Thursday, 2 July 2009

Depois de criticar o governo pelos “excessos e insensibilidade”



Eduardo Mulémbwè não discursa há mais de 480 dias
“É fundamental materializar, de forma consequente, a acautelada opção de criação de um Estado verdadeiramente interventivo e regulador, capaz de, com a sua autoridade e meios disponíveis, corrigir distorções ou assimetrias sócio-económicas, repor a justiça e proteger os mais desfavorecidos dos excessos e insensibilidade próprios do capitalismo no seu estágio selvagem, incentivar o sentimento de pertença, partilha e comunhão, potenciando os valores de irmandade, fraternidade e solidariedade” – extracto do último discurso do Presidente da Assembleia da República, Eduardo Mulémwè, proferido a 10 de Março de 2008, criticando o Governo pela letargia que permitiu a ocorrência da manifestação popular de 5 de Fevereiro.

Maputo (Canal de Moçambique) – O presidente da Assembleia da República, Eduardo Mulémbwè, proferiu a 10 de Março de 2008, um discurso vigoroso criticando “excessos e insensibilidade” do Governo da Frelimo, que segundo ele, teriam entretanto, contribuído para a revolta popular do dia 5 de Fevereiro de 2008, que paralisou as cidades de Maputo e Matola. No seu discurso – de que reproduzimos nesta peça alguns extractos – o presidente do mais alto órgão legislativo do país criticou severamente os seus camaradas governantes do país, pelo partido Frelimo, do qual o próprio Mulémbwè é membro da Comissão Política. Só que de lá até a esta data, Eduardo Mulémbwè nunca mais discursou no momento reservado aos discursos de praxe das chefias das bancadas e da Presidência da Assembleia da República.

As críticas de Mulémbwè

No seu discurso, que proferiu na abertura da VIII sessão ordinária da AR, Mulémbwè considerou como prováveis motivos para as manifestações ocorridas a 5 de Fevereiro o “desajustamento do crescimento entre as necessidades das pessoas e a efectiva capacidade de satisfação das mesmas, o elevado custo de vida, o desemprego, a excessiva aglomeração de pessoas nos centros urbanos, a corrupção e o burocratismo”.
Como solução para estes problemas, o presidente da AR falou, na altura, da necessidade da “exploração racional dos recursos de que o país dispõe, mas desaguou a sua crítica na máquina governativa que a considerou “insensível” ao sofrimento da população.
“Convenço-me que a exploração racional dos imensos recursos adormecidos com que Deus brindou Moçambique irá produzir a riqueza necessária para a solução dos nossos hodiernos problemas económicos e sociais. Tenho muita esperança que, lutando pela efectiva aplicação da “justiça social”, lograremos a distensão social que, por sua vez, potenciará, em grande medida, a paz, a concórdia e a harmonia que todos almejamos”, afirmou.
Entretanto Mulémbwè atribuiu a grande responsabilidade de correcção do que anda mal no país, ao governo.
“Para que isto aconteça é fundamental que se tenha uma nova atitude perante o trabalho, criar condições para maior operacionalização da máquina governativa...”, disse entretanto.
Continuando, o presidente da AR disse que “é fundamental materializar, de forma consequente, a acautelada opção de criação de um Estado verdadeiramente interventivo e regulador, capaz de, com a sua autoridade e meios disponíveis, corrigir distorções ou assimetrias sócio-económicas, repor a justiça e proteger os mais desfavorecidos dos excessos e insensibilidade próprios do capitalismo no seu estágio selvagem, incentivar o sentimento de pertença, partilha e comunhão, potenciando os valores de irmandade, fraternidade e solidariedade”.
Eduardo Mulémbwè criticou ainda o sector da justiça alertando que “é preciso requalificar a concepção e estrutura da administração da justiça, para que esta esteja mais próxima dos cidadãos e seja célere, oportuna e justa”.
Falou da necessidade de “investir na educação, formação e capacitação do Homem e fazer do diálogo ferramenta importante na actividade político-partidária e na convivência social”.

16 meses/480 dias de silêncio

O discurso do presidente da AR foi recebido de forma surpreendente na sociedade moçambicana, com a maioria dos intelectuais e analistas políticos e sociais a considerarem que Eduardo Mulémbwè deixou falar mais alto a sua consciência, evitando falar politicamente correcto.
O Sociólogo moçambicano Carlos Serra, por exemplo, reagiu ao discursos de Eduardo Mulémbwè escrevendo no seu blog que “o presidente da Assembleia da República escolheu o lado real, o lado da consciência do que efectivamente se passou e se passa no país”, lê-se num artigo de Carlos Serra intitulado “Mulémbwè reconhece assimetrias à retaguarda das manifestações populares”.
Mas como acima referimos, depois deste discurso, a segunda figura mais importante do país - o número 1 do artigo 151 da Constituição da República de Moçambique estabelece que “em caso de impedimento ou ausência do país, o Presidente da República é substituído pelo Presidente da Assembleia da República...” – submeteu-se num silencio ensurdecedor. Acontecem coisas no país com grande impacto na vida dos cidadãos, mas Eduardo Mulémbwè pauta pelo silêncio.
Feitas as contas, passam agora 16 meses, ou seja, cerca de 480 dias que o presidente da Assembleia da República não profere discursos no momento reservado aos discursos de praxe das chefias das bancadas e da Presidência da Assembleia da República.
Encerrou a VIII sessão da AR, abriu a IX e tornou a encerra-la; abriu a X sessão cujo término está previsto para próximo dia 20. Durante este período, tanta coisa sucedeu no país, mas Eduardo Mulémbwè remeteu-se ao silêncio. Preferiu deixar os chefes das bancadas parlamentares discursarem. E no momento reservado ao seu discurso, o presidente da AR sempre optou em dizer duas a três palavras e declarar aberta ou encerrada a sessão, conforme a situação.
O que estará por detrás do silêncio do presidente da Assembleia da República? Terá alguém silenciado esta figura, ou lhe pedido para falar politicamente correcto, traindo a sua própria consciência e ele não querer alinhar com isto?

(Borges Nhamirre)
2009-07-02 05:47:00

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