Friday 10 July 2009

O TPI não tem como alvo líderes africanos




Domingo, 05 Julho 2009 17:17 José Belmiro

[Sylvia Figueiredo, juíza do TPI]

Sylvia Figueiredo, juíza do TPI
Segundo Sylvia Figueiredo, juíza do Tribunal Penal Internacional


Chama-se Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, de na­cionalidade brasileira, e é juíza há mais de 30 anos. Actu­almente, é juíza do Tribunal Pe­nal Internacinal (TPI), cuja sede situa-se na cidade holandesa de Haia. O mandado de captura emitido pelo TPI contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, conta com a sua assinatura.



Steiner, que integra o corpo de magistrados do TPI desde 2003, é uma das magistradas que com­põem a primeira secção prelimi­nar do TPI. A juíza brasileira, que trabalha com a magistrada ganense Akua Kuenyehia e com a letã Anita Usacka, é responsá­vel por procedimentos prelimi­nares em casos envolvendo a Re­pública Democrática do Congo e a região sudanesa de Darfur, onde conflitos étnicos e políti­cos já deixaram mais de 300 mil mortos e 2.5 milhões de refugia­dos.



Steiner esteve recentemente na capital do país, para tomar par­te de uma conferência promovi­da pela Ordem dos Advogados, cujo objectivo era analisar as vantagens e desvantagens que o país pode ter, caso decida aderir ao TPI. Em entrevista exclusiva ao “O País”, Steiner fala do TPI e dos processos que, neste mo­mento, estão em curso naquele Tribunal, incluindo o mandado de captura contra o presidente sudanês, Omar al- Bashir.

O que é o TPI e qual é a sua vocação?

O TPI é um tribunal criado por um tratado (Estatuto de Roma) em 1998 e entrou em vigor em 2002. Portanto, é um tribunal novo que só começou a funcio­nar efectivamente em 2003. Foi criado como primeiro Tribunal Penal Internacional de carácter permanente para processar e jul­gar aquelas pessoas acusadas de cometer crimes mais graves con­tra a paz e a segurança da huma­nidade. Trata-se dum tribunal de carácter complementar e não veio para substituir o poder judi­cial dos estados. O TPI actua só quando o estado, por qualquer razão, não pode ou não quer ac­tuar.

Qual é o peso que as decisões do TPI têm sobre os estados não signatários do Estatuto de Roma?

Bom, em princípio, o TPI não tem competência a não ser sobre pessoas nacionais dos estados que ratificaram o estatuto ou pessoas que praticaram crimes em territórios que ratificaram o Estatuto. A única excepção é quando o Conselho de Seguran­ça da ONU remete um caso ao TPI. O Conselho de Seguran­ça da ONU tem poderes, por exemplo, para criar tribunais ad hoc como aconteceu com o caso da ex-Jugoslávia e do Ruanda. Igualmente, tem poderes para enviar casos para o TPI.

Como é que são materializa­dos os mandados de captura emitidos pelo TPI contra indiví­duos que se encontram em esta­dos não signatários do Estatuto de Roma?

O TPI depende totalmente da cooperação internacional. O TPI não tem polícia e não invade estados para prender seus acusa­dos ou suspeitos. Quando se tra­ta de um suspeito ou acusado de um estado que ratificou o Esta­tuto, esse estado tem a obriga­ção de cooperar com o TPI. No caso de estados que não ratificaram o estatuto, o TPI depende da cooperação de outros estados para executar a ordem de cap­tura. Além disso, a resolução do Conselho de Segurança da ONU recomenda que todos os estados cooperem com o TPI.

Muitos países africanos mos­tram-se revoltados com o TPI, alegadamente porque este Tri­bunal toma decisões pró-oci­dentais, ou seja, dizem que o mesmo só age contra líderes africanos…

Esta tem sido uma espécie de acusação recorrente de que o TPI estaria tendo como alvo pre­dilecto os líderes africanos. Creio que esta afirmação é principal­mente fruto da desinformação ou da informação desvirtuada. O TPI tem, actualmente, quatro situações sob sua jurisdição. Três dessas quatro situações, referen­tes ao estado do Uganda, da Re­pública Democrática do Congo e República Centro Africana, fo­ram mandadas para o TPI pelos próprios estados, porque, pelo facto de estarem em conflito ar­mado, se sentiram incapazes de proceder ao julgamento. Não fomos nós quem foi buscar os casos, foram os próprios estados africanos que nos enviaram.

O quatro caso é referente ao Sudão, que também não fomos buscar, mas o Conselho de Se­gurança da ONU enviou-nos o caso para que o procurador ini­ciasse a investigação.

Acha que esta ideia de que o TPI está ao serviço do Ocidente é degenerada?

Eu acho que pode ser fruto da falta de informação. Talvez um dos grandes problemas do TPI seja a dificuldade de divulgar um pouco mais o seu trabalho e passar a informação. O TPI foi criado na conferência de Roma por 120 estados e, actualmente, tem 109 estados-parte dos quais 30 são africanos. Os estados africanos tiveram um papel fun­damental na criação do TPI na conferência de Roma.

Olhando concretamente para o caso de mandado de captura contra o presidente sudanês, Omar Al-bashir, qual é a análi­se que faz do facto do mesmo contar com o apoio da Liga Ára­be e da União africana?

Bom, como juíza eu não faço análise política, não tenho condições de fazer análise polí­tica. Foi feita uma investigação sobre a situação no Darfur, há quatro ou cinco anos, por uma comissão nomeada pelas Nações Unidas, presidida por um dos mais eminentes juristas interna­cionais, o Professor Cassezy, e concluiu que estavam a ser co­metidos graves crimes no territó­rio do Darfur. A partir disso, o Conselho de Segurança da ONU remeteu o caso ao TPI. Quando se remete um caso ao TPI, não é automaticamente que uma or­dem de captura é emitida. Cabe ao procurador decidir se há mo­tivos suficientes para se iniciar uma investigação penal. Depois duma investigação (ao “caso Al-Bashir“), levada a cabo durante quase três anos, o procurador foi à sala judicial para pedir a emis­são da ordem de captura. Por­tanto, o único material que os três juízes do processo acessam é o material trazido por uma in­vestigação e que é analisado do ponto vista legal e não do ponto de vista político. O TPI não e não pode fazer análise política.

Existem países dentro da União Africana que ratificaram o estatuto de Roma, que cria o TPI, mas são solidários com o presidente Al-Bashir do Sudão. qual é o tratamento que se dá a este tipo de situações?

O TPI não faz análises políticas. Os países que ratificaram o esta­tuto são obrigados a cooperar.

Caso não cooperem?

Se eles não cooperarem, o TPI pode decidir enviar uma comunicação à assembleia dos estados-parte, que é composta por todos os estados que rati­ficaram o Estatuto, para que tome as medidas que achar necessárias. Na verdade, o es­tatuto de Roma é um Tratado e um estado, quando assina um Tratado, assume o compromis­so de cumprir com o Tratado. Este é o chamado princípio da boa-fé em Direito Internacio­nal. E o estado que não cumpre com as suas obrigações está a cometer um ilícito internacio­nal, e caberá à assembleia dos estados-parte decidir se toma alguma medida.

Que tipo de medidas?

Não tenho mínima ideia, porque isso não está regulado. é uma de­cisão política da assembleia dos estados-parte.

Se o TPI só actua em países que ratificaram o estatuto, volto à questão do Sudão e per­gunto: Este país é parte?

O Sudão não é. Mas faz parte daquela excepção de um caso que foi remetido pelo Conse­lho de Segurança da ONU. Ai não há limitação da sua actu­ação.

Quais são os pressupostos que levaram o TPI a aceitar as provas apresentadas pelo pro­curador Ocampo contra o pre­sidente Al-Bashir?

Os mesmos pressupostos que levaram o TPI a aceitar os ou­tros casos que estão em anda­mento no TPI. A existência de indícios razoáveis da existência de crimes que são da jurisdição do TPI e indícios de autoria

E tais indícios existem?

Se não existissem, a minha secção não teria expedido um mandado de captura. Os docu­mentos recebidos, que foram enviados pelo procurador, con­venceram a sala de que existem indícios razoáveis. A emissão do mandado de captura é um patamar mais baixo do que um patamar exigido para uma con­denação.

O facto do presidente do Su­dão continuar a “passear” em vários países, apesar de ser procurado pela justiça interna­cional, não choca com os juízes do TPI?

Eu acho que não é uma ques­tão de ficarem chocados. Os ju­ízes preocupam-se com a falta de execução das suas decisões. Não é só o caso do Sudão, te­mos o caso do Uganda no qual, há cerca de cinco anos, foram expedidos mandados de prisão e até hoje ainda não foram cum­pridos. há um mandado de pri­são contra um cidadão da RDC que ainda não foi cumprido. O TPI depende sempre da coope­ração dos estados. Se os estados não cooperam, porque não po­dem ou não querem, cria-se um problema jurídico de falta de cooperação. Mas não há nada que o TPI possa fazer.

Caso o presidente do Sudão não seja detido, qual será o fu­turo do processo?

Não se dá andamento do pro­cesso. Não existe processo à re­velia.

Há sectores que acham que a existência desse processo põe em causa os esforços de paci­ficação do Darfur. que análise faz a estes pronunciamentos?

Eu acho que o TPI não tem que fazer análises deste facto. O TPI não tem que ir ao terri­tório discutir com os políticos, com as forças armadas, para chegar à conclusão de que a expedição do mandado de cap­tura é conveniente ou não. Um Tribunal imparcial e indepen­dente não tem que fazer esse juízo de conveniência, pois um juízo de conveniência é político e nós evitamos fazer isso.

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