Wednesday, 4 March 2009

A OPINIAO DO ZAMBEZE DE 05.03.09

Editorial
Os americanos têm defeitos mas mudam, nós só mudamos a forma dos defeitos
Os Estados Unidos da América publicaram a semana passada um relatório sobre Direitos Humanos em Moçambique em que falam da nossa Justiça. A numenklatura arregimentada pelo partido Frelimo ficou irritada, porque o relatório a acusa, precisamente, de manipular a Magistratura. Saíram em defesa do aparelho visado, as entidades governamentais que mais responsabilidades têm pelo estado a que chegou a inoperância, com laivos de promiscuidade, a Justiça em Moçambique. Reagiram ao que escreve o Departamento de Estado Americano na sua apreciação sobre a Justiça e o respeito pelos Direitos Humanos, mas, em suma, esse mesmo relatório acaba sendo uma fortíssima achega ao regime e por isso muito mais do que uma achega ao aparelho judicial em si. Os camaradas ficaram, estão, extremamente nervosos.

Não é por acaso!..

Coincidência ou não, o PGR logo uns dias depois, no inicio desta semana, na abertura do ano judicial, prometeria agir contra o narcotráfico e contra o enriquecimento ilícito. Palpita-nos que se vai ficar pelas palavras e daqui a um ano veremos o que terá a PGR para nos desmentir!...

Sobre o relatório americano, obviamente que quem é visado por uma acusação tem todo o direito de se defender, mas o direito a defesa pressupõe que quem julga a matéria esteja isento para o fazer e neste caso o que nos é dado a observar é que os acusados estão a fazer juízos em causa própria em vez de ficarem calados. Até nisso dão sinais da sua concepção de justiça!...Estão, inclusivamente a converter a questão numa operação nacionalista de oposição a uma entidade externa, como quem diz que essa mesma entidade se está a imiscuir em assuntos internos. Quando dão dinheiro não há ingerência! E quando dão carrões aí são mesmo uns “gajos porreiros”...

O ex-presidente norte americano George W. Bush, texano, deu todos os incentivos para que os mais graves crimes contra os Direitos Humanos se praticassem e viu-se como um aparelho protegido por figura do mais alto nível se comportou na América. Assistiu-se às mais incríveis barbaridades. Bush foi criticado intensamente em várias partes do Mundo. O bom nome dos Estados Unidos da América acabou por sofrer as consequências do que Bush fez e permitiu que se fizesse. Mesmo até de alguns seus correligionários se ouviram vozes discordantes.

Foi-se Bush, veio Barack Obama. O Povo Americano fartou-se de constatar o seu País a ser visto internacionalmente como um ninho de víboras. Para mudar as coisas tentou nas urnas outra sorte. Escolheu um novo presidente que de imediato pôs termo ao que mais suscitava as críticas internacionais que manchavam o bom nome do país. Foi votar para mudar as coisas. E as coisas estão realmente a mudar na América.

A América tem hoje um presidente com outra postura, aliás muito elogiada até em África pelo seu ascendente genético ter partido do Quénia.

Guantanamo foi o mais visível «Calcanhar de Aquiles» para a América em matéria de Direitos Humanos. Mas há mais exemplos maus. As práticas que por lá havia, punham em causa todo o sistema de Justiça americano, e passaram a desacreditá-lo, totalmente. E embora as vítimas dos erros do presidente Bush fossem os magistrados, eles nunca vieram a terreiro fazer qualquer tipo de defesa do status quo. E se algo fizeram acabou por resultar que as coisas realmente mudaram e a América está de novo a recuperar o seu bom nome.

Os magistrados americanos não saíram em defesa do governo americano. Calaram-se e o que eventualmente fizeram, resultou. Hoje a América volta a ter uma melhor imagem em matéria de Direitos Humanos.

Guantanamo é apenas um detalhe do conjunto de criticas que pelo mundo se ouviram contra as práticas norte americanas. Mas desde que Obama chegou ao poder em Washington muito está a mudar na América e nas suas relações exteriores. Com isso surge uma nova imagem da América em matéria de Direitos Humanos.

Em Moçambique critica-se, mas nada muda. Os deuses prosseguem a sua marcha devastadora com toda a impunidade e os juízes mais acossados saem em “marcha corrida” em defesa do indefensável.

Em Moçambique chama-se a atenção para a existência de um trio que conforma as mais nítidas características de permeabilidade à promiscuidade na Justiça, mas nada acontece. Fica tudo na mesma, como aparentemente convém.

Existem evidências de que há, no topo da hierarquia de quem julga, quem seja padrinho de quem está no topo da hierarquia vertical de quem acusa. Há até marido de alta governante do executivo que é advogado de juiz-presidente e do mais alto magistrado do Ministério Público, quando se sabe que esse mesmo advogado deve ao tesouro público – ainda que por interposta entidade – avultada soma de dinheiro. Há anos que se sabe disso e sabe-se que o dinheiro não retorna às origens. Disso nos dá conta o Tribunal Administrativo. Sabe-se que no meio de tudo isso, em complot astutamente engendrado e com as características da maior transparência judicial, ainda atacam sub-repticiamente certa imprensa. Que mais se poderá crer e pensar da nossa Justiça?

Quando juiz-presidente, a mais alta figura do mais alto órgão da magistratura judicial escolhe para seu advogado o marido da primeira-ministra, sabendo-se que há muitos outros bons e talvez muito mais qualificados, pode-se esperar que a sociedade não suspeite de que aí possa residir um dos mais curiosos elos do sistema de alianças entre o Executivo e o Judicial?

Quando o Procurador Geral da República tem como seu advogado o marido da mesma primeira-ministra, pode-se acreditar que não seja por aí que o sistema é curto-circuitado?

Quando o marido da primeira-ministra é advogado dos magistrados mais altos das hierarquias de quem julga e de quem acusa, pode-se acreditar na independência dos órgãos incumbidos de fazer Justiça em Moçambique? Se calhar pode-se, quando se está nas primeiras instâncias, mas depois começa-se a suspeitar, com forte dose de razões para tal.

“A mulher de César não basta ser pura, é preciso que o pareça!”.

Quando o marido da primeira-ministra é réu ou assistente num qualquer processo, o saber-se das outras ligações que ele tem com os mais altos magistrados, será que pode dar garantias a alguém de que a Justiça é realmente independente? Os magistrados aos mais diversos níveis, sabendo que qualquer juízo com base estrita no Direito pode pôr em causa interesses ocultos e pode valer-lhes a transferência para um tribunal em local que não desejam, e pôr em causa toda a sua estabilidade familiar, será que não vão tomar em conta as ligações que conhecem dos intervenientes nos processos com as hierarquias do sistema a que estão sujeitos?

Lembramo-nos, por exemplo, de um caso em que um alto magistrado telefonou a um juiz de uma causa que decorria em Cabo Delgado, num tribunal de baixa instância, e o advertiu. Quando contactado pela Imprensa para esclarecer por que agiu de tal forma, o tal alto magistrado judicial disse: “apenas chamei o juiz à consciência!”. Se isto não é ser “resoluto” o que será?

E por outra: já alguém se deu ao trabalho de pensar porque razão há tanta justiça feita pelas próprias mãos em Moçambique?

Porque razão haverá tantos casos de linchamentos após 34 anos de Independência e de existência de um Estado? Será porque temos uma Justiça eficiente? Será porque temos autoridades cumpridoras do seu papel em estrita observância da Lei? Será porque os cidadãos acreditam mesmo nas autoridades e na forma como estas têm vindo a gerir o Estado e a coisa pública? Não será porque os cidadãos deixaram de acreditar na Justiça e é preciso ouvirem-se as críticas e mudar sem ser a fingir?

Porque será que toda a gente sabe que existe uma Colômbia em Maputo e ninguém actua? É porque temos uma Justiça independente? E a Policia não actua porquê? Será porque temos um executivo eficiente?

Porque será que se fala tanto em corrupção mas a Justiça não consegue mostrar-nos um corrupto apenas, que seja para amostra?

Porque será que nos casos contra a Imprensa quando envolve alguém da numenklatura as coisas andam até mais depressa do que noutros casos em que a Lei assegura a mesma prioridade? Porque será que os casos contra a Imprensa quando há figurões andam mais depressa do que outros também contra a Imprensa. Será porque tais casos têm o patrocínio de “um advogado à americana” como certo dia Sebastião Mucavele se referiu a certo tipo de causídicos no famoso hebdomadário domingueiro?

Por aqui nos ficamos. A realidade fala por si. Os americanos têm muitos defeitos, mas quando os identificam, mudam. Nós só mudamos as formas dos defeitos. Sabe bem a certas pessoas manter isto tudo sempre na mesma. E para outras é mais cómodo não reconhecerem o que já também disse o nosso Azagaia: “temos liberdades decepadas de forma muito subtil”.

Se estas coisas nos preocupam realmente, temos de começar por entender que não é o nacionalismo e a euforia anti-americana que nos vai salvar. Os americanos engoliram os sapos todos que tinham de engolir e no momento exacto agiram e mudaram. Nós temos que começar a reflectir e avaliar se não terá chegado o momento de agirmos e mudarmos as coisas sem paliativos. Todos os anos temos de conversar sobre as mesmas coisas. Com isto, será que os americanos são os maus? O defeito não estará connosco? (Z)

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