Saturday, 1 November 2008

A talhe de foice

Por Machado da Graça

Um novo cargo

O ordenamento jurídico moçambicano começou, muito recentemente, a poder contar com um novo órgão.
Estou-me a referir, é claro, ao Procurador Geral da República.
Alguns leitores mais distraídos são capazes de perguntar se antes não houve já outros PGRs. E são até capazes de indicar nomes, falando de Madeiras e Nhatitimas e companhia limitada. Mas eu não posso deixar de perguntar a esses
leitores o que é que tais pessoas fizeram, no cumprimento de tal cargo, para além de receberem o respectivo vencimento, ao fim do mês, e irem envergonhar-se perante o país, uma vez por ano, no Parlamento.
Nada, não é verdade? Temos que reconhecer que é verdade, sim. Neste momento, pelo contrário, o país sente que temos um Procurador Geral da República. E os novos moradores da av. Kim il Sung estão a sentir isso de forma particularmente aguda. Eles e todos os outros que começam a pensar se, mais dia menos dia, não lhes vão fazer companhia.
Segundo o SAVANA da semana passada só Almerindo Manhenje tem à sua conta 49 (quarenta e nove!!!) acusações de crimes variados, todos eles para transferir dinheiro dos nossos bolsos de contribuintes para os bolsos dele próprio.
Não vou aqui repetir a lista. O leitor pode, facilmente, consultar a pág. 2 do jornal da semana passada.
Mas a minha pergunta não pode deixar de ser: E ninguém estava a notar nada de estranho? Ninguém se apercebeu que estava a acontecer um enriquecimento súbito e galopante sem nada de lícito em que se pudesse basear?
Não há nenhuma fiscalização sobre o uso dos bens do Estado? É só o ministro assinar por baixo e a tesouraria paga?
Qual é, no meio de toda esta pouca vergonha, a responsabilidade do Ministério das Finanças?
Se, de acordo com a acusação, a maior parte dos crimes de Manhenje foi cometida de forma continuada, não houve nenhum controlo regular para mandar parar o regabofe?
Porque isto cria-nos uma enorme suspeita de que Manhenjes haja para aí aos montes.
Este foi apanhado porque o seu sucessor mandou fazer uma auditoria às contas e porque Augusto Paulino tem um maior património de hormonas masculinas do que os seus antecessores. E os outros?
Ouvi, na rádio, de viva voz, o anterior Ministro dos Transportes a confirmar que, vários meses depois de ter abandonado o cargo, continua a circular com uma viatura pertença da Aeroportos de Moçambique. E não posso deixar de perguntar porque é que, em primeiro lugar, a Aeroportos de Moçambique ofereceu uma viatura 4x4 ao Ministro de sua tutela. E, em segundo lugar, porque é que este não devolveu a viatura quando abandonou o cargo. E não terá sido por premente necessidade, porque ele próprio reconheceu ter outras viaturas.
Só que, ao ponto a que as coisas chegaram, a tarefa de fazer uma limpeza é gigantesca. E os meios são demasiado curtos.
Alguém me disse que, no Botsuana, onde as coisas são muito menos graves, a procuradoria local tem mais de 100 pessoas a trabalhar. E que cá, se houvesse 20 pessoas no Gabinete Anti-Corrupção seria uma festa. A mesma fonte me dizia que, nos tempos anteriores a Guebuza, essa área não tinha sequer orçamento...
Portanto, perante uma situação muitíssimo mais grave do que a do Botsuana, temos menos de um quinto de pessoas para enfrentar a situação.
Uma coisa que talvez permitisse facilitar a tarefa era tornar públicas aquelas declarações de bens dos que desempenham cargos públicos. Por aí todos poderíamos ir acompanhando este tipo de enriquecimentos súbitos e a Procuradoria teria logo, à partida, matéria para iniciar as investigações.
De qualquer forma, acções como a dos trabalhadores da Aeroportos de Moçambique, que denunciaram o forrobodó que ia por aqueles lados, podem e devem animar os trabalhadores de outros sectores que, com provas na mão, possam vir-nos
contar como anda a ser gasto o nosso dinheiro.
Facilitando, assim, a abertura dos processos pela PGR.
Há quem defenda que tudo isto só está a ser possível depois de um reforço significativo das posições de Armando Guebuza no interior da Frelimo e mesmo no aparelho de Estado, nomeadamente nas forças de defesa e segurança.
Não tenho evidências que o confirmem, mas não me repugna acreditar que assim possa ser.
Mas, se esse for o caso, ainda agora a procissão de carros prisionais está a entrar na Kim il Sung.
E será bom começar a alargar a sala VIP daquela cadeia...

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