Monday 17 August 2009

CONSELHO CONSTITUCIONAL

Acórdão nº 08/CC/09 de 14 de Agosto Processo nº 08/CC/2009
Verificação dos requisitos legais exigidos para as candidaturas a Presidente da República
Acordam os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional:
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Relatório
Por Decreto Presidencial nº 1/09, de 20 de Abril, foi marcada a data de 28 de Outubro de 2009 para a realização das Eleições Presidenciais, Legislativas e para as Assembleias Provinciais.
Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 244 da Constituição, conjugada com o nº 2 do artigo do artigo 133 e o nº 1 do artigo 134, ambos da Lei nº 7/2007, de 26 de Fevereiro, doravante designada por Lei Eleitoral, o
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Acórdão nº 08/CC/2009, de 14 de Agosto
Conselho Constitucional estabeleceu e tornou públicos, por Deliberação nº 01/CC/2009, de 23 de Abril, os procedimentos para apresentação de candidaturas ao cargo de Presidente da República.
Ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artigo 7 da Lei nº 8/2007, de 26 de Fevereiro, conjugada com o nº 4 da Lei nº 15/2009, de 9 de Abril, e em conformidade com o Decreto Presidencial anteriormente referido, a Comissão Nacional de Eleições aprovou, através da Resolução nº 9/CNE/2009, de 14 de Maio, o Calendário do Sufrágio para as eleições de 28 de Outubro de 2009, fixando o período de 1 de Junho a 29 de Julho de 2009 para apresentação de candidaturas.
Neste período, de harmonia com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 133 da Lei Eleitoral e do artigo 87 da Lei nº 6/2006, de 2 de Agosto, Lei Orgânica do Conselho Constitucional, com as alterações introduzidas pelo nº 4 do artigo 5 da Lei nº 15/2009, de 9 de Abril, apresentaram, sucessivamente, no Conselho Constitucional, candidaturas ao cargo de Presidente da República os cidadãos Armando Emílio Guebuza, Daviz Mbepo Simango, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, Jacob Neves Salomão Sibindy, Khalid Husein Mahomed Sidat, Raul Manuel Domingos, Leonardo Francisco Cumbe, Artur Ricardo Jaquene e José Ricardo Viana Agostinho, todos devidamente identificados nos autos.
Terminado o prazo de apresentação de candidaturas, no dia 30 de Julho de 2009, procedeu-se à publicação, por edital, da lista dos cidadãos que submeteram as propostas de candidatura, por ordem alfabética, no Conselho Constitucional e na Comissão Nacional de Eleições, conforme determinado
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no nº 1 do artigo 88 da Lei nº 6/2006, conjugado com o nº 3 do artigo 133 da Lei Eleitoral.
II
Fundamentação
As candidaturas foram apresentadas pelos candidatos ou respectivos mandatários, em tempo, e com observância das formalidades legais.
O Conselho Constitucional é competente para verificar os requisitos legais exigidos para as candidaturas ao cargo de Presidente da República, assim como para decidir sobre a sua admissão, por força do estabelecido na alínea a) do nº 2 do artigo 244 da Constituição, conjugada com os artigos 89 e 90 da Lei nº 6/2006, com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei nº 5/2008, de 9 de Julho.
Não existem nulidades ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se passa a apreciar e decidir.
Importa antes observar que a verificação das candidaturas nos termos das disposições supracitadas consiste no exame minucioso dos processos com vista a determinar a sua regularidade, a autenticidade dos documentos que os integram e a elegibilidade dos candidatos.
A regularidade é ajuizada tendo em conta a observância dos requisitos formais de apresentação de candidaturas estabelecidos pelo artigo 134 da Lei Eleitoral e com base na apreciação formal dos documentos que instruem
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cada processo, em confronto com os procedimentos e modelos aprovados pela Deliberação nº 01/CC/2009, de 23 de Abril.
A verificação da autenticidade dos documentos implica, sobretudo, o julgamento do seu conteúdo intrínseco com vista a apurar a veracidade das declarações que neles se contém e dos factos que visam provar.
Com efeito, os documentos escritos que instruem os processos de candidatura constituem prova documental que tem por função a demonstração da realidade dos factos, nos termos do artigo 362º, conjugado com o artigo 341º, ambos do Código Civil (CC).
O artigo 134 da Lei Eleitoral, complementado com o nº 1º da Deliberação nº 01/CC/2009, exige para a apresentação das candidaturas, por um lado, documentos autênticos e, por outro, documentos particulares que, em certos casos, carecem de reconhecimento notarial, e tal exigência deve ser entendida de harmonia com o artigo 363º do CC, conjugado com o artigo 40 do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2006, de 23 de Agosto.
A imposição legal de autenticidade ou de reconhecimento notarial incide sobre os documentos cuja função é provar o preenchimento cumulativo dos requisitos de elegibilidade estabelecidos pelo nº 2 do artigo 147 da Constituição, conjugado com o artigo 127 da Lei Eleitoral que fixa as inelegibilidades para o cargo de Presidente da República.
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Tendo em conta os parâmetros acima expostos, procede-se a seguir à apreciação dos processos de candidatura, começando por verificar a sua regularidade, para depois examinar a autenticidade dos documentos que os instruem e, finalmente, determinar a elegibilidade dos candidatos.
Não há irregularidades processuais relevantes que justifiquem notificações para suprimento nos termos do nº 2 do artigo 89 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, conjugado com artigo 135 da Lei Eleitoral, mostrando-se preenchidos, em relação a todos os processos, os requisitos formais de apresentação de candidaturas estabelecidos no artigo 134 da Lei Eleitoral, assim como cumpridos os procedimentos fixados pela Deliberação nº 01/CC/09, de 23 de Abril.
Com excepção das fichas de proponentes cuja análise substancial se faz mais adiante, os documentos contidos em todos os processos observam os requisitos legais de autenticidade ou de reconhecimento notarial, e do exame do respectivo conteúdo conclui-se que os mesmos provam as condições de elegibilidade dos candidatos estabelecidas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 147 da Constituição, conjugado com o artigo 127 da Lei Eleitoral.
Conforme a alínea d) do nº 2 do artigo 147 da Constituição, os cidadãos moçambicanos que se candidatem ao cargo de Presidente da República carecem de ser “propostos por um mínimo de dez mil eleitores”, sendo esta exigência também um requisito de elegibilidade cumulativo aos demais já considerados provados.
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A Lei Orgânica do Conselho Constitucional, complementando a disposição constitucional em apreço, fixa no nº 3 do artigo 87 o limite máximo de vinte mil proponentes para o efeito de apresentação de cada candidatura. Por sua vez, a Lei Eleitoral veda, nos termos do nº 3 do artigo 132, que o mesmo eleitor proponha mais do que uma candidatura, e no nº 3 do artigo 134 impõe que os proponentes provem a sua inscrição no recenseamento eleitoral e que as respectivas assinaturas sejam reconhecidas notarialmente.
Estas são as prescrições constitucionais e legais que o Conselho Constitucional observa no procedimento da verificação da validade das propostas de candidaturas, sem prejuízo de apreciar os aspectos relacionados com a forma como devem ser arrolados os proponentes de acordo com o respectivo modelo de ficha que constitui o anexo II à citada Deliberação nº 01/CC/09.
No acto de recebimento das candidaturas, procedeu-se ao registo do número máximo de proponentes declarado pelos candidatos ou seus mandatários. No entanto, conforme se demonstra mais adiante, na conferência física posterior das fichas verificou-se, em relação a alguns processos de candidatura, divergência numérica entre os proponentes declarados e os efectivamente contabilizados, facto que em nenhum caso foi relevante no apuramento do número mínimo de proponentes exigido.
A apreciação da validade das propostas de candidaturas expressas nas fichas de proponentes, efectivamente recebidas pelo Conselho Constitucional, por um lado, baseia-se na análise dos dados apurados através da verificação informática do nome e número de inscrição de cada proponente no
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recenseamento eleitoral e da confrontação dos proponentes, primeiro, do mesmo candidato e, depois, dos diferentes candidatos com vista a sanear eventuais propostas múltiplas. Por outro lado, toma em consideração as constatações decorrentes do exame directo e pericial dos demais elementos constantes das referidas fichas, tais como as assinaturas ou impressões digitais dos proponentes e o respectivo reconhecimento.
Essa apreciação revelou uma série de vícios que, grosso modo, afectam todas as candidaturas, podendo ser tipificados da seguinte forma:
a) Fichas da mesma candidatura com vários nomes de proponentes repetidos;
b) Fichas de diferentes candidaturas com vários nomes dos mesmos proponentes;
c) Fichas com diferentes nomes de proponentes mas com o mesmo número de inscrição no recenseamento eleitoral;
d) Fichas com os mesmos nomes de proponentes mas diferentes números de inscrição no recenseamento;
e) Fichas com números de inscrição no recenseamento sem os respectivos nomes de proponentes;
f) Fichas com números de inscrição dos proponentes no recenseamento ilegíveis;
g) Fichas com números de inscrição dos proponentes no recenseamento incompletos ou mal preenchidos;
h) Fichas com números de inscrição de proponentes no recenseamento inválidos;
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i) Fichas com número de inscrição do proponente no recenseamento formado por mais de dezoito dígitos;
j) Fichas com nomes, mas sem os respectivos números de inscrição no recenseamento;
k) Fichas com registos de nomes de proponentes ilegíveis;
l) Fichas com rasuras nos números de inscrição dos proponentes no recenseamento, mas sem a devida ressalva efectuada pelo notário;
m) Fichas com rasuras nos nomes de proponentes, mas sem a devida ressalva efectuada pelo notário;
n) Fichas com o espaço para as assinaturas de proponentes em branco ou tracejado, mas com a declaração do notário reconheço as assinaturas...;
o) Fichas com a indicação de que o proponente não sabe assinar, sem impressão digital e sem a menção pelo notário de que os proponentes não assinaram por não saber ou poder ou que não havia condições para a recolha das impressões digitais;
p) Fichas com nomes e assinaturas de proponentes, mas sem o devido reconhecimento notarial;
q) Fichas com nomes de proponentes e assinaturas lavrados com o punho da mesma pessoa ou de um reduzido número de pessoas, tendo, apesar disso, as assinaturas sido reconhecidas, por semelhança, pelo notário;
r) Fichas com números de inscrição de proponentes no recenseamento em sequências numéricas e ou de nomes por ordem alfabética;
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s) Mesmo nome em inúmeras fichas ora com assinatura, ora com impressão digital ou ainda com a indicação de que não sabe assinar;
t) Fichas com nome do proponente diferente do nome que aparece no espaço da assinatura;
u) Fichas com impressões digitais apostas com o mesmo dedo em várias ou na mesma ficha;
v) Fichas com manchas de tinta no lugar da impressão digital;
w) Fichas de proponentes preenchidas e depois reproduzidas por fotocópia, mas com reconhecimento de assinaturas pelo notário;
Estes vícios determinaram a invalidação dos proponentes afectados, tendo daí resultado as seguintes situações relativamente a cada candidatura:
1º - Armando Emílio Guebuza
Confirmou-se a entrega de fichas perfazendo 20.665 (vinte mil, seiscentos e sessenta e cinco) proponentes, contra 20.000 (vinte mil) declarados, tendo sido excluídos do processamento informático os 665 (seiscentos e sessenta e cinco) proponentes em excesso, por força do nº 3 do artigo 87 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, conjugado com o nº 3 da Deliberação nº 01/CC/09, de 23 de Abril. Dos 20.000 (vinte mil) proponentes processados, 14.898 (catorze mil, oitocentos e noventa e oito) foram julgados válidos e 5.102 (cinco mil, cento e dois) inválidos, com fundamento na verificação dos vícios tipificados nas alíneas a), b), f), g), h), j), k), l), m), p) e u).
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2º - Daviz Mbepo Simango
Confirmou-se a entrega de fichas totalizando 16.730 (dezasseis mil, setecentos e trinta) proponentes, dos quais 12.383 (doze mil, trezentos e oitenta e três) foram julgados válidos e 4.347 (quatro mil, trezentos e quarenta e sete) inválidos com fundamento na verificação dos vícios tipificados nas alíneas a), b), f), g), j), k), l), n), o), e p).
3º - Afonso Macacho Marceta Dhlakama
Confirmou-se a entrega de fichas com um total de 19.890 (dezanove mil, oitocentos e noventa) proponentes, contra 20.000 (vinte mil) declarados. Foram processados, pela informática, todos os proponentes efectivamente recebidos, dos quais 10.246 (dez mil, duzentos e quarenta e seis) foram julgados válidos e 9.644 (nove mil, seiscentos e quarenta e quatro) inválidos, com fundamento na verificação dos vícios tipificados nas alíneas a), b), f), g), h), j), k), l), n), o), e p).
4º - Jacob Neves Salomão Sibindy
Comprovou-se a entrega de fichas totalizando 12.610 (doze mil e seiscentos e dez) proponentes, todos processados informaticamente, dos quais 6.235 (seis mil, duzentos e trinta e cinco) foram julgados válidos e 6.375 (seis mil, trezentos e setenta e cinco) inválidos, por enfermarem dos vícios indicados nas alíneas a), b), f), g), h), j), k), l), n), s), t), e u).
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5º - Raul Manuel Domingos
Certificou-se a entrega de fichas totalizando 15.900 (quinze mil e novecentos) proponentes, tendo destes sido excluídos do processamento informático 5.948 (cinco mil novecentos e quarenta e oito), por se apresentarem com os vícios das alíneas d), i), j), n), o), q) e t). Dos 10.062 (dez mil e sessenta e dois) proponentes processados informaticamente, 5.171 (cinco mil, cento e setenta e um) foram julgados válidos e 4.891 (quatro mil oitocentos e noventa e um) foram julgados inválidos, por padecerem dos vícios das alíneas a), b), f), g), h) e p).
6º - Khalid Husein Mahomed Sidat
Confirmou-se a entrega de fichas num total de 13.210 (treze mil duzentos e dez) proponentes, dos quais 11.549 (onze mil, quinhentos e quarenta e nove) foram excluídos do processamento informático, por estarem inquinados dos vícios das alíneas d), g), i), j), n), o), q), u) e v). Dos 1.661 (mil seiscentos e sessenta e um) proponentes processados, 868 (oitocentos e sessenta e oito) foram julgados válidos e 793 (setecentos e noventa e três) inválidos, por vícios das alíneas a), b), f), g), h) e p).
7º - Leonardo Francisco Cumbe
Certificou-se a entrega de fichas perfazendo 14.000 (catorze mil) proponentes, dos quais foram excluídos do processamento informático 13.085 (treze mil e oitenta e cinco), por vícios das alíneas d), g), i), j), n), o), q), t), u), e w). Dos 917 (novecentos e dezassete) proponentes processados,
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227 (duzentos e vinte e sete) foram julgados válidos e 690 (seiscentos e noventa) inválidos, por padecerem dos vícios das alíneas a), b), f), h), e p).
8º- Artur Ricardo Jaquene
Comprovou-se a entrega de fichas totalizando 14.000 (catorze mil) proponentes e destes foram excluídos do processamento informático 11.371 (onze mil, trezentos e setenta e um), por vícios das alíneas a), d), g), i), j), n), o), q), t), u), v) e w). Foram processados 2.629 (dois mil, seiscentos e vinte e nove) proponentes, dos quais 924 (novecentos e vinte e quatro) foram considerados válidos e 1.705 (mil setecentos e cinco) inválidos, por vícios das alíneas a), b), f), h) e p).
9º - José Ricardo Viana Agostinho
Confirmou-se a entrega de fichas num total de 12.000 (doze mil) proponentes, dos quais foram excluídos do processamento informático 11.970 (onze mil, novecentos e setenta), por vícios das alíneas a), d), g), i), j), n), o), t), u), v) e w). Dos 30 (trinta) proponentes processados, 11 (onze) foram declarados válidos e 19 (dezanove) inválidos, por vícios das alíneas b), f), e h).
A tabela seguinte mostra resumidamente a situação de cada candidatura decorrente da verificação da validade dos respectivos proponentes.
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Resumo do Resultado da Validação dos Proponentes com as Causas da Invalidação
Inválidos
Repetidos
Nome do Candidato
N° de Proponentes Processados
N° de Proponentes Validados
S/Confirmaçãodo Notário
N° de Eleitor Incorrecto
Mesmo Candidato
Candidatos Diferentes
N° de Eleitor Inválido
N° de Proponentes Inválidos
Armando Emílio Guebuza
20.000
14.898
1.330
433
315
32
2.992
5.102
Daviz Mbepo Simango
16.730
12.383
1527
319
388
110
2.003
4.347
Afonso Macacho Marceta Dhlakama
19.890
10.246
5.131
1493
261
38
2.721
9.644
Jacob Neves Salomão Sibindy
12.610
6.235
1.072
356
868
668
3.411
6.375
Raul Manuel Domingos
10.062
5.171
706
718
762
63
2.642
4.891
Khalid Husein Mahomed Sidat
1.661
868
13
112
27
134
507
793
Leonardo Francisco Cumbe
917
227
8
41
27
305
309
690
Artur Ricardo Jaquene
2.629
924
42
305
309
649
400
1.705
José Ricardo Viana Agostinho
30
11
0
12
0
1
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Em relação aos diversos tipos de vícios cujo arrolamento mais acima se procedeu e que, conforme ficou demonstrado, afectam, em geral, todas as candidaturas, mostra-se necessário distinguir, por um lado, os que se traduzem em erros cometidos no preenchimento das fichas de proponentes, por outro, aqueles que se relacionam essencialmente com a vontade do eleitor presumivelmente manifestada em apoio a uma determinada candidatura. Enquanto os primeiros podem considerar-se vícios formais, os segundos devem ser tidos como vícios de fundo ou de substância.
Neste sentido, a Lei Eleitoral refere-se, no artigo 135, a irregularidades processuais passíveis de suprimento devendo para o efeito ser notificados os candidatos ou mandatários. Desta referência legal a irregularidades processuais extrai-se que existe também outro tipo de irregularidades, as não processuais ou substantivas, que, pela sua natureza, são insupríveis.
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Quanto às primeiras, o Conselho Constitucional decidiu não notificar os candidatos por elas abrangidos para o seu suprimento, porquanto tal procedimento revelou-se desde logo inútil considerando que não permitiria a alteração da situação de insuficiência do número de proponentes, constitucionalmente exigido, em que se encontram os mesmos candidatos, em virtude da declaração da invalidade das propostas da maioria dos respectivos proponentes por vícios de fundo ou de substância.
Estes vícios, que não devem ser considerados como irregularidades processuais, são consubstanciados, nomeadamente, pelas já mencionadas situações de fichas com nomes de proponentes e ou pertinentes assinaturas lavrados pelo punho de uma mesma pessoa ou de um reduzido número de pessoas, ou com números de inscrição de proponentes no recenseamento eleitoral em sequências numéricas e ou de ordem alfabética, fichas com a menção não sabe assinar no lugar das assinaturas e com declaração do notário reconheço as assinaturas..., ou com o espaço para as assinaturas de proponentes em branco ou tracejado e com a declaração do notário reconheço as assinaturas....
Consubstanciam ainda vícios substanciais as situações de inúmeras fichas com o mesmo nome aparecendo em algumas com assinatura, noutras com impressão digital e ainda noutras com a indicação de que não sabe assinar; com o nome do proponente diferente daquele que aparece no lugar da assinatura; ou com impressões digitais apostas com o mesmo dedo na mesma ou em várias fichas de proponentes; e ainda o empolamento do número de proponentes através da reprodução em série, por fotocópia, de fichas previamente preenchidas.
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A reiteração das situações desta natureza em certos processos de candidatura suscitou dúvida ao Conselho Constitucional quanto à autenticidade da vontade alegadamente manifestada por milhares de eleitores no sentido de propor candidaturas. Para esclarecer tal facto, este Conselho submeteu os documentos sob suspeita a exame pericial, tendo, para o efeito, a Direcção Nacional dos Registos e Notariado respondido prontamente com o envio de especialistas, uns em dactiloscopia (para exame de impressões digitais), outros em grafologia (para exame de caligrafia).
O resultado da peritagem realizada confirmou a maioria das suspeitas do Conselho Constitucional, o que lhe permitiu chegar à conclusão de que em tais situações duvidosas houve efectivamente viciação intencional da vontade de eleitores que aparecem registados nas fichas como proponentes de determinadas candidaturas.
A peritagem demonstrou igualmente ter havido, no mínimo, negligência de certos agentes notariais que abdicaram do seu dever de observar escrupulosamente os ditames legais que se impõem ao ofício de autenticação de documentos, no caso vertente, através do reconhecimento de assinaturas.
O resultado do exame pericial leva o Conselho Constitucional a presumir a existência, nos processos em apreço, de casos de reprodução de folhas de cadernos de recenseamento eleitoral cujos sintomas são as múltiplas fichas de proponentes preenchidas com sequências de números de cartões ou de nomes de eleitores em ordem alfabética; de falsificação de assinaturas e de
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impressões digitais; registo de supostos eleitores; tentativa grosseira de defraudar a lei e ludibriar o próprio Conselho com fotocópias em série de fichas de proponentes contendo os mesmos nomes e números de cartões de eleitores.
Como ficou demonstrado na descrição da situação das candidaturas resultante do processo de validação de proponentes e no respectivo resumo inserido na tabela acima apresentada, todos os casos em que a invalidação de proponentes determinou insuficiência do número mínimo exigido pela alínea d) do nº 2 do artigo 147 da Constituição estão relacionados directamente com estas situações que, para além de fraudulentas, não abonam a nenhum cidadão que queira ascender ao cargo de Presidente da República.
Mais do que isso, as mesmas situações violam um direito fundamental de participação política dos cidadãos, implícito na supracitada norma constitucional, que se traduz na liberdade de decisão de candidatura, isto é, de propor ou não candidatos, e na liberdade de escolha de candidatos a propor.
A ideia de heterocandidatura, e não autocandidatura, expressa na alínea d) do nº 2 do artigo 147 da Constituição, torna primordialmente decisiva a vontade dos cidadãos, livremente manifestada, na escolha de quem pode ser candidato ao cargo de Presidente da República. Por conseguinte, o preenchimento do número mínimo de dez mil proponentes exigido nesta disposição constitucional, em acumulação com as demais exigências estabelecidas, é condição essencial de elegibilidade para o referido cargo e,
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consequentemente, a sua falta traduz-se em inelegibilidade que determina a rejeição do candidato, por força do artigo 136 da Lei Eleitoral.
As condutas anómalas atrás descritas indiciam responsabilidade quer criminal quer disciplinar cuja imputação deve ser determinada em processo próprio, cabendo ao Conselho Constitucional participar prontamente as ocorrências às entidades competentes.
Com efeito, foi esta a orientação fixada pelo Conselho Constitucional na Deliberação nº 21/CC/2004, de 12 de Outubro, publicada no Boletim da República nº 44, I série, de 3 de Novembro de 2004, Suplemento, sobre as candidaturas às eleições presidenciais de 2004, embora naquele contexto tivesse também decidido, num exercício de pedagogia de participação democrática, dar oportunidade às candidaturas afectadas por vícios substanciais semelhantes aos que se verificam no presente processo, notificando os candidatos visados para o respectivo suprimento.
No que concerne à conduta ética e honestidade que se exige dos cidadãos que pretendam concorrer ao cargo de Presidente da República, bem como à seriedade com que os agentes notariais e demais funcionários públicos envolvidos em processos eleitorais devem desempenhar as suas funções, o Conselho Constitucional considera oportuno e útil evocar a parte pertinente da aludida deliberação que passa a citar:
“2- (...)
Dos candidatos, como candidatos que são à suprema magistratura da Nação, e dos demais participantes neste processo, exige-se não só o
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respeito da legalidade, mas sobretudo uma postura de ética e de seriedade, incompatível com inadmissíveis violações ou com grosseiras tentativas de contornar quer as leis quer os procedimentos definidos.
3- Porque em democracia o principal protagonista é o povo, isto é, o cidadão eleitor, é imperioso que esse protagonismo não seja frustrado através de procedimentos fraudulentos, em que eleitores são, à sua revelia, submetidos e instrumentalizados por funcionários ou por simpatizantes dos partidos ou dos candidatos. Esse protagonismo começa desde logo pelo papel que a Constituição atribui ao cidadão eleitor, na fase de apresentação, de determinar quem merece ser candidato ao cargo de Presidente da República.”
III
Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, o Conselho Constitucional decide:
a) admitir as candidaturas ao cargo de Presidente da República dos cidadãos Armando Emílio Guebuza, Daviz Mbepo Simango e Afonso Macacho Marceta Dhlakama, por preencherem todos os requisitos constitucionais e legais;
b) rejeitar as candidaturas dos cidadãos Jacob Neves Salomão Sibindy, Khalid Husein Mahomed Sidat, Raul Manuel Domingos, Leonardo Francisco Cumbe, Artur Ricardo Jaquene e José Ricardo Viana
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Agostinho, por inelegibilidade decorrente de insuficiência de proponentes.
Extraiam-se cópias dos documentos relevantes do processo e remetam-se ao Ministério Público e ao Ministério da Justiça para efeitos de procedimento criminal e disciplinar.
Registe, notifique imediatamente os candidatos ou seus mandatários, a Comissão Nacional de Eleições, afixe e publique-se, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 90 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional.
Maputo, 14 de Agosto de 2009
Luís António Mondlane________________________________
Orlando António da Graça______________________________
Lúcia da Luz Ribeiro___________________________________
João André Ubisse Guenha______________________________
Lúcia F.B. Maximiano do Amaral_________________________
Manuel Henrique Franque___________________(vencido nos termos da declaração de voto que segue)
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Acórdão nº 08/CC/2009, de 14 de Agosto
Processo nº 08/CC/2009
Voto de vencido
Votei vencido pelas seguintes razões:
Em 1 e 2 de Dezembro de 2004 realizaram-se as terceiras eleições presidenciais cujos requisitos legais de candidatura, fixadas pela Deliberação nº 18/CC/2004, de 13 de Julho, pouco diferem, no essencial, dos requisitos fixados para as eleições presidenciais a ter lugar em 28 de Outubro de 2009, à excepção da exigência do depósito de uma caução de cem mil meticais.
Em 2004 o Conselho Constitucional, na sua Deliberação nº 21/CC/2004, de 12 de Outubro, na análise das candidaturas para o cargo de Presidente da República e no que toca à recolha de assinaturas de eleitores proponentes, deparou-se com semelhantes irregularidades elencadas no presente Acórdão, nomeadamente:
-"[N]a recolha de assinaturas de proponentes, numerosas fichas foram preenchidas e assinadas manifestamente pelo punho de um reduzido número de indivíduos, tendo o reconhecimento, por semelhança, sido obtido invariavelmente em três cartórios notariais, o 2º e o 3º cartórios Notariais da Cidade de Maputo e o Cartório Notarial da Cidade da Matola, embora as assinaturas respeitem a eleitores recenseados em várias províncias do País;
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Acórdão nº 08/CC/2009, de 14 de Agosto
- Repetições de proponentes, mesmo nome e número de carão de eleitor, em várias fichas;
- Mesmo número de cartão de eleitor com nomes diferentes,
- Fichas de proponentes sem fotografia do candidato;
- Fichas sem assinaturas dos respectivos proponentes;
- Cartões de eleitores de proponentes em sequências numéricas contínuas, tornando-se evidente não serem mais do que meras reproduções de folhas de cadernos de recenseamento, o que faz presumir não terem os respectivos titulares delas tido conhecimento ou nelas tido intervenção;
- .........................................................................................................................
- Mesmos eleitores proponentes de mais de uma candidatura;
- Reconhecimento de assinaturas de grupos de dez proponentes, aplicando-se irregularmente o disposto no nº 2 do artigo 8 do Decreto-Lei nº 2/75, de 7 de Janeiro, com a nova redacção aprovada pelo Decreto nº 66/99, de 5 de Outubro;
- Fichas de proponentes com a menção de que não sabem assinar e com reconhecimento de assinaturas inexistentes, sem observância do estipulado no nº 1 do artigo 373 do Código Civil, conjugado com o artigo 166 do Código do Notariado;
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- Mesmo número de cartão de eleitor e mesmo nome em inúmeras fichas com assinatura, e noutras com a indicação de que não sabe assinar.
O arrolamento feito aponta claramente para o facto de que o grosso das irregularidades verificadas se relaciona principalmente com a inobservância do dispositivo da alínea e) do nº 3 do artigo 118 da
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Constituição da República, o qual impõe que o candidato a Presidente da República seja proposto por um mínimo de dez mil eleitores.
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As irregularidades verificadas neste âmbito legitimam a presunção de ter havido muitos casos de eleitores registados fraudulentamente em fichas de proponentes, seja por não terem tido o devido conhecimento desse registo, seja por terem sido registados sem conhecimento exacto do propósito de tal registo ou, conhecendo-o, sem o pleno conhecimento da identidade do candidato a que destinava o seu apoio.
Se é verdade que responsabilidade por estas situações anómalas é, em princípio, imputável aos candidatos, não é menos verdade que, muitas vezes, elas foram facilitadas por alguns agentes notariais que abdicaram da sua missão de verificar com rigor a veracidade das assinaturas no acto do seu reconhecimento.
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Apesar daquelas irregularidades apontarem, sem dúvida, para indícios da prática de actos ilícitos, os candidatos cujos processos apresentaram irregularidades, nomeadamente a de ter menos de dez mil proponentes em virtude da invalidação das fichas onde foram detectadas as referidas irregularidades, foram notificados para as suprir, no prazo legal.
Entende agora o Conselho Constitucional que aquelas irregularidades são insupríveis, por constituírem indícios de prática de ilícitos criminais, como se não o tivessem sido nas eleições presidenciais de 2004 e, tanto é assim,
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que foram extraídas cópias, remetidas ao Ministério Público e ao Ministério da Justiça, para se apurar e determinar eventuais responsabilidades criminal e disciplinar.
No presente Acórdão, perante factos e circunstâncias semelhantes, apenas com a diferença de que se desceu ao pormenor de detalhar os vícios constados nas fichas de proponentes, com o auxílio de peritos, entendo que o Conselho Constitucional mudou de orientação jurisprudencial, com a qual discordo, com fundamento de que entre os vícios detectados há que distinguir entre os que configuram vícios formais (relativos aos erros cometidos no preenchimento de fichas de proponentes) e os vícios de fundo ou de substância (que se relacionam essencialmente com a vontade do eleitor presumivelmente manifestada em apoio a uma determinada candidatura).
Nos termos do nº 2 do artigo 89 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, aprovada pela Lei nº 6/2006, de 2 de Agosto, com a nova redacção dada pela Lei nº 5/2008, de 9 de Julho, no processo de verificação dos requisitos legais para as candidaturas ao cargo de Presidente da República, "verificando-se irregularidades processuais, são notificados os candidatos ou seus mandatários para as suprir no prazo de cinco dias, sob pena de rejeição da respectiva candidatura". No mesmo sentido vai o artigo 135 da Lei nº 7/2007, de 26 de Fevereiro, no que concerne à eleição do Presidente da República.
Tanto o nº 2 do artigo 89 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, como o artigo 135 da Lei nº 7/2007, não qualificam as irregularidades, tendo todas
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as que forem detectadas o mesmo valor jurídico para efeitos da sua valoração.
Com efeito e na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional de Portugal, cujo artigo 93º da competente Lei Orgânica tem uma redacção semelhante, na sua essência, ao já citado artigo 89 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional e no qual este se inspirou, aliás como toda a nossa legislação eleitoral, "[A] Lei não distingue entre grandes e pequenas irregularidades processuais no processo de apresentação de candidaturas, pelo que todo e qualquer vício pode, em princípio, e respeitados os prazos legais, ser sanado. Tal só não sucederá para as irregularidades que se referem a pressupostos ou condições de candidatura não satisfeitas dentro dos prazos taxativamente estabelecido"s.In Acórdão nº 250/85, de 25-11-85, BMJ, 361º - S, página 185, citado por Carlos Fraga na sua obra Contencioso Eleitoral, edição da Livraria Universidade, Coimbra 1997, página 80.
Nos termos da supracitada disposição legal portuguesa, até são notificados, para suprir irregularidades, candidatos que não foram propostos por nenhum cidadão eleitor. In Acórdão nº 722/2005, de 26 de Dezembro de 2005 do Tribuna Constitucional Português, extraído de http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acórdãos/2005722.html
Aliás todas as nossas leis eleitorais inspiraram-se na legislação eleitoral portuguesa, mormente nos seus aspectos fundamentais, tais como os princípios da aquisição progressiva dos actos eleitorais e da impugnação prévia.
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Segundo Carlos Fraga e a propósito da aplicação do despacho de aperfeiçoamento previsto no nº 1 do artigo 477º do C.P.C. ao contencioso eleitoral e considerando o direito processual civil como direito subsidiário ao direito processual eleitoral (vide o artigo 46 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional), considera essa faculdade imperativa para o juiz e de carácter obrigatório em todas as eleições. In Contencioso Eleitoral, de Carlos Fraga, edição da Livraria da Universidade, Coimbra 1997, páginas 78 e 79.
Nos termos do nº 3 do artigo 89 da já citada Lei Orgânica do Conselho Constitucional, só podem ser rejeitados, liminarmente, os candidatos inelegíveis, dado que sendo o Presidente da República um órgão unipessoal, não é susceptível de ser substituído por outro, como acontece nas listas de candidaturas para deputados para a Assembleia da República e membros das Assembleias Provinciais e Municipais.
Também nos termos do artigo 136 da Lei nº 7/2007, de 26 de Fevereiro e no que diz respeito à eleição do Presidente da República, "[É] rejeitado o candidato inelegível, nos termos do artigo 127 da presente Lei". Por sua vez o citado artigo 127 refere que "[N]ão são elegíveis a Presidente da República os cidadãos que:
a) não gozem de capacidade eleitoral activa;
b) tenham sido condenados em pena de prisão maior por crime doloso;
c) tenham sido condenados em pena de prisão por furto, roubo, abuso de confiança, burla, falsificação ou por crime doloso cometido por funcionário, bem como os delinquentes habituais quando tenham sido declarados por decisão judicial;
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d) não residam habitualmente no país há pelo menos doze meses antes da data da realização da eleição".
Esta enumeração é taxativa, não sendo, por isso, lícito, ao intérprete da lei, acrescentar outras situações que determinem a inelegibilidade, de forma discricionária, com fundamento em indícios da prática de actos ilícitos, pois trata-se de um direito fundamental, o do sufrágio.
Assim sendo, a falta do requisito da propositura duma candidatura por um mínimo de dez mil eleitores não constitui nenhuma inelegibilidade que possa conduzir à rejeição duma candidatura a Presidente da República, nos termos citados do artigo 127 da Lei nº 7/2007, de 26 de Fevereiro.
O artigo 135 da Lei Eleitoral refere-se ao suprimento de irregularidades processuais, não podendo daí extrair-se a ilação, de sentido contrário, de que existem irregularidades, processuais ou não, insupríveis.
O facto de os candidatos excluídos o terem sido porque as fichas de proponentes invalidadas apresentaram vícios que não se podem qualificar como irregularidades processuais supríveis por existência de fortes indícios de responsabilidade criminal por falsificação, que o presente Acórdão qualifica de vícios de fundo ou de substancia, configura-se-me injusto e violento. É que a existência de indícios ou suspeita da prática de actos ilícitos na recolha de assinaturas de eleitores proponentes devia, a meu ver, conduzir, apenas, à repreensão criminal daqueles ilícitos em sede própria, sem interferir com o processo eleitoral, pois são duas situações independentes uma da outra, com a agravante de que das decisões do
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Conselho Constitucional não há recurso, diferentemente do que acontece nos ordenamentos jurídicos de outros quadrantes, como por exemplo de Cabo Verde e Portugal, onde contra a não admissão de uma candidatura a Presidente da República, há reexame da competente decisão.
Nestes países, as candidaturas a Presidente da República são apresentadas numa das secções dos competentes tribunais superiores, onde estas, exercendo competências não jurisdicionais, recebem e admitem ou não candidaturas, verificam a regularidade dos processos, a autenticidade dos documentos e a elegibilidade dos candidatos, não havendo nenhum conflito a solucionar, como é evidente.
Das decisões das secções cabe então recurso para o plenário do tribunal, onde este, no exercício das suas competências jurisdicionais, decide os litígios.
O Conselho Constitucional tem competências jurisdicionais e não jurisdicionais. É exemplo destas últimas o estipulado na alínea a) do nº 2 do artigo 244 da Constituição quando verifica os requisitos legais exigidos para as candidaturas a Presidente da República. Nesta actividade o Conselho recebe e admite ou não candidaturas, verifica a regularidade dos processos, a autenticidade dos documentos e a elegibilidade dos candidatos.
Mas como o Conselho Constitucional, por força da sua Lei Orgânica, apenas funciona em plenário, das decisões tomadas naquele âmbito não há recurso, nos termos do nº 1 do artigo 248 da Constituição da República.
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Os candidatos rejeitados vêm violado o seu direito ao sufrágio, face ao estipulado no artigo 73 da Constituição, que preconiza que "o cidadão tem direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei", pois estão impossibilitados de solicitar o reexame da decisão do Conselho Constitucional que não admitiu as suas candidaturas.
Concluindo, entendo que o Conselho Constitucional devia considerar supríveis as irregularidades que levaram à rejeição das candidaturas em análise, independentemente da qualificação dos vícios que foram detectados nas fichas dos eleitores proponentes.
Manuel Henrique Franque _______________________________________
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