Thursday 13 August 2009

A crise Malgaxe e a democracia à moda africana

Paulo Muxanga (CEMO)

“Esforcei-me por não rir dos aços humanos, por não chorar por eles e por não os odiar, mas por compreendê-los”- Benedito Espinosa

A democracia tem sido discurso recorrente no continente africano. Entretanto, a prática parece-nos andar em contramão deste discurso. Perfeito ou não, este é o modelo de governação que muitos Países africanos, pressionados ou não, têm estado a adoptar na orientação dos seus destinos de vida em sociedade. Esta democracia tem regras que são, mutuamente, aceites pelos actores políticos em cada espaço geográfico que opta por esta via de gestão política da sociedade. Contudo, a música muda de ritmo quando se chega à fase de cada um assumir as suas responsabilidades no processo democrático. Exemplos há que não poderiam aqui caber, citando-se, apenas, alguns que marcaram a vida política do continente africano nos últimos tempos, concretamente, Quénia, Zimbabwe e Madagascar. Os acontecimentos nestes Países demonstram-nos a falta de compromisso, de facto, para com os princípios da democracia por parte de muitos políticos africanos. A democracia é aqui entendida, conforme Pedra (2009), como a forma de governo em que o povo é a fonte primária do poder, governa-se por meio de representantes eleitos periodicamente por ele, que tomam em seu nome e no seu interesse as decisões políticas, envolvendo assim o instituto da representação. No Quénia, o povo escolheu aqueles que entendeu que deviam ser os seus representantes, no entanto, os derrotados não aceitaram a derrota, assassinando a vontade popular, impuseram partilha do poder. No Zimbabwe o povo escolheu, seguindo o exemplo queniano, os derrotados recusaram-se a aceitar os resultados, uma vez mais, assassinaram a vontade popular, impondo também uma partilha do poder. Uma clara demonstração de desrespeito ao povo, às instituições e às regras do jogo democrático por eles acordadas. No caso de Madagascar, o cenário é mais inusitado e bastante preocupante, uma vez que, a instituição que devia zelar pelo respeito pelas normas do jogo político, no caso a Alta Corte Constitucional, não só anuiu, como avalizou a usurpação fraudulenta e violenta do poder pelos militares e o Rajoelina. Esta conferiu a este (Rajoelina) o exercício das atribuições de presidente da República, enunciadas pelos dispositivos da Constituição, depois de ter validado a ordem de transferência de plenos poderes por parte do diretório militar que destituiu o Presidente eleito, Ravalomanana. Portanto, como se pode perceber, estes acontecimentos não só violaram as normas internas, como o fizeram em relação às normas internacionais, particularmente de organizações de que estes Estados são membros, como a União Africana e a SADC, que, mesmo condenando, demonstraram fragilidades institucionais graves no tratamento destas matérias. Nos três casos referidos, tanto a União Africana como a SADC, depois da condenação destas violações constitucionais, promoveram entendimentos extra-constitucionais que criaram governos de unidade nacional, levantando precedentes perigosos que podem incentivar, de forma generalizada, a conquista do poder com recurso a vias inconstitucionais.

Por outro lado, isto remete-nos para interrogações sobre a validade do modelo de democracia que os africanos prosseguem. É que, a expressão da vontade popular, reflectida nos resultados eleitorais, tem sido decapitada, dando indicação de que o modelo de democracia representativa, vigente em África, está a atravessar alguma crise. A propósito, por exemplo, da crise Malgaxe, Roindefo, adensando ainda mais as nossas dúvidas, declarou que a transferência do poder naquele País não foi um golpe de Estado, mas sim "a expressão direta da democracia, quando a democracia representativa não se manifesta através das instituições". Isto é uma confusão conceitual gritante e revelador da crise em que o modelo se encontra mergulhado no continente africano. Como refere Pedra (2009), é inquestionável o fracasso da democracia representativa, tendo, o povo, sido transformado, de fonte primária de legitimação do poder, em mero objecto do mesmo, com a sua soberania usurpada pelas elites, pelo poder econômico, pelas instituições, pelas empresas multinacionais, pelo sistema representativo instalado, pelos meios de comunicação de massa, politizados e partidarizados. Mas, então, que saídas afinal...?
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