondida. Para além da primeira facha de arvores, já não há mais. Está tudo vazio, arrasado.
Em Nauela, distrito de Alto Molocué, fomos a um círculo onde logo à entrada parecia dispor de muita floresta. Quando nos dirigimos ao seu interior notamos que tudo tinha sido cortado e as árvores pequenas tinham sido igualmente destruídas. Situações do género verificámos quase na totalidade da nossa digressão.
Já no distrito de Mocuba, visitamos a zona de Soroco, no posto administrativo de Namanjavira, onde por intermédio de um ancião apuramos que “nós já não temos como reclamar porque temos os 20%, mas a verdade é que estes senhores cortam tudo, até árvores sagradas”.

População controversa

A população tem igualmente a sua quota-parte na devastação das florestas ao nível da província da Zambézia. Em épocas quentes, dedica-se a queimadas descontroladas, justificada com a prática agrícola e a procura de animais do tipo coelhos e ratazanas para o consumo humano.
Enquanto queimam as florestas perde-se parte significante das riquezas do subsolo que garantem uma vegetação saudável. No país a prática de queimadas descontroladas é crime, mas nunca se reportou a condenação de um cidadão por estes actos.
Já na estrada nacional número 1, EN1, verifica-se com facilidade o fenómeno das queimadas descontroladas.

A história de fiscais comunitários

Outrora, algumas organizações da sociedade civil haviam formado cidadãos para que desempenhassem o papel de fiscais comunitários. A ideia até já tinha pegado. Mas nos dias que correm estes mesmos fiscais por quem há tempos até havia uma certa consideração já perderam a dignidade pelo facto de a sua maioria estar empregada nas concessões e unidades de exploração florestal, cuja maioria é pertença de empresas chinesas, como é o caso da Green Timber.
Nos distritos por onde a reportagem deste diário Canalmoz e do Canal de Moçambique-Semanário passou, conversámos com alguns destes cidadãos. Por exemplo, no distrito de Pebane ficámos a saber, através de Gusmão Pedro, questões importantes. “Eu fui formado como fiscal comunitário, mas quando os chineses descobriram que impedíamos as suas actividades decidiram nos dar emprego e pagam bem, por isso não posso fazer nada”.
Este interlocutor diz: “Veja só senhor jornalista, quando nós éramos fiscais passávamos mal para comer e vestir, mas agora que estamos a cortar toros não passamos mal, por isso o melhor é de onde vem o nosso pão”.
A situação de Pedro não é a única. A mesma registámos nos nossos gravadores e blocos de notas, nos distritos de Maganja da Costa, Nicoadala, Lato Molocué e Gilé. Em todos esses distritos a maioria dos ex-fiscais já ergueram as residências de bloco queimado e cimento, cobertas com chapas de zinco. Ser fiscal não compensa. Tem compensado ser cúmplice da destruição. O Estado nada faz para alterar esta situação. Os maiores interessados em destruir as florestas são também os que se arvoram uma espécie de donos do Estado. Os ex-agentes de fiscalização fizeram uma opção de vida apenas por quererem sobreviver. Eles também estão chocados com a situação, mas podem pouco.

(Aunício da Silva)

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