Monday 17 August 2009

A Opiniao de Antonio Cipriano (Com a devida venia)

Eis, uma parte do discurso do Ministro da Educação, cujo título no Jornal Notícias é: Mais escolas profissionalizantes serão erguidas em Cabo Delgado
“O DISTRITO de Mueda verá daqui a cerca de seis meses concluída a primeira fase de edificação duma escola cuja primeira pedra foi lançada quarta-feira passada pelo Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, que estará virada para a satisfação do actual objectivo do Governo de profissionalização dos estabelecimentos de ensino, no dia em que fez o mesmo em relação à Escola Primária de N´Tchinga, distrito de Muidumbe e acabava de inaugurar a Escola Secundária Januário Pedro na vila autárquica de Mocímboa da Praia, que entretanto já vinha funcionando há cerca de quatro anos.

Maputo, Sexta-Feira, 14 de Agosto de 2009:: Notícias



A de Mueda, segundo Aires Ali, vai ser profissionalizente, porque, de acordo com a sua opinião, o Governo não deve continuar a formar quadros que só sabem criticar e pedir emprego e que cobiçam sempre a posição de dirigente ou de chefia.

Não podemos ter crianças que estudam durante 12 anos a aprender a pedir, voltam para casa para continuarem a pedir aos seus pais a sua própria sobrevivência ou ao Governo, ou ainda ao partido. Do jeito de, eu já tenho a 12ª classe feita mas o Governo ou o partido não me está a dar emprego. Não me estão a chamar. Não deve ser assim, têm que provar que valem, na prática”, disse o ministro da Educação e Cultura”

Comentário:

Se possuímos alguma clareza sobre a finalidade e a modalidade do ensino básico e da educação superior, tal clareza é obscurecida em relação ao ensino profissionalizante e o ensino médio que, em diversos países continuam uma incógnita. Um dos exemplos dessa incógnita são as intermináveis reformas, principalmente do ensino médio, justificadas como busca de caminhos da definição da formação: a educação geral ou a educação profissionalizante. A profissionalização da educação básica, de um modo geral, decorreu das lutas do movimento trabalhador, em função da mudança da base técnica de produção, como resultado da revolução industrial e do processo da ampliação do Estado Capitalista: os trabalhadores ganharam alguns direitos, entre os quais, o direito à educação. A escola da época, entretanto, tradicional, era mais humanista e, por conseguinte, não atendia aos interesses da classe trabalhadora.

Por não atender aos interesses imediatos da classe trabalhadora, por um lado, e devido a necessidade de mão-de-obra especializada, por outro lado, abriu-se um debate entre a burguesia e o movimento dos trabalhadores sobre a inclusão do trabalho na escola, como princípio educativo. O entendimento do conceito de trabalho, porém, seguiu por outros caminhos, distorcendo a definição feita por Marx. Ao se incluir o trabalho na escola como princípio educativo, pretendia-se que a escola preparasse os filhos dos trabalhadores para o mundo da produção. A elite burguesa, porém, sentiu-se pouco confortada com a proposta: ela atingia a escola tradicional, onde os seus filhos estudavam,. Desse modo, a burguesia buscou definir em qual nível de educação o ensino seria profissionalizante.

Criaram-se duas escolas: uma para elite burguesa e outra, profissionalizante, para os fiilhos dos trabalhadores. Apesar dessa solução, os debates continuaram e, no contexto do socialismo russo, Lênin e Kruspskaia, retomando as proposições marxianas e as experiências de Robert Owen defenderam a formação profissional juntamente com a intelectual, preparando o aluno tanto para pensar a sociedade como também para o mundo do trabalho, de modo a não ser um trabalhador dirigido, mas sim, dirigente da sociedade, que participa ativamente na transformação dessa mesma sociedade. A proposta dos dois, entrentanto, não vingou no movimento operário Russo: defendeu-se a formação profissional destituida da geral e a fábrica como locus da formação do trabalhador.

A defesa da escola profissionalizante com uma forte componente geral e humanistica ficou mais vincada no pensamento de Gramsci, através da idéia da escola unitária: que todos os estudantes, independentemente do grupo social, fossem levados até a escola média, onde deveria se equilibrar a capacidade de trabalho manual e a de trabalho intelectual. Ou seja, a profissionalização não deve descurar da formação humanística, que propicia a compreensão crítica de si mesmo e do mundo no qual vive. Porém, as experiências de educação transportadas para o bloco socialista foram aquelas que venceram no movimento operário Russo.

A explicitação dos rumos da profissionalização é uma plataforma que me permite examinar o discurso do Ministro da Educação de Moçambique. Conforme sublinha o Jornal notícias, Aires Ali justifica a profissionalização do ensino em Mueda, porque os estudantes apenas saberem criticar. Quais estudantes? Estudantes do ensino geral. Como apenas sabem criticar e pedir emprego, então, a solução é a profissionalização do ensino. Mas o Ministro defende uma profissionalização nos moldes pretendidos pela burguesia da passagem do século XIX para o XX, onde o aluno aprende a ser um bom trabalhador, exímio cumpridor de tarefas, conformado com a ordem social vigente. Não pode criticar, mas apenas seguir as orientações dos “patrões”, por mais injustas que sejam essas orientações.

A partir da fala do Ministro, parece ficar clara a posição dos governantes moçambicanos com relação aos objetivos da educação em Moçambique e, de um modo específico, da ensino profissional que está em processo de reforma: educar para o conformismo social, mesmo ante o caráter injusto da sociedade moçambicana que cada dia tem ficado mais evidente.

Outro ponto a considerar na fala do Ministro: os alunos somente sabem pedir emprego ao governo. Concordo com ele ao deixar nas entrelinhas que não é tarefa do governo dar empregos. Mas discordo com ele, ao colocar a ênfase no governo e não no Estado. Trata-se do governo do Estado e, como tal, tem a obrigação de formular e implementar políticas de geração de empregos. O apelo ao auto-emprego é uma fuga, no meu entender, à responsabilidade pela efetivação do direito humano ao trabalho. Com esse discurso, ratifica-se, mais uma vez, o artigo 84 da Constituição da República, onde afirmado que o trabalho é o DIREITO e DEVER de cada cidadão, embora no artigo 88 esteja dito que o Estado moçambicano promove a extensão da educação à formação profissional. É paradoxal: o Estado apenas promove a formação profissional, mas não se responsabiliza pela criação de emprego, através de políticas públicas consistentes, apelando, por conseguinte, para a auto-emprego. Deixa a entender, nas entrelinhas, que aquele que não conseguir se auto-empregar, o problema é dele e não do Estado e do governo do dia. O Ministro da Educação apenas esclareceu o que estava subentendido nos vários documentos do Estado moçambicano.




António Cipriano
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A educação é tarefa de todos nós!

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