SÓ O QUE ACONTECEU - Caravana “CD em Movimento”
A JANELINHA “só o que aconteceu” teve um interregno de aproximadamente um mês e meio, por razões justificadas de repouso do autor. Tenho andado a vaguear por aí, feito um “pepetseka” (alguém que anda sem beira nem eira) a tentar, ainda que de longe, descobrir uma milésima parte deste Moçambique infindável.
Maputo, Segunda-Feira, 24 de Novembro de 2008:: Notícias
Mas estou de volta! Nos próximos dias vou tentar contar histórias dos lugares por onde “vagabundeei”. Histórias vivenciadas e outras que me foram contadas.
A começar por esta que se segue: de uma viagem memorável que fiz recentemente.
Eu integrava uma excursão/caravana que só não se designou por viagem “Do Rovuma ao Maputo” em respeito à memória colectiva da histórica viagem de Samora Machel e também para não banalizar esse momento importante dos moçambicanos. Por tudo isso, convencionou-se chamar-se por, “Caravana-Cidade de Pemba, terceira maior baía do mundo-“50 anos”. Mas na verdade a viagem – terrestre – era de Maputo a Rovuma. Á distância de 2.500 km.
Não há dúvidas de que todos nós viajamos. E quase diariamente. Mas diga-se, há viagens e viagens! Viagens únicas. Como esta que pela sua originalidade nos ficará impregnada nas nossas memórias até ao fim dos nossos dias. Porque ela não se repete. E quando se “repete” nunca terá o mesmo figurino e emoção.
Ora, a referida caravana foi organizada pelo projecto "CD em Movimento - Associação dos Naturais, Amigos e Simpatizantes de Cabo Delgado", cujo patrono é uma figura que o depoimento que se segue pertence-lhe: “- o polícia veio e estacionou à porta da casa do chefe do posto sentado numa cadeira. Era branco. Eu aproximei-me do polícia para o atacar. O meu tiro era o sinal para os outros camaradas atacarem. O ataque teve lugar às 21.00 horas. Quando o chefe do posto ouviu o tiro, abriu a porta e saiu. Para além dele, seis outros portugueses foram mortos no primeiro ataque. No dia seguinte, fomos perseguidos por alguns tropas - mas nesse momento já estávamos longe e não nos encontraram”. Falo de Alberto Chipande, general na reserva, que a 25 de Setembro de 1964 entrou nos anais da nossa História por ter conduzido o primeiro ataque ao posto administrativo de Chai.
A caravana de Maputo/Pemba e Pemba/Maputo era composta por excursionistas que pareciam terem sido escolhidos a dedo: ordeiros e disciplinados. Eram pessoas com espírito de entreajuda e valores de irmandade. Em tão pouco tempo, notou-se muita relação de proximidade e, acima de tudo, tolerância mútua.
Apesar da diferença de idades (cruzamento de várias gerações), o ambiente à bordo era de fácil camaradagem. De convívio permanente. Os jovens sempre bem dispostos, traziam no olhar a ansiedade de conhecer um novo lugar: Pemba e suas gentes.
A empatia entre os passageiros, foi rápida. Para além de singulares, viajavam líderes de movimentos juvenis, bailarinos e jornalistas. Ao chefe da caravana, o Engenheiro Abdul Satar Náfio valeu-lhe a sua competência e elevado grau de liderança para conseguir gerir o estômago e não só, dos 50 excursionistas de quase todas as províncias à bordo.
Todos os excursionistas ali, viviam, uma história em conjunto. Mas cada um, vivia simultaneamente a sua história pessoal: com as suas particularidades e subjetividades.
No final da viagem, por tudo que se vivera, cada qual ficaria marcado à sua maneira. Cada excursionista ou “caravanista” teria a sua história para escrever um livro...ou então para contar a amigos e familiares ao longo dos 365 dias.
Para todos, esta era uma viagem de ansiedade. Uns regressavam às suas origens; outros (os mais jovens) iam pisar pela primeira vez a terra de cordão umbilical dos seus progenitores; outros como eu, iam conhecer Pemba, a mítica cidade de Edmundo Galiza Matos, Víctor Raposo, Júlio Carrilho, Momed Galibo: a terra esculpida como arte makonde que, por sinal, integra o clube das maiores baías do mundo.
Ao longo percurso cada qual ia descobrindo um novo pedaço de uma Pátria Amada ainda por lapidar, mergulhada na imensidão das florestas, dos rios, das montanhas, machambas pálidas pela seca, contrastando com campos verdes, labaredas de queimadas descontroladas, à mistura. Fosse noite ou de dia, os nossos olhos se deleitavam a cada minuto com um espectáculo da natureza. No longo itinerário, dentro do autocarro ou fora estava sempre algo a acontecer. À noite, por exemplo, as vilas iluminadas- pela já nossa Cahora Bassa - formavam imagens de árvores de um natal antecipado. Por onde escalávamos, éramos recebidos com largos sorrisos pela população e dirigentes locais: foi assim em Xai-Xai, Maxixe, Alto-Molócuè, Mocuba (onde eu embarquei), Caia, Gorongosa, Inchope, Nicoadala, Muxungué, Nampula e Pemba, só para citar alguns.
No interior do autocarro, observam-se vários momentos: havia, por exemplo, gargalhadas motivadas quase do nada, cuja razão era apenas de “celebrar a vida”. Houve rufares de tambores e dança mapiko protagonizadas pelos bailarinos. A dado momento, experimentava-se um cansaço colectivo e silêncio absoluto. Metade do autocarro dormia pesadamente. Há quem para aliviar as dores do traseiro e das pernas optava por viajar momentaneamente de pé. E quando o "bus" cruzasse “zona com rede” todos “acordavam” para dizer a família: “Alô, estamos a passar Namacurra”.
O carro avança. A meta é Pemba.. Os jovens escutam atenciosamente experiências e ensinamentos dos mais velhos. São vários os temas "da actualidade" na mesa de debate. No meio do grupo destaca-se um orador nato o Sr. Bernardino, um oficial da PRM. Homem com grande bagagem de cultura geral: Muito lido: “mastigou” quase toda a obra de escritores moçambicanos, e não só. Alguém de quem se gosta logo no primeiro contacto.
Depois de uns dias em Pemba, chegou a data de regresso. Na véspera, houve um jantar de despedida onde estiveram Alberto Chipande, Mateus Katupha, o governador de Cabo Delgado, Eliseu Machava, e o presidente do município local.
Partimos. È madrugada. Sinto o coração tão despedaçado. Tal como acontece quando abandonamos alguém muito amada. Ou quando nos despedimos da família para ir à tropa, estudar ou trabalhar longe da terra.
O autocarro avança e a sedutora Pemba começa a ficar p´ra trás...e imediatamente a nostalgia aperta o peito...não julgava que pudesse gostar tanto de uma cidade em tão pouco tempo. Realmente não é fácil desligar-se da terceira maior baía do mundo!
E quando chegamos a Maputo, tínhamos “comido” 5 mil quilómetros de estrada. Ida e volta. Não é todos os dias que se percorre do Rovuma ao Maputo de carro. Foi lindo.
Todos iremos nos recordar daqueles dias que juntos passamos a bordo daquele "Marcopolo" - Grupo Mecula - ao comando de uma tripulação responsável e competente.
Khanimambo “general primeiro tiro"!. Bem Haja "CD em Movimento"! Já agora, a sigla “CD” significa Cabo Delgado. Ela não tem fins lucrativos e emana da sociedade civil.
Na próxima caravana, por favor, “to pidir” não me deixem...
• ALBINO MOISÉS - moisesalbino@yahoo.com.br
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