Saturday, 8 November 2008

Espinhos da Micaia

Com a devida venia reproduzimos neste espaco a opiniao de Fernando Lima sobre o fenomeno Obama!

Por Fernando Lima
Obama
Yes, we can! Somos capazes, traduzo eu uma das máximas da campanha de Barack Obama na sua imparável caminhada para o palácio da presidência americana ... a Casa Branca.
De uma assentada, Obama, que também é Hussein de nome, desmontou uma mão cheia de lugares comuns sobre os Estados Unidos e os americanos. E os recados vão em todas as direcções.
Uma nação com pouco mais de 200 anos leva um afro-americano à presidência, mesmo antes da Europa que muitas vezes se arroga em lições de superioridade cultural sobre os EUA.
E só a cegueira ideológica de muitos pode passar ao lado dos avanços do candidato a presidente Jesse Jackson, da chegada de Colin Powell e Condoleezza Rice, à quarta posição na hierarquia de Estado nos EUA em executivo republicano e falcão. Barack foi o corolário de um percurso.
Obama é negro no politicamente correcto americano. É mulato para moçambicanos e angolanos, e também arma de clivagem política nas quezílias que as elites têm de promover para gerir um espaço políticoque continua a ser movediço nas nossas paragens. A raça, para além de outros atributos, serve de muleta alavanca.
O relevante no fenómeno Obama é que, à revelia da tradição de luta pelos direitos cívicos, o antigo graduado de Columbia e da Faculdade de Direito em Harvard fez uma campanha “color blind”, à revelia da sua pigmentação, conquistando o apoio maciço do eleitorado abaixo dos 30 anos – dois terços segundo os estudos – das mulheres e dos homens americanos dos estratos mais sofisticados e com assinalável poder de
compra.
A vitória de Obama não é um somatório da união entre minorias, ou dos sectores mais desfavorecidos da sociedade americana, como um qualquer estribilho estafado de um partido de esquerda. A sua estrondosa vitória assenta numa estratégia transversal que conquistou largos sectores do eleitorado em praticamente todos os Estados.
Ironicamente, as elites do continente africano que exultam com a vitória de Obama, nos seus próprios países, criaram mecanismos legais, impeditivos de terem fenómenos Obama nos seus territórios. O background familiar, a origem dos seus pais seriam um impedimento para ser candidato a presidente em grande parte do continente africano. A começar por Moçambique, passando pela Zâmbia, onde, o primeiro presidente, o que está indelevelmente associado à sua independência, foi impedido de se candidatar a um
novo mandato ... porque os pais eram do Malawi, antiga Nyassalândia que, tal como a Rodésia do Norte,eram ambos territórios coloniais britânicos. Como se o nacionalismo fosse ditado pela cor do passaporte e pela regra e esquadro da Conferência de Berlim
A vitória de Obama fará rever em privado muitas cartilhas e estribilhos que nos ensurdeceram os tímpanosnas últimas décadas.
Vencedor numa escola exigente e selectiva, Obama e a sua esposa Michele torcem o nariz ao sistema de quotas e de discriminação positiva. As suas divisas são o mérito e a competência que têm tudo a haver com o “yes, we can” para chegar ao “yes, we did it”, ou seja, o triunfal “conseguimos” do 4 de Novembro.
O que remete para a defensiva o discurso do coitadinho e da culpabilização dos outros com que as elites boçais do continente procuram justificar as suas próprias debilidades, insuficiências e falta de ambição para dar a volta por cima aos obstáculos e à adversidade.
Na celebração de Obama e do questionamento da sociedade que é capaz de encontrar esta resposta para as suas próprias encruzilhadas, deste lado de cá, também temos algum trabalho de casa a fazer e encontrar respostas para os nossos dilemas e para as armadilhas que lançamos ao nosso próprio destino.
We shall overcome, cantou Joan Baez ! Também havemos de conseguir.

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